Integra
Essa semana meu gato Orfeu aprontou mais uma das suas. Numa vacilada do meu filho o felino puro sangue vira-lata saiu feito um corisco pela porta. Era sábado à noite e Orfeu caiu na vida, certamente em busca da aglomeração desejada por todos nós, desrespeitando distanciamento social, máscara e álcool em gel. Levou com ele o desejo de todos os moradores da casa de experimentar a liberdade tão cara a nós.
Como um bom adolescente imaginei que fosse miar altas horas da madrugada para que a porta fosse aberta, mas para meu desespero isso não aconteceu. Ele não voltou para casa nem no domingo, nem na segunda-feira. Meu coração de mãe dizia que estava tudo bem, que ele só precisava de uma saída mais longa para manter viva sua alma de gato livre.
Mantive a rotina de chamá-lo pelo nome agitando a embalagem do biscoitinho junto com o sino da igreja que bate as 18 horas. Fica aí a dúvida se o condicionamento operante era para ele ou para mim. Em minhas redes sociais postei a foto do fujão mesmo sabendo que ninguém, exceto quem o alimenta, é capaz de pegá-lo.
Fato é que certa noite ouvi o miado de sempre na porta da cozinha e lá estava ele. Como se tivesse acabado de sair para dar uma volta, pediu para entrar. Magro e sujo correu para a vasilha de comida e se fartou, depois fez uma graça para os humanos de estimação e foi dormir. E a felicidade voltou a reinar em casa.
Vivendo a irrealidade cotidiana desses tempos pandêmicos agradeço ao universo a existência dos animais que permitem que a rotina seja preenchida com atos que transbordam afeto mesmo nos dias mais difíceis. Os animais me permitem manter distância do que há de pior como as mortes, a fome e a atitude negacionista que assola esse país.
Por isso fico tão incomodada quando alguém se refere a um ser humano estúpido, calhorda, tunante, biltre, sacripanta como um animal. Canalha é canalha jamais asno, cachorro, tigrão ou jumento.
Quando li a notícia sobre a falsificação de 57 exames de covid em um time da série B do futebol fiquei indignada, óbvio, mas não surpresa. A atitude abjeta de pessoas ligadas à modalidade naturaliza esse procedimento. O relatório do TJD-RJ mostra que não houve “burrice” no processo e sim má fé, uma prática antiética e antidesportiva por ferir direitos basilares colocando em risco a saúde pública e a vida.
A punição pedida para o envolvidos no caso pode levar à suspensão das atividades esportivas, por tempo determinado, e multa. Consideram as autoridades que mais do que tudo é preciso salvar a imagem das organizações envolvidas nas competições, por isso seu caráter punitivo-pedagógico.
A “tigrada” dos cartolas do futebol carioca aponta para a irracionalidade (ou seria mesmo negacionismo) que cerca alguns dirigentes que bradam que o show não pode parar. Não canso de repetir que todas as vidas importam. Humanos vivem em sociedade e não em hordas ou bandos ainda que muitos líderes pareçam ainda Neanderthais. Caracterizo assim esse grupo porque a comparação com qualquer animal selvagem seria um desrespeito.
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Atletas parecem ser sobre humanos, mas os fatos presentes mostram que não. Nessa última semana faleceram dois atletas olímpicos acometidos de covid-19. Jean Luc Rosat, o Suiço, olímpico do voleibol em Moscou-1980 e Roseli Machado, vencedora da São Silvestre de 1996 e olímpica dos 5000m em Atlanta. E torço para que o anfitrião olímpico do GEO em 2016 Roosevelt Velloso seja um dos que sobrevivem à intubação. Eles não são números dentro dessa estatística monstruosa que vivemos e por todos eles eu manifesto o meu pesar.