Resumo
Em tempos de mega eventos nunca é demais falar o que temos de mais (e não demais) e de menos. Nessas tantas andanças mundo afora e cada vez mais em contato com gringos de diferentes espécies (no sentido bem darwiniano) tento me desdobrar em explicações para fazê-los entender o que é ser brasileiro e o que os brasileiros têm de específico nesse mundo cada vez mais homogeneizado, esterilizado e empacotado pela globalização. Claro que isso se refere aos gringos inteligentes, bem-informados e com a xenofobia contida, capazes de ultrapassar a máxima do entendimento sobre nós, como por exemplo, que nossa capital federal não é Buenos Aires, que não há macacos nem floresta na Avenida Paulista e que nem todas as mulheres andam nuas pelas ruas e dispostas a sexo comercial ou casual a qualquer hora do dia ou noite. Pena que nem todo mundo colabora para esse entendimento, principalmente alguns dirigentes e marqueteiros esportivos peritos em colocar nas imagens relacionadas ao Brasil lindas e exuberantes mulheres com roupas minúsculas e decotes avantajados ou cenas de eterno carnaval da Marquês de Sapucaí, que mais uma vez reforça o estereótipo acima e faz o mundo acreditar que aqui pouco ou nada se trabalha e que a vida é um eterno samba, futebol e praia.
Mas, o que de fato mais intriga a gringaiada é “como as coisas nesse país podem dar certo se quase tudo é feito de improviso”. Não gosto muito, mas tento explicar o que significa a expressão “jeitinho brasileiro”, conceito consagrado pelo senso comum e até por acadêmicos (isso me dá calafrios, mas como não admitir?) apelando para isso aos clássicos da literatura. Prefiro usar o aforismo de Fernando Sabino que certa feita escreveu que “no fim tudo dá certo, e se não deu certo ainda é porque não chegamos ao fim”. Embora mais erudito, não é lá uma justificativa muito aceitável pra tanta coisa deixada para última hora.
Planejar não parece mesmo fazer parte da cultura brasileira. É como se esse ato pusesse em risco um dos patrimônios mais preciosos da cultura que é a criatividade. Não sei ao certo a origem dessa resistência e não arrisco a voltar às origens da “entrada do Brasil no mapa” para justificar essa falta pela herança dos colonizadores portugueses. Não vou reportar também essa falha à educação escolar, tão preocupada com as letras e os números que colocaram crianças e jovens nas universidades. Se nem educação física e filosofia existem em muitos currículos, quiçá haveria algo como planejamento ou administração do tempo ou da vida pessoal, muito embora isso já tenha sido testado e implantado em algumas escolas públicas de antanho. Eu mesma fui cobaia de uma dessas tantas experiências didáticas das escolas publicas onde sempre estudei. Enfim, gastar tempo e espaço com a genealogia da desorganização não parece muito proveitoso. Talvez o que valha a pena é tentar entender porque se faz tão pouco para alterar esse estado de coisas.
Desde que voltei de férias, dia 02 de janeiro, tenho dedicado muitas horas do meu dia a organizar e planejar projetos e ações para esse ano que se inicia. São muitas tarefas, muitas pessoas envolvidas nessas tarefas e muito conhecimento que pode ser gerado a partir das informações obtidas por uma pesquisa que começou modesta e hoje se apresenta com uma dimensão gigantesca. E como não me furto a aceitar desafios ao longo desses anos fui levada a buscar o que estava por trás de um fato relacionado à trajetória dos atletas olímpicos brasileiros com o mesmo destemor daqueles garotos de filmes que acham um mapa escondido dentro de um baú e depois saem pelos caminhos munidos de uma lanterna, um embornal, um cantil e muito espírito de aventura. Afff… acho que essa imagem reflete bem a idade que tenho. (Fico imaginando a hora que meu filho ler esse texto e me perguntar: Mãe, o que é um embornal?)… Ok. Vamos atualizar essa imagem. Disposta a elucidar um fato relacionado à trajetória dos atletas olímpicos brasileiros com o mesmo destemor daqueles garotos de filmes que acham uma pista em um site de caça ao tesouro e depois saem pelos caminhos munidos de um smartphone, um tablet, barrinhas de cereal e muito espírito de aventura. Ok. Agora parece mais atual.
