Diagnóstico da Educação Física Escolar no Estado do Espírito Santo: as Escolas Particulares de Vitória
Por Sabrina Poloni Garcia (Autor).
Em VI EnFEFE - Encontro Fluminense de Educação Física Escolar
Integra
O presente estudo é um diagnóstico da situação da educação física enquanto componente curricular numa amostra de escolas particulares do município de Vitória, Espírito Santo. Este trabalho é parte constitutiva de uma pesquisa mais ampla que visa avaliar a situação da Educação Física (EF), enquanto componente curricular das escolas do estado do Espírito Santo. Segue a linha da pesquisa diagnóstica realizada em escolas públicas estaduais do Estado do Espírito Santo, pelo Laboratório de Estudos em Educação Física do Centro de Educação Física (LESEF/CEFD/UFES), nos anos de 1997 a 1999. Mas realiza duplo recorte: privilegia as escolas particulares do município de Vitória e enfatiza a análise do discurso de um ator social: o professor de EF.
No entanto, é mister reconhecer que, em sua maioria, as pesquisas diagnósticas são maculadas por um viés quantitativo, baseado meramente na descrição de dados. A realidade se apresenta, assim, matematizada num estado bruto e estático.
Esse modelo de diagnóstico não atende ao objetivo de trabalho do LESEF. Diante disso, buscamos trabalhar num novo estilo de diagnóstico que se apresenta "... como uma oportunidade de apreendermos, na realidade em estudo, suas contradições, seu movimento e suas tendências de evolução, abrindo, ao mesmo tempo, a oportunidade de lançarmos alguma luz sobre a práxis necessária para sua transformação".(Pucci, Ramos-De-Oliveira & Sguissardi, 1994, p. XIV)
Metodologia
Buscamos nesta pesquisa reconhecer os professores de Educação Física, atuantes em escolas particulares, como profissionais que expressam em suas práticas pedagógicas os conhecimentos objetivos e subjetivos que foram incorporados durante todo o ciclo de vida profissional (e pessoal) pelo qual passaram. E, por isso, constituíram um imaginário que pretendemos relatar. Os dados obtidos foram distribuídos e analisados seguindo as categorias criadas para abordá-los
Este trabalho trata-se de uma pesquisa empírica de caráter descritivo que se valeu de técnicas quantitativas e qualitativas, com predominância destas últimas. A amostra foi constituída tendo como referência as unidades escolares particulares. A seleção ocorreu a partir de informação pela Secretaria de Estado da Educação da existência aproximada de cinqüenta e cinco escolas particulares existentes no município de Vitória. Decidimos por trabalhar com uma amostra de vinte por cento desse número. Dessa forma, a amostra final ficou constituída de 11 (onze) escolas.
O instrumento de coleta de dados foi uma entrevista semi-estruturada para a obtenção de dados junto aos professores (um professor por escola). Dependendo da questão do roteiro de entrevista a ser analisada, esse universo variou para menos entrevistas (casos em que entrevista precisou ser adaptada, o entrevistador não fez a pergunta, etc.).
O roteiro de entrevista contém 33 questões com perguntas abertas. O tratamento dos dados seguiu uma técnica de análise de conteúdo no qual, a partir da leitura das respostas, são identificadas ocorrências que permitem construir categorias mais amplas.
Discussão dos resultados
As questões presentes no roteiro de entrevista do professor foram distribuídas, para efeito de análise, em blocos: Sobre a identidade do professor de EF; Sobre a Educação Física; Sobre o planejamento educacional; Sobre a competição e o treinamento esportivos. A partir das perguntas feitas relacionadas a essas matrizes, nossa pretensão foi captar e compreender alguns elementos presentes no imaginário do professor de Educação Física acerca do seu trabalho pedagógico.
Diante do objetivo de captar e compreender os elementos que constituem o imaginário dos professores de EF em relação às suas práticas pedagógicas, cabe esclarecer alguns pontos. Primeiramente, o trabalho/prática pedagógica não está aqui sendo entendido como algo que se esgota no momento de uma aula. Se assim fizéssemos, partiríamos de uma concepção simplista de pedagogia que o reduz, segundo Libâneo (1998), ao modo como se ensina, o modo de ensinar matéria, o uso de técnicas de ensino, enfim, o pedagógico como sinônimo de metodológico, de procedimentos. Como lembra esse autor, é correto afirmar que a pedagogia ocupa-se dos processos educativos, métodos e maneiras de ensinar, mas não apenas disso.
