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 Quando em 1997 o MEC fez chegar às escolas os Parâmetros Curriculares Nacionais de 1ª à 4ª séries e no ano seguinte os de 5ª à 8ª séries, grande alvoroço ocorreu dentro das escolas e nos meios acadêmicos. Na escola, professores angustiados e ansiosos, viam nos PCNs um rumo no seu trabalho pedagógico que muitas vezes se perdia nas problemáticas do cotidiano escolar. Nos meios acadêmicos, professores e pesquisadores das mais diversas áreas o viam, no mínimo, como suspeito, por se tratar de uma proposta governamental imposta pela política neoliberal.


 Na escola, a euforia dos educadores se deu sobretudo pelo vislumbramento de, independente da especificidade de cada disciplina, poderem ser abordados temas do cotidiano que contribuiriam para a formação do cidadão. Assim, professores de língua portuguesa, matemática, história, geografia, educação física entre outros, poderiam e deveriam além dos seus conteúdos específicos abordar como tema de suas aulas, questões de ética e cidadania, saúde, meio ambiente, orientação sexual, pluralidade cultural, trabalho e consumo. Estes tópicos enfocados pelos PCNs como temas transversais levariam o educando a uma consciência de ser e estar no mundo, fazendo-o agir como sujeito no mundo, reforçando a formação de uma cidadania responsável.


 Nos meios acadêmicos, inúmeros críticos teceram inúmeras críticas aos PCNs, denunciando o caráter político ideológico contido em suas propostas. Talvez a mais incisiva delas tenha sido a organizada pelo Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte, em 1997, intitulada "Educação Física Escolar Frente à LDB e aos PCNs: Profissionais analisam renovações, modismos e interesses".


 O grupo do CBCE tacha os PCNs de reacionário considerando a proposta de educação apresentada pelos mesmos. Em linhas gerais, resgata a denúncia de Apolônio Abadio do Carmo feita dez anos antes, onde a tendência reacionária "Acredita ser a escola uma instituição que deva zelar pela manutenção da transmissão do saber não importando qual, tudo em benefício do aluno e da sociedade, sem questionar, também, que aluno e que sociedade" (Carmo in Oliveira, 1987, p. 41). Entendem os PCNs como uma imposição governamental e que a proposta, antes de ser educacional é neo-liberal, com o claro propósito de atender as exigências do capital internacional.


 Referendam sua oposição aos PCNs com as determinações do I Congresso Nacional de Educação: "Somos do parecer de que os Parâmetros Curriculares Nacionais sejam rejeitados para qualquer âmbito no campo educacional para atenderem às necessidades pluri-culturais da sociedade brasileira e por desconsiderarem as iniciativas dos educadores que reconhecem e valorizam as diversidades sócio-econômicas, regionais e culturais da comunidade atendida, sobretudo no âmbito da escola pública" (CONAD, 1996).


 Na análise de Taffarel, o velho e trágico conceito Althusseriano da escola como Aparelho Ideológico do Estado, do início da década de setenta é ressussitado; pois para ela, "Parâmetros Curriculares Nacionais são orientações do governo, através do Ministério da Educação, a respeito da DIREÇÃO DO PROCESSO DE FORMAÇÃO HUMANA nos Projetos de Escolarização do Sistema Nacional de Educação, especificamente para o ensino fundamental. Ou seja, representam a direção e a centralização da orientação curricular sob os auspícios do Estado" (p. 29). E ainda, "a construção dos PCNs no Brasil representa a ingerência e o controle ideológico do Estado e das elites dirigentes, articuladas ao projeto neoliberal, que tem em seus agentes financeiros como o Banco Mundial, baluartes do capitalismo. Deve, portanto, encontrar resistências políticas em sua implementação" (p. 57).


