Integra

Hoje em dia, temos como princípio educativo o respeito à diversidade cultural de meninos e meninas.

Esse paradigma leva os educadores à percepção de que existem diferentes formas delas se movimentarem e, mais do que isto, que estes movimentos podem expressar uma linguagem pela qual as crianças, quando em interação umas com as outras, contribuem para a produção de culturas infantis que podem ser percebidas em cada contexto.

Para começo de conversa, é importante que deixemos bastante claro o que pode significar o termo "cultura infantil". Clarificando, podemos entender cultura infantil como um conjunto de manifestações constituído por elementos culturais das crianças, caracterizados primeiramente por sua natureza lúdica. Contudo, as formas de entender as culturas infantis são diversas.

Pioneiramente, Deborah Thomé Sayão incorporou em suas reflexões sobre as culturas infantis a visão de Florestan Fernandes, de acordo com a sua interpretação do mesmo.

Partindo desta visão, as culturas infantis expressam as histórias de vida das crianças, suas origens sócio-culturais, o pertencimento a diferentes classes sociais, gênero, credo religioso (quando houver) e etnia.

Essas singularidades oportunizam ao/a professor/a de Educação Física um conhecimento mais aprofundado das crianças que, interagindo entre si, têm contato com outras culturas, conhecem e se reconhecem, podendo aos poucos tomar consciência da luta pela igualdade de condições, pautadas sobretudo no respeito às diversidades.

Segundo Florestan Fernandes, as observações realizadas durante suas pesquisas em São Paulo em 1941 levam a crer que, baseando-se no folclore infantil, seria possível mapear uma cultura infantil constituída por elementos culturais dos imaturos e caracterizada por sua natureza lúdica.

De onde viriam, pois, os elementos constitutivos desta cultura? Segundo o mesmo autor, em grande parte esses elementos são provenientes da cultura do adulto, transferidas para o círculo infantil por um processo de aceitação e incorporando-se, desta maneira, à cultura do novo grupo.

Há, também, elementos elaborados pelas próprias crianças, valendo-se de seu patrimônio cultural, porém "o papel da criança consiste em receber os elementos da cultura adulta que se cristalizaram e adquiriram traços folclóricos e executá-los; as modificações são lentas e muitas vezes inconscientes"

Em última análise, podemos observar que existe uma cultura infantil que extrapola os limites da imitação.

Então, quando a criança brinca de "papai-mamãe", "polícia e ladrão", etc., na verdade ele está desenvolvendo uma ação que transcende a imitação pura e simples, constituindo-se em uma imitação que implica interação mental.

Florestan incorporou, desta forma, o conceito de "ser social" de Durkheim para contrapô-lo ao "ser individual", sugerindo que os grupos infantis socializam a criança, agindo no mesmo sentido que a família, a escola e a igreja na formação do ser social e no desenvolvimento de sua personalidade.

A socialização da criança proporcionada pela cultura infantil se daria em um processo de educação informal, ou seja, a transmissão de experiências e de conhecimento aos imaturos pelo intercâmbio cotidiano, durante a interação espontânea das crianças. Os traços assimilados nas brincadeiras seriam idéias, representações elaboradas na própria sociedade que teriam uma certa correspondência com a vida social dos adultos. Elas desempenhariam, desta maneira, a função que Durkheim atribuiu à educação, que seria desenvolver no indivíduo o "ser social", propondo às crianças modos de ver, de sentir, de agir que nunca aprenderiam espontaneamente.

É fato que a cultura infantil é um entre os diversos processos de integração do indivíduo aos padrões grupais, porém deve merecer especial atenção por tratar-se do aspecto da socialização elaborada no seio dos próprios grupos infantis. Para Florestan Fernandes, "é a educação das crianças, entre as crianças e pelas crianças".

Ainda segundo observações de Florestan Fernandes, a natureza do grupo infantil favorece, ainda, a inexistência de distinções extremas entre as crianças de diferentes nacionalidades ou naturalidades.

Pode-se identificar, deste modo, a importância da função integradora da cultura infantil nos processos de socialização e reeducação dos imigrantes, posto que muitas brincadeiras infantis operavam e operam ainda hoje com valores presentes no mundo adulto e referentes a várias questões, tais como casamento, afetividade, preconceitos, classes sociais, papéis sociais, entre outras. Assim, estes grupos apresentam-se como verdadeiros modos de iniciação e inclusão das crianças no sistema de valores da sociedade, preparando a um só tempo os pequenos para a vida social do indivíduo adulto e humanizando o contato com o sistema de valores da cultura local.

Através das atividades lúdicas, a ação socializadora se dá em dois planos distintos.

O primeiro plano seria o das relações, onde as crianças adquirem padrões de comportamento coletivo específicos daquela comunidade.
No segundo plano, seriam transmitidos composições tradicionais e gestos convencionais contido em cada jogo e brinquedo, o que vem colocar a criança em contato com um mundo simbólico e um clima moral que existe e se perpetua através do folclore e suas manifestações.

Para Florestan, o valor pedagógico desses dois aspectos é desigual. No primeiro plano, as influências das atividades lúdicas do folclore seriam "construtivas", pois amadurecem "a capacidade de atuação social da criança". Entretanto, o conteúdo das composições folclóricas vincula-se fundamentalmente a uma antiga ordem social, em rápido processo de desintegração, como conseqüência da modernização da sociedade brasileira.

Finalizando, devemos clarificar que o folclore e suas manifestações (entre elas a cultura infantil) são elementos indispensáveis na construção da nossa sociedade e, por conseqüência, na formação de uma Educação Física ciente de suas responsabilidades frente às crianças, sendo capaz de entender e "dirigir" esse passado a fim de trabalhar a cidadania e a inclusão social, através da cultura infantil.

Bibliografia:

  •  Fernandes, Florestan. (1978), O folclore em questão. São Paulo, Hucitec.
  • ¬¬¬__________(1961), Folclore e mudança social na cidade de São Paulo. São Paulo, Anhembi.
  • Fonseca, Analice Antunes da. (2004), Alguns temas da educação física na educação infantil: um programa de pesquisa. Monografia apresentada ao Programa de Pós-Graduação do Instituto Superior de Educação La Salle.
  • Sayão, Deborah Thomé. (2002), Infância, Prática de Ensino de Educação Física e Educação Infantil. In Vaz, Alexandre Fernandez; Sayão, Deborah Thomé e Pinto, Fabio Machado. Educação do corpo e formação de professores: reflexões sobre a Prática de Ensino e Educação Física. Florianópolis: INEP, EDUFSC, COMPED.