Integra

A edição on-line do jornal Gazeta do Povo de 23 de setembro próximo passado trás interessante matéria assinada pelo jornalista Mauri König.

Sob a chamada “Livros Didáticos ideologizados preocupam pais e educadores“, afirma estar o Brasil “passando por um sutil revisionismo histórico adotado à revelia por autores de livros didáticos“. Segundo ele, “pais e estudiosos do assunto têm questionado o conteúdo político-ideológico de algumas publicações usadas nas escolas públicas e particulares. Textos com teor altamente ideologizado foram identificados nas últimas semanas em publicações distribuídas aos milhares pelo Ministério da Educação em todo o país, ou em casos de livros didáticos de História e Geografia em Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro…”.

Surpreso, afirma que a polêmica, no estado do Paraná, chegou (”quem diria“, diz ele) à disciplina de Educação Física: “Publicações com conteúdo político-ideológico não poupam nem (sic) a Educação Física…”.

Reporta-se então ao capítulo terceiro (coordenado pelo professor Alexandre França Salomão [UNICENP]) do “Livro Didático Público“, de responsabilidade da Secretaria de Educação daquele Estado (http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/). Nele, o texto “Eu faço esporte ou sou usado pelo esporte“, de autoria do professor Gilson José Caetano, recorre, segundo suas palavras, “ao esporte e à televisão para afirmar que ambos, quando associados, sofrem influência do sistema capitalista para explorar e dominar as massas, impondo suas idéias políticas e filosóficas. Seriam valores úteis ao capitalismo o respeito às regras, a derrota como aprendizado, a competição, a premiação unicamente ao vencedor”.

Miguel Nagib, advogado e coordenador da associação Escola Sem Partido - segundo a reportagem, grupo independente sem vínculo político, ideológico ou partidário - ouvido pelo jornalista, afirma que o autor da citação acima não enxerga “a afinidade ontológica entre o esporte de competição - preferido por 9 entre 10 pessoas - e o regime capitalista. Ambos exigem o respeito às regras, o espírito de equipe, o esforço para aprimorar o desempenho, a aceitação da derrota, a vontade de vencer, a recompensa pelo esforço”. Segundo o advogado, “Os países comunistas não aboliram a competição no esporte e, não por acaso, apesar do fracasso econômico, mantiveram a atividade esportiva num nível de desempenho comparável ao dos países capitalistas [...] O governo cubano investe todas as suas mirradas energias nessa pantomima de guerra”, diz Nagib, que continua: “Atleta cubano recebe tratamento especial, tem direito a comer um frango por semana em época de competição. Só não pode fugir do país”, explica Nagib, de uma forma, como puderam perceber, nem um pouco ideológica… E prossegue… “O texto é declaradamente marxista, um emaranhado de sofismas, tendencioso do começo ao fim”. E complementa: “… Tenta transmitir a idéia de que o esporte é fundamentalmente um instrumento usado pela classe dominante para ‘explorar e dominar as massas’, com o intuito de impor idéias, tanto políticas quanto filosóficas, sobre os modos de produção e principalmente de consumo”. “A prática esportiva é secundária, o que importa é fazer a revolução gramsciana”, diz, referindo-se ao filósofo e cientista político italiano Antonio Gramsci (1891-1937).

Ainda conforme o autor da matéria, o texto do livro “fala mal do capitalismo a partir de critérios abstratos e preconceituosos (e) se falasse também do comunismo, os alunos poderiam ao menos comparar os dois regimes”. “Nesse sentido é uma obra irresponsável e leviana, sem nenhum compromisso com a verdade histórica e a objetividade científica”, opina Nagib. Para ele, afirma o jornalista, “além de cercear a liberdade de aprender, esse tipo de material deforma a visão do estudante sobre a realidade“.

O risco à formação intelectual dos jovens submetidos a uma abordagem ideologizada é a ignorância. “O problema é que, como essa visão é compartilhada pelo grupo e mais tarde será corroborada por outros professores militantes - inclusive no vestibular ideologicamente contaminado, como mostrou a edição de 10/09 do Caderno Vestibular da Gazeta do Povo -, o estudante passa a acreditar e a viver numa realidade paralela”, pontua Nagib.

E conclui o jornalista, como perceberão, de maneira “imparcial” (!!): “Ao falar da ‘potencialidade transformadora’ do ensino da Educação Física, o autor deixa claro que pretende usar a disciplina para fazer dos alunos ‘agentes de transformação social’. A técnica usada para levar os alunos a exercer o chamado ‘pensamento crítico’ - que nunca é crítico em relação às atrocidades cometidas nos regimes comunistas - não é a da demonstração racional, mas a da insinuação maldosa. O texto é repleto de perguntas retóricas, suspeitas, que induzem o estudante a fazer uma determinada abordagem do problema”.

Bastante interessante a matéria. Extremamente elucidativa… Do preconceito manifestado pelo jornalista à Educação Física, quando denota não reconhecer nela - e na sua comunidade - possibilidade de reflexão crítica, de qualquer espécie, e do coordenador da Escola que mascara - ou pior, desconhece -, os papéis representados pela educação física no cenário educacional armado no palco social brasileiro…

Resta saber se compreensões do tipo “o esporte tira criança da rua”, “o esporte afasta as crianças das drogas”, “o esporte está essencialmente vinculado à cultura da paz” e o “esporte é saúde”, dentre outras, também merecerão críticas dos críticos (!) do texto “marxista” (aliás, de um marxismo pautado por um viés crítico-reprodutivista que não o qualifica), à medida que as frases acima são tão “ideológicas” quanto as por ele mencionadas. Ou não?

Acessar