Além de explicitar a concepção de trabalho pedagógico norteador dessa pesquisa, cabe ressaltar que captar elementos do imaginário do professor de EF não significa adotar uma postura psicologista, mas reconhecer que esse imaginário é construído no processo social e é carregado de conteúdos e sentidos ideológicos (Cf. Bakhtin, 1997, p. 95). Portanto, o discurso individual do professor manifesta o universo subjetivo que ele constrói a partir das suas vivências objetivas/ sociais. Essa carga subjetiva, como fragmento da realidade, também redimensiona e reconstrói, em certa medida, essa mesma realidade. Dessa forma, num projeto político-pedagógico que pretende contribuir para uma mudança na prática pedagógica do professor de EF, torna-se relevante apreender a compreensão que esse professor tem acerca de seu trabalho, pois essa compreensão é constituída e constituidora da realidade social na qual ele se insere.
Para além do discurso normativo e exortativo (o que deveria ser), busca-se caracterizar a prática pedagógica dos próprios professores através da fala de quem "faz" cotidianamente tal prática e se constitui num dos seus principais atores. Porém, uma tarefa como essa necessita levar em consideração que o discurso do professor pode revelar e, ao mesmo tempo, ocultar várias facetas da realidade; pode estar aquém das experiências inovadoras que constrói no seu trabalho ou expressar muito mais o que ele gostaria que fosse a sua prática pedagógica.
Em termos gerais, os professores de EF que trabalham em escolas particulares do município de Vitória (ES): possuem licenciatura plena e concluíram esse curso até a década de 80, tendo como formação acadêmica o modelo tradicional-esportivo; fizeram/ fazem cursos de pós-graduação, especialmente em nível de lato sensu; alguns professores têm até três cursos de especialização concluídos; não tiveram experiências profissionais anteriores à EF; decidiram trabalhar com a Educação Física escolar devido à oportunidade de emprego e à identificação com a área; do que menos gostam na sua profissão é a "incompetência/ desvalorização profissional", sendo essa caracterização também apontada como um dos principais problemas da EF no Estado, seguida de "limitação da formação acadêmica".
Por essa razão, os professores propõem mudanças em termos de compromisso e de valorização profissional, assim como qualificação docente; gostam de provocar mudanças nos alunos e de trabalhar com algumas práticas corporais; atualizam-se, principalmente, por meio de cursos, dedicam um tempo semanal ao estudo, que varia de uma a trinta e cinco horas; conhecem a chamada EF crítica, mesmo que de forma genérica, caracterizando-a a partir de expressões como "cidadania", "transformação da realidade", entre outras. O caráter genérico e superficial do conhecimento das pedagogias críticas manifesta algumas características do processo de constituição e disseminação das mesmas no Brasil. Os professores ainda apontaram que possuem interesse em participar de grupos de capacitação, apesar de algumas dificuldades quanto à definição de horários disponíveis.
No decorrer desta pesquisa, categorizamos as respostas dos professores no que diz respeito à Educação Física, ao planejamento educacional, às competições e ao treinamento de equipes.
Considerações finais
Os dados apresentados constituem um perfil geral da compreensão do professor de EF que atua em escolas particulares do município de Vitória (ES) acerca de seu trabalho pedagógico. Conforme visto nos capítulos anteriores, há várias facetas presentes neste estudo que precisam de aprofundamentos e/ ou complementos. A despeito dessa observação, podemos perceber que esse professor estabelece, no que se refere a alguns aspectos, uma relação de estranhamento com seu próprio trabalho. No entanto, esse estranhamento possui fissuras e ambigüidades e também está eivado de bom senso e de esforços (mesmo que frágeis) que buscam dimensionar uma nova prática pedagógica.
O diagnóstico sobre a formação profissional dos professores, a postura frente aos desafios da prática pedagógica, os conteúdos ensinados nas aulas de Educação Física, a elaboração do planejamento e, principalmente, o imaginário social do próprio professor constituem dados relevantes para que as intervenções, no sentido de melhoria da prática pedagógica, sejam coerentes com a real necessidade.
Qualquer intervenção que tenha como horizonte contribuir para a melhoria da prática pedagógica desse professores precisa levar em conta esse "núcleo sadio" de compreensão. E não apenas isso: necessita potencializá-lo. Talvez esteja aí um ponto de partida interessante para a construção de mudanças mais radicais na prática pedagógica da Educação Física.
Obs. As autoras, Sabrina Poloni Garcia (Membro Acadêmica do LESEF/CEFD), professora Sandra Soares Della Fonte(Pesquisadora do LESEF, Professora CEFD e doutoranda ( PPGE/ UