Integra

1. Mundo do trabalho e sua influência no campo educacional através da história


"É preciso RENOVAR a Educação"... Esta frase, comumente presente no contexto educacional atual e que nos leva a um certo estado de euforia, deve ser tratada com muita cautela devido ao seu caráter ambíguo e antagônico.

Quando se pensa em Educação, não é possível analisá-la de uma forma neutra e isolada do contexto geral, é preciso estar atento aos fatores que aluam em seu sistema, dirigindo e modelando-a, desde sua criação. Estes fatores, como se pensa, não são os professores, alunos ou os aspectos puramente didáticos-pedagógicos, mas são os sistemas econômico, político e cultural, vigentes em determinada sociedade.

A título de exemplificação da assertiva acima, podemos nos reportar à história da Educação Brasileira, para melhor compreensão da presença e da interligação destes fatores no contexto educacional. Nos três primeiros séculos de história do Brasil, os Jesuítas foram os responsáveis pela educação, guiados pelas diretrizes do Ratio Studiorum. A educação jesuítica, que, supostamente, promovia um ensino desinteressado, neutro e alheio à realidade, casava-se, perfeitamente, com os objetivos da sociedade da época, representada pela economia colonial, pelos senhores donos das grandes propriedades e da mão-de-obra escrava.

Já neste século, na década de 30, o ensino expande-se fortemente devido a, basicamente, dois fatores: o crescimento demográfico e a intensificação do processo de urbanização. Foi um período de transição da sociedade oligárquico-tradicional para a urbano-industrial. E como comenta Romanelli (1978), é um período em que:

"... se redefinem as estruturas de poder e se orienta o modelo econômico no sentido da industrialização, o que, evidentemente, resulta em redefinição do processo de dependência, a centralização do poder político, necessária a esta redefinição geral..." (p. 255).
Esta reorientação do modelo econômico, que gerou a urbanização, influenciou, também, o crescimento da demanda social de educação. Entretanto, o sistema educacional não se libertou e foi, novamente, guiado pelas demandas políticas e econômicas. Fornecia mão-de-obra semiqualificada, que interessava à economia e treinava pessoal de acordo com os interesses políticos, mantendo um nível de treinamento e escolaridade baixos, a fim de evitar pressões sociais por direitos trabalhista

De acordo com Assis (1994). o sistema vigente desta época, conhecido por taylorista e fordista, estava "assentado na intensa divisão do trabalho e especialização funcional, apoiado em uma estrutura ocupacional polarizada" (p. 192) e para tal dava-se prioridade a qualificação dos trabalhadores baseado nas habilidades motoras, resistência e coordenação motora.

E em nossos dias? Por que esta busca enfática pela renovação da Educação?

Frigotto (In: Gentili, 1995) mostra que as mudanças ocorridas no mundo do trabalho, a partir dos anos 70, devido a entrada de novas tecnologias e da informática, geraram uma profunda modificação na base técnica do processo produtivo e na demanda de qualificação e capacitação dos trabalhadores. Ficando, mais uma vez, a cargo da educação formar/moldar novos trabalhadores, mais criativos, comunicativos, com capacidade de abstração e raciocínio lógico-matemático e dotados de conhecimentos geras e técnicos, com vistas a aumentar a produtividade fortificando o processo de acumulação de capital.

Assim, quando a indústria passa a se confrontar com este novo modelo de tecnologia e com a necessidade de modificação de sua estrutura e organização interna, baseado agora no modelo toyotista, há, segundo Assis (1994), um processo de automação e desespecialização, transferindo a necessidade de qualificação do campo manual para o cognitivo. Segundo estudos da autora, "raciocínio lógico, habilidade para aprender novas qualificações, conhecimento técnico geral, responsabilidade com o processo de produção e iniciativa para resolução de problemas" (p. 1994) são as principais qualificações, apontadas por grandes empresários, do trabalhador atual.

Encontramos atualmente, devido a todas estas modificações no mundo de trabalho e nas qualificações e competências exigidas aos trabalhadores, um reordenamento no campo educacional. Mas, o que temos por trás destas mudanças?

Entendo, que por trás deste discurso de renovação encontra-se um grande perigo. Vejo dois caminhos antagônicos que permeiam a análise deste tipo de proposta: o primeiro, que se encaixa no renovar para se adequar as novas demandas do mercado capitalista e continuar, assim, beneficiando as bases hegemônicas. Uma educação conservadora, que atende aos anseios do capital e que dá prioridade ao ensino das técnicas e à terminalidade. Ensino este, que formam indivíduos unilaterais, criativos, expansivos e versáteis, com a finalidade de solucionar problemas, porém apenas problemas funcionais, específicos de seu trabalho (e em prol de sua empresa). Ou, o segundo caminho, do renovar para buscar uma certa autonomia do sistema educacional, com vistas à formação omnilateral e politécnica, para a emancipação humana (FRIGOTTO, op.cit.). Caminho este, que chamarei aqui de transformador para melhor compreensão.


2. Participação da educação física na atual conjuntura do mundo de trabalho

De certa forma, não é possível negar que a escola atual tem exigido da sociedade algo novo, ela tem se reconstituído, tem se remodelado e, como conseqüência, está sendo tratada, não apenas como um lugar de transmissão de conteúdos pré-estabelecidos, mas como um espaço de interação com a vida, de troca e de produção de novos conhecimentos. Todavia, pouco se tem mudado com relação a influência dominante dos fatores econômico, político e cultural.

