Resumo

Fisioterapia, técnicas de proteção, exercícios e remédios - de antiinflamatórios a antidepressivos - acupuntura e rolfing são opções para tratar a coluna. O mal afeta quatro em cada cinco pessoas

Enquanto você começa a ler esta reportagem, observe como está seu corpo. Se a postura força sua coluna vertebral para um lado ou para a frente, endireite-se. A medida pode evitar a manifestação futura de dores nas costas. A razão é simples: manter a estrutura óssea em ordem alivia a coluna, região tão submetida a sobrecargas que ninguém está livre de sentir um certo incômodo de vez em quando. Ninguém mesmo. O problema atinge desde um agricultor ao presidente da República. A Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR) estima que quatro em cada cinco brasileiros têm ou terão uma dor importante na coluna.

Alex Soletto

O sofrimento é tão sério que, além de interferir no cotidiano pessoal, prejudica a rotina das empresas. De acordo com o reumatologista Sebastião Radominski, presidente da SBR, a lombalgia (dor na região lombar) é a ocorrência mais comum entre os brasileiros que se queixam de problemas nas costas, a segunda causa de afastamento do trabalho e a terceira razão de pedidos de aposentadoria. “É importante fazer uma campanha para a prevenção do problema”, prega Radominski. O pouco caso da população em lidar com a questão também preocupa. Estatísticas do médico Carlos Eduardo Oliveira, do Hospital do Servidor Público de São Paulo, apontam que 60% dos trabalhadores no Brasil sofrem de dores nas costas. “Mas apenas 30% se tratam”, assegura. Por quê? De acordo com o médico, quem procura ajuda já está com dores lancinantes. Os demais ou não vivem situação tão angustiante ou ignoram os avisos do corpo, acreditando que o problema logo vai passar.

De fato, muita gente protela a visita ao médico por julgar que o incômodo é fruto de um mero mau jeito. Foi o que aconteceu com Luiz Murat, 47 anos, diretor de Finanças da Sadia. “Durante um ano fiquei com dor achando que era torcicolo”, conta. No início do ano, o executivo viajou para uma estação de esqui. Numa descida, caiu e rodou de costas sobre a neve. No dia seguinte, não levantava da cama. “Fiquei o resto das férias tomando analgésicos fortes”, lembra. De volta ao Brasil, Murat descobriu que tinha uma hérnia de disco (lesão) na coluna cervical, a parte superior da espinha. “Reduzi a carga de trabalho para quatro horas. Só conseguia ficar sentado por 30 minutos. O resto do tempo era obrigado a ficar deitado no escritório”, recorda. Aos poucos, a dor sumiu. Hoje, ele faz alongamento, fortalecimento da musculatura das costas e não descuida da postura. “Troquei a cadeira e mudei o computador de lugar”, diz.

Atividade física para pessoas com o perfil profissional de Murat é recomendada porque fortalece os músculos das costas, que dão sustentação para a coluna. O exercício também ajuda a manter a flexibilidade das vértebras. “Elas necessitam de movimentos, mas a atividade física precisa ser moderada”, ensina a fisiatra Anita de Castro, do Hospital das Clínicas de São Paulo. A recomendação de delicadeza faz sentido. A espinha é a principal estrutura de apoio do corpo. É um engenho complexo que permite movimentar braços, pernas, tronco e cabeça. A coluna está dividida em quatro áreas sucessivamente: cervical, dorsal ou torácica, lombar e sacral. É constituída de vértebras – ossos semelhantes a cilindros – interligadas por discos cartilaginosos que funcionam como amortecedores. Na porção anterior das vértebras, aloja-se a medula espinhal, de onde partem terminações nervosas. Completam o conjunto articulações e ligamentos ósseos. Esse mecanismo funciona perfeitamente. Até o ponto em que o corpo sofre um desequilíbrio ou é atacado por alguma enfermidade. “As principais causas da dor na coluna são sedentarismo, vícios de postura e sobrecargas, em consequência do excesso de peso ou do modo errado de carregar coisas”, explica o reumatologista Jamil Natour, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Com frequência, a causa não é única.

Hérnia – Há casos em que o mau funcionamento da máquina nem é notado. “Tem gente que não desconfia que teve hérnia de disco. Elas saram sozinhas”, revela Natour. A hérnia é uma inflamação causada pela ruptura do anel que reveste o disco (o “amortecedor”). Normalmente, é provocada pelo excesso de pressão sobre a coluna. Com o rompimento, parte do conteúdo cartilaginoso vaza e pode “tocar” algum nervo. Aos poucos, o corpo absorve o vazamento. Mas enquanto isso não acontece, o drama está no contato entre o conteúdo do disco e as terminações nervosas. A compressão do nervo pode gerar dores terríveis. É nesse caso, quando a pessoa está atormentada por grande sofrimento, que se recomenda a cirurgia para a retirada do excesso de cartilagem e descompressão do disco. Além dessa situação, há outro indicativo para a intervenção: a ameaça de sequelas neurológicas graves. Por exemplo, se houver comprometimento da medula há o risco de paralisia.

Os especialistas recomendam prudência na indicação de cirurgias. “Apenas 10% dos casos de hérnia são cirúrgicos. Envolvem situações de grave comprometimento”, informa o ortopedista Aloysio Campos da Paz, diretor da Rede Sarah, de Brasília. “Na maioria das vezes, as pessoas podem ser tratadas com remédios, repouso e fisioterapia”, reforça o neurocirurgião Luiz Henrique Pimenta, de São Paulo. Para facilitar a recuperação do paciente após a cirurgia de hérnia, existe uma opção menos agressiva. É a videoendoscopia, técnica que usa uma microcâmera para orientar a correção do problema. No procedimento normal são feitas incisões de até cinco centímetros. A videoendoscopia requer cortes de 1,5 centímetro.

Funcionários da De Góes fazem tai chi chuan...

Para tratar a coluna existem também outros métodos. Além de cirurgias (para retirada de hérnias, tumores e drenagem de abcessos infecciosos), os médicos fazem infiltração de cortisona para desinflamar e, assim, amenizar as dores. Há ainda o uso de analgésicos, antiinflamatórios e até antidepressivos. Isso porque stress e depressão são agravantes do problema. “Há casos em que a pessoa fisicamente não tem nada, mas é muito estressada ou deprimida. Damos antidepressivo e o paciente melhora”, justifica a fisiatra Anita, do HC. Há argumentos compreensíveis para explicar por que as duas doenças estão entre as causas das dores. Quando se está muito nervoso ou deprimido, acredita-se que ocorram alterações nos níveis de serotonina, substância envolvida nos processos da depressão e de supressão da dor, já que tem efeito analgésico. O antidepressivo corrige esse desequilíbrio. E não se pode esquecer que o deprimido e o estressado tendem a contrair o corpo, o que aumenta a tensão de músculos, em especial os das costas.

Fisioterapia – Nas dores agudas, em geral, os sintomas passam em até seis semanas, com medicação e repouso. Nas crônicas, é necessário controle maior. É quando entra em cena o fisioterapeuta, que orienta atividades físicas de baixo impacto e ensina a proteger a coluna. O valor desse profissional vem crescendo. Prova disso é o aumento da oferta de centros específicos de fisioterapia contra dor nas costas. No Rio, por exemplo, será inaugurado nesta semana o Instituto de Reabilitação da Coluna Vertebral, que integra uma rede internacional de tratamento especializado. A fisioterapeuta Karina Fonseca, da Reabilita – Companhia Paulista de Reabilitação, considera importante essa ampliação de opções. Ela defende tese de mestrado na Unifesp justamente sobre o papel da informação ao paciente como forma de melhorar o tratamento. “Se ele entende os benefícios do exercício, fica mais responsável e assimila outras noções que ajudam na manutenção de uma boa postura”, explica. Para auxiliar o doente a conhecer melhor o corpo, durante os estudos ela utilizou um aparelho de biofeedback (equipamento que permite a visualização da atividade muscular a partir de sinais emitidos por eletrodos colocados no corpo do paciente). Dessa forma, a pessoa percebe o que está fazendo com os músculos. Karina recorreu também à terapia cognitiva comportamental (técnica psicológica para ensinar o paciente a reagir de maneira diferente em situações específicas). “A tensão emocional sobrecarrega a coluna. Se a pessoa está no trânsito e se estressa no congestionamento, pode usar técnicas de relaxamento para controlar as emoções”, exemplifica. De acordo com a fisioterapeuta, é importante também prestar atenção nas posições adotadas no dia-a-dia. Boa postura é fundamental, já que sentar-se torto ou sem apoio, por exemplo, causa rigidez nas vértebras. “Por isso, trabalhamos também com técnicas de proteção à coluna. São dicas de como não forçar as costas no cotidiano”, completa (leia quadro abaixo).

Alívio – Entre as atividades fisioterapêuticas, um dos destaques é a hidroterapia, exercícios feitos numa piscina com água entre 30 e 32 graus de temperatura. “A hidroterapia age nas dores associadas a stress e sedentarismo. A água quente alivia a dor e relaxa a musculatura e os exercícios alongam os músculos”, ensina Fátima Caromano, professora de hidroterapia da Universidade de São Paulo. Essa atividade resgatou a qualidade de vida do consultor João Paulo Vieira, 27 anos. “Operei a coluna para tratar uma hérnia. Mas a hidroterapia me permitiu voltar a ter uma vida normal”, diz. Os fisioterapeutas também trabalham com RPG, método de reeducação da postura global. A técnica alonga os músculos por meio de exercícios. “O alongamento é importante porque a sensação dolorosa está relacionada ao encurtamento dos músculos”, explica a fisioterapeuta Eliana Vaz, especialista na terapia. Para aumentar a eficácia do tratamento, o profissional pressiona com a mão o ponto dolorido. A estudante Ana Flora Diaz, 18 anos, aprova a técnica. Há três anos, ela começou a sofrer de dores nas costas. Desde o ano passado, faz RPG. “As dores diminuíram e minha postura melhorou”, comemora.

O fisioterapeuta Pedro Liasch Filho, de São Paulo, tem mais um método contra dores crônicas. Ele desenvolveu uma mesa para alinhar o esqueleto dos pacientes. “Quando o corpo está fora de simetria, os nervos ficam retesados e forçam a musculatura, causando desconforto. A mesa eleva e abaixa a região do quadril várias vezes para colocar a bacia no lugar e fazer o alinhamento do corpo”, diz. Entre as pessoas tratadas por Liasch Filho está o cantor Marcelo Augusto, 29 anos. Em agosto, o cantor, que já reclamava das costas, sentiu uma dor forte na perna direita. Tomou remédios e achou que estava enferrujado. Voltou à academia. Foi pior. Mal conseguia andar. Fez exames e constatou uma inflamação que comprimia o nervo ciático, que percorre a perna. Marcelo continuou com os remédios, fez fisioterapia e alongamentos. Melhorou um pouco. A atriz Cláudia Raia sugeriu-lhe a mesa. “Minha vida voltou ao normal. Já estou até correndo”, afirma.

Max G. Pinto

Com RPG, Ana Flora acertou a postura
Quem já sentiu alguma dor nas costas cansou de ouvir de amigos e parentes dicas de como fazer o problema passar. São sugestões de uso de encostos, almofadas e revestimento de bolinhas de madeira para motoristas (artefatos considerados ineficazes pelos médicos), e até de “estraladas” da coluna, condenadas porque podem piorar a situação. Outro caminho é procurar técnicas alternativas como a acupuntura e massagem. Para muitos médicos, são métodos polêmicos. “Eles podem trazer alívio, só que de curto prazo. Trancos e apertões não resolvem o problema”, sustenta Natour. O médico clínico e acupunturista Gabor Tomas, da Unifesp, no entanto, defende a acupuntura. “Ela trata o mal pela raiz porque atinge outros órgãos, como o pâncreas, que podem ser responsáveis pelas dores. E também atua nos músculos das costas, nos ossos e articulações”, diz. De acordo com Tomas, a técnica impede inflamações e promove a liberação de endorfina, hormônio que dá sensação de prazer e tem efeito analgésico. O presidente Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, buscou alívio por meio da acupuntura. FHC reclamava de dores desde a década de 70. Há 15 anos, ele conta com o apoio da acupunturista e fisioterapeuta Edna Akemi Nishiya para tratar da coluna. “Trabalhamos a sua postura”, esclarece Edna. Quando está em Brasília, o presidente faz hidroterapia três vezes por semana no Palácio do Alvorada.

Toques – Os sofredores procuram também outras opções. O rolfing é uma delas. A técnica aprimora o equilíbrio físico por meio de manipulação do corpo e movimentos específicos. “O rolfing ajuda o paciente a buscar seu eixo e desse modo se sustentar corretamente nas pernas”, explica a instrutora do método rolf Nilse Silveira. Como o rolfing, a quiropraxia se baseia em colocar os ossos no lugar, mas por meio de compressões. Com as mãos, o terapeuta percorre o corpo do paciente, localiza os ossos fora de eixo e trata de encaixá-los com toques enérgicos. “Geralmente as pessoas procuram o método quando nada mais deu certo”, afirma o terapeuta Luís Vicente Spinosa, de São Paulo.

Há soluções também nas empresas. Algumas, por exemplo, apostam em técnicas de relaxamento para os empregados. Na agência de publicidade De Góes, existe intervalo para aulas de tai chi chuan e ioga. “Só percebi que minhas dores eram causadas pela má postura quando comecei as aulas. Agora, faço relaxamento e controlo a tensão dos músculos”, diz Roberto Lopes, diretor de arte, feliz por ter dado costas à dor. 

Colaboraram: Eliane Lobato (Rio) e Isabela Abdalla (Brasília). 
Produção: Luciane André. Modelos: Daniela Carvalho e Renata Brás. Agradecimentos: Paula Gabriel Silva, terapeuta ocupacional, e Track & Field

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