Resumo

Esta tese tem como objetivo analisar a pertinência da Capoeira enquanto patrimônio cultural. Justifica-se tal situação ao observarmos que a mesma sempre sofreu alterações ao longo de sua existência, mas nunca tão intensas, quanto na modernidade. Embora nunca houvesse uma constância de padrões pelos quais pudesse manter uma única tradição, verifica-se que atualmente tais mudanças estão ocorrendo numa grande velocidade, gerando múltiplas fragmentações, resultantes de novas linguagens e tecnologias e das relações econômicas e sociais, cujos deslocamentos nos fazem perceber a existência de inúmeras "Capoeiras" distintas entre si. Apresenta-se, como pergunta-problema: quais seriam as causas que estariam motivando esta situação? Surge então como hipótese, a existência de uma ruptura dos saberes e fazeres em relação aos legados patrimoniais de seus antecessores em função da ação dos constantes processos civilizadores, gerando conseqüentemente, crises civilizacionais. Os aspectos teórico-metodológicos, foram organizados com base nos estudos etnológicos, na pesquisa de campo e nos estudos correlacionais, de forma analítico-descritiva, documentando-se as principais transformações que a Capoeira sofreu até os dias atuais. Tomamos como ponto de partida suas possíveis origens, a partir do século XVII, dando especial atenção ao período da construção do Estado Nacional brasileiro, entre o final do século XIX e o início do século XX, período em que foram extintas as chamadas maltas de capoeiras, resultando em sua esportivização sob o nome de "Ginástica Nacional" ou "Luta Brasileira", a qual se ludificou, resultando no surgimento de três eixos tradicionais, a saber: Desportivo, Luta Regional e Capoeira Angola, os quais sofreram constantes fragmentações e ressignificações culturais, levando a um distanciamento entre suas vertentes. Apresentados os argumentos, discute-se a construção da noção de patrimônio cultural com os seguintes resultados: a Capoeira Angola se estruturou após a Luta Regional, sendo ambas precedidas da Capoeira Desportiva; do ponto de vista formal-legal, a Capoeira não possui condições de ser tombada como um patrimônio cultural imaterial; há uma contradição entre tombamento de patrimônio cultural imaterial e democratização cultural; no âmbito desportivo a Capoeira é um patrimônio cultural, pois a Codificação Desportiva é transmitida de geração em geração, mas não pode ser tombada, pois é mutável por congressos; a Capoeira Angola mantém preservadas muitas de suas tradições, reputando-se esta situação ao caráter sagrado que incorporou; na Luta Regional, houve perda de significados na medida em que muitos, desconhecendo seu legado passaram a reproduzi-lo de maneira aleatória; se o ser capoeira é vivenciar seus mitos e reproduzi-los às futuras gerações, e se estes mitos são transferidos por sua codificação filosófica, então podemos afirmar que temos um patrimônio cultural em perigo, posto que raríssimos são aqueles que conhecem tais significados; em relação à cultura material da Capoeira podemos considerá-la como patrimônio embora conviva com fragmentações; no tocante à cultura corporal podemos considerar que a mesma se encontra em perigo, pois raríssimos são aqueles que possuem condições de identificar seu acervo original; há relação patrimonial na sistemática político-administrativa de reprodução de seus fundamentos, tradições e rituais, a qual se torna múltipla na medida em que existem atualmente milhares de grupos, conseqüentemente milhares de identidades e patrimônios culturais distintos entre si

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