Baseado nestas novas exigências de formação humana do mundo do trabalho capitalista contemporâneo, a educação se reestrutura, passando, a dar prioridade à disciplinas do campo técnico-tecnológicos e das ciências, como por exemplo a informática, as línguas e a matemática, em detrimento de outras, como é o caso da educação física e da educação artística, consideradas disciplinas essencialmente manuais, portanto colocadas no plano secundário de qualificações necessárias

A educação física, por sua vez, que vem desde sua introdução no Brasil sofrendo com as imposições e se moldando conforme as necessidades do mercado, ora disciplinando e formando o caráter do "cidadão" brasileiro, ora promovendo a saúde, ora massificando o esporte, já não encontra justificativa e importância frente às políticas e necessidades neoliberais para continuar atuando no campo formal. Resta, assim, apenas uma opção para aqueles que lutam para não serem excluídos do campo educacional formal: sua transformação. Entretanto, é fundamental estar atento para não ficar condicionado às políticas capitalistas e apenas renovar para atender seus anseios, seguindo o caminho da submissão. É preciso sim, mudar o caminho, transformar, formar indivíduos hábeis para fazer a leitura da realidade e, assim, romper com este modelo de sociedade excludente em que vivemos.

A perspectiva, dentro da educação física, que mais se assemelha a este caminho de educação e formação, é a Cultura Corporal, que busca a reflexão e compreensão das diversas manifestações corporais construídas histórica e socialmente, como lutas, jogos, dança, ginástica e esporte, a fim de proporcionar aos alunos a visão de que são sujeito históricos, capazes de interferir nos rumos da sociedade.
Assim, apesar de a educação física vir sofrendo vários ataques das políticas públicas educacionais, com o objetivo de excluí-la do ensino formal, é fundamental sua presença no âmbito escolar, por tratar de um conhecimento e conteúdos da cultura corporal que vêem sendo historicamente construído pelo indivíduo e precisa ser socializado.

3. A dança: um caminho de luta

A dança, enquanto conteúdo da educação física e inserida no contexto da educação formal, é considerada um ótimo instrumento de trabalho aos professores, devido ao seu alto valor expressivo e representativo dos diversos aspectos da vida humana. Entretanto, o que percebemos, muitas vezes, é a sua utilização como forma de alienação e exaltação de preconceitos relacionados a raça, sexo, idade, classe social e composição corporal, deixando claro a presença dos fatores extra-escolares organizando e moldando a dança, enquanto recurso educativo, e os valores e idéias hegemônicos que através dela serão propagados.


Atualmente, o reconhecimento da dança como recurso educacional vem acontecendo e se tornando crescente em todas as partes do mundo.

Barreto (1998) acredita que "... a dança pode despertar o desejo de experenciar algo que o conduza para além das suas vivências e sensações cotidianas". E ainda, cita que a dança deve ser compreendida enquanto um fenômeno da expressão humana.

O uso da dança e suas funções benéficas, o trabalho com a criatividade e suas implicações sociais são elementos indispensáveis à Educação atual, conduzindo os indivíduos à aprendizagem de si mesmos e a conhecimentos sobre o mundo que os cerca, inclusive buscando romper com preconceitos e valores já arraigados em nossa sociedade.

A dança, enquanto recurso educacional, permite a aplicação de processos criativos, em detrimento de recursos altamente diretivos e tradicionais. É como nos coloca Nanni: "A dança, desta forma, em busca de uma educação transformadora" (p. 64).

A dança deve ser utilizada pelos professores como um recurso para criar nos indivíduos uma consciência e criticidade exigente e ativa em relação ao meio ambiente e à qualidade da vida cotidiana. Entretanto, é preciso estar atento para trabalhar não apenas do ponto de vista técnico, apropriado pela hegemonia, com o intuito simples de solucionar problemas , mas uma criticiddae emancipadora, que leve o indivíduo a compreender os problemas de uma forma global, entendendo sua validade e real necessidade a ponto de buscar suas transformações.

É necessário questionar as imposições do mercado capitalista atual para a dança enquanto componente da educação física, inserida no contexto da Educação. E através desta análise trabalhar com uma verdadeira dança, compromissada com a Educação Brasileira, no sentido de romper com este modelo social capitalista, excludente e desigual em que vimos historicamente sendo obrigados a viver, em prol de um novo modelo mais democrático e livre, calcado no projeto histórico socialista.

Referências bibliograficas

Assis, Marisa de. A educação e a formação profissional na encruzilhada das velhas e novas tecnologias. In: Ferretti, Celso João. Novas tecnologias, trabalho e educação: um debate multidisciplinar. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.
Barreto, Débora. Dança... ensino, sentidos e possibilidades na escola. Conexões, Campinas: UNICAMP, 1998.
Frigotto, G. Os delírios da razão: crise do capital e metamorfose conceitual no campo educacional. In: Gentili, Pablo (org.) A pedagogia da exclusão: o neoliberalismo e a crise da escola pública. Petrópolis: Vozes, 1995.
Ghiraldelli Junior, Paulo. História da educação. São Paulo: Cortez, 1994.
Manfredi, S. M. Trabalho, qualificação e competência - das dimensões conceituais e políticas. Revista Educação e Sociedade. Campinas: Cedes/PAPIRUS, 9(64): 13-49, 1998.
Nanni, Dionísia. Dança educação - Princípios, métodos e técnicas. Rio de Janeiro: Sprint, 1995.
____________. Dança educação - Pré escola à universidade. Rio de Janeiro: Sprint, 1995.
Romanelli, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil. 8ª ed. Petrópolis: Ed. Vozes Ltda, 1978.