 Os PCNs definem a função social da Escola como a inserção dos jovens no mundo do trabalho através da apropriação e resconstrução crítica e construtiva dos conhecimentos socialmente produzidos. Taffarel critica esta função por não questionar o mundo do trabalho capitalista nem contribuir, segundo ela, para "formar um novo homem para construção da sociedade socialista" (p.39). Nos parece ingênuo pensar desta forma pois não faz parte de nenhum projeto político, nem mesmo dos Partidos de esquerda, a construção de uma sociedade socialista, ainda mais se tratando do PSDB/PFL e do Governo neo-liberal de FHC. Um país capitalista como o Brasil, subserviente ao capital internacional, só poderia conduzir a sua política educacional neste sentido: deste modo capitalista de pensar e fazer pensar. Segundo Costa, "Não podemos esperar uma mudança na educação, uma ‘reforma’, como tantas outras promovidas pelo estado. Sendo a escola um prolongamento da sociedade, a educação só mudaria com a transformação social, e por motivos óbvios, espontaneamente, ela nunca mudará. Para as classes no poder, mudar poderia significar a perda do poder, a perda de privilégios" (1995, p. 235).


 Taffarel critica ainda a proposta de educação física contida nos PCNs tachando-a de ingênua, superficial e com base no conhecimento do senso comum. E segundo ela, "estabelecer referências curriculares nacionais com base no senso comum é, no mínimo, trágico, em condições pré-revolucionárias" (grifos nossos) (p. 48). Embora reconheçamos a essência política do trabalho pedagógico, que cotidianamente desenvolvemos uma pedagogia contra-hegemonica que acreditamos minar as superestruturas de poder, não nos reconhemos estar vivendo em condições pré-revolucionárias. Concordamos com Gadotti quando afirma que "dentro do sistema capitalista a educação não tem poder de transformação, nem da sociedade nem dela mesma" (1992, p. 161).


 Embora a crítica deva ser um exercício permanente para aqueles que defendem interesses contra-hegemônicos, temos o compromisso com a reflexão e a possibilidade de intervenção. Temos a impressão que os críticos do CBCE, do CONAD, entre outros, nunca leram Gramsci; só leram Althusser, e fundamentam a sua crítica na concepção de Aparelho Ideológico do Estado. Embora reconheçamos que a escola realmente o seja, nós educadores não somos cúmplices disso. Embora nos utilizemos de conceitos Althusserianos, não assumimos a sua teoria na íntegra, por não vermos nela perspectiva de reversão desta dominação dentro da própria instituição escola. Falta a ela, a dimensão histórica e dialética da educação. É em Gramsci que identificamos nossas convicções político-pedagógicas que reconhece a escola com essa dupla função estratégica de conservar e minar as estruturas de poder. Mesmo aqueles que vêm os PCNs como um Currículo Nacional camuflado, o currículo só ganha vida na sala de aula, com professores, alunos e conteúdos reais. Segundo Costa, "temos uma certa autonomia que, mesmo relativa, nos dá condições de trabalharmos na contra-mão da legislação: detemos os conteúdos, os meios e os nossos objetivos enquanto classe trabalhadora excluída das decisões e o compromisso político-pedagógico com os filhos dos trabalhadores que freqüentam a escola, sobretudo as escolas pública. Mesmo a escola sendo entendida, numa sociedade de classes, como reprodutora das desigualdades sociais, também é nela que temos condições de interferir no processo de dominação. A ideologia dominante marca profundamente o cotidiano da escola conduzindo-a nos rumos dos seus interesses, mas esta possui uma certa autonomia para agir de modo contraditório à cultura oficial" (1995, p. 234).


 Desafiamos os críticos a apontarem que a discussão de questões de ética, saúde, meio ambiente, orientação sexual, pluralidade cultural, trabalho e consumo devam ser abolidas da escola por estarem essas discussões permanentemente contaminadas pela ideologia dominante. Mesmo reconhecendo que esta é a diretriz política, na prática o poder executivo está nas nossas mãos. E é de nossa responsabilidade a construção desse novo homem que irá construir uma nova sociedade diferente da que temos, mais justa e mais humana.


Notas:


 O autor é Coordenador e Professor da Faculdade de Educação Física da Universidade Salgado de Oliveira - Niterói
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 Referências Bibliográficas

Althusser, Louis. Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado. Rio de Janeiro:Graal, 1987.
Gramsci, Antônio. Concepção Dialética da História. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 1984.
Gadotti, Moacir, Concepção Dialética da Educação. 8 ed. São Paulo : Cortez, 1992.