Entendo que o espírito do pesquisador se assemelha muito ao dos grandes aventureiros. Buscar as pistas de algo sem resposta só difere em metodologia, no mais guarda muitas semelhanças em vários aspectos. Por exemplo. Dá pra imaginar o Amyr Klink passar meses congelado na Antártica sem ter detalhado minuciosamente suas ações? Quem leu o livro dele pode ver com que cuidado cada passo da expedição foi elaborado. Ou ainda, a realização do Caminho de Santiago. De onde sair, quantos quilômetros andar por dia, em que albergue dormir, quais as características do percurso, enfim, quem já fez sabe que não basta colocar a mochila nas costas e sair andando.
Pois é. Mas, há aventuras que começamos e que no decorrer da sua realização apontam para novas demandas, mais ou menos como reformar uma casa e o temido “já que”. Já que está fazendo isso, faz aquilo também. E o planejamento, juntamente com o orçamento, vai para o espaço. Nesses últimos 10 dias de trabalho árduo, organizando, planejando, simulando cenários e criando me certifico mais e mais da falta de conhecimento de planejamento e processo em nossa formação. E, independentemente do tema da pesquisa ou de sua metodologia não é possível sobreviver sem isso. Quando terminamos o doutorado e alcançamos um patamar mais elevado na cadeia alimentar acadêmica achamos que nossos problemas estão resolvidos porque daquele momento em diante teremos acesso aos meios para a produção do conhecimento made by myself. Doce ilusão. Fomos preparados para saber fazer pesquisa, mas não para administrar recursos ou fazer prestação de contas ou simular cenários futuros. Ou pior ainda, transformar esse conhecimento em informação socialmente compartilhada. E aí começa um novo desafio, uma outra etapa da vida.
Embora imersa nesse universo de flipcharts, post its de diferentes cores e tamanhos, papéis, canetas, lembranças e projeções há ainda os jornais diários e as tantas notícias (e bobagens) que envolvem a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos. Cada vez que leio a lamúria de um dirigente internacional sobre os atrasos relacionados às obras e o temor da influência sobre isso na realização do evento eu me pergunto se eles sabiam algo mais sobre o Brasil do que aqueles estereótipos que descrevi no primeiro parágrafo desse texto. Ou, num cenário mais maniqueísta, se eles imaginavam tirar algum proveito próprio dessa desorganização e dos pecados que assolam pátrias ao sul do Equador. Afinal, para aqueles que estão acostumados com seus pertences nas devidas prateleiras, por que arriscar? Isso porque, no interior desse imaginário de onipotência a corrupção, a pobreza e a desorganização não estão no velho e culto continente onde tudo parece funcionar à perfeição. Claro está que a expectativa do proveito era grande. Arrisco dizer ainda que na onipotência dos mandatários do imperialismo clássico (afinal o próprio colonialismo já fora superado por eles) acreditou-se que se daria o jeito (ou o jeitinho?) que bem se entendesse, afinal donos do livrinho de regras e da bola o jogo seria deles.
Mas, não está sendo.
Diferentemente do que ocorreu na África do Sul onde as companhias chinesas trouxeram mão de obra asiática para entregar os elefantes brancos dentro do prazo, porque consideravam a mão de obra africana indolente e insolente, no Brasil o trato referente a esse tema, e tantos outros, é outro.
Se a desorganização é uma das marcas da falta de planejamento e um véu para a corrupção ela também aponta para a necessidade de se buscar novas formas de se fazer projetos e de construir o futuro. Entendo que não precisamos fazer do jeito dos gringos. Não daria certo porque somos diferentes. Mas, tenho cada vez mais clareza de que é preciso buscar um jeito próprio de efetivamente se fazer algo para deixarmos de perder tanto, seja do ponto de vista material como moral. É mais do que tempo de se buscar a excelência.
12.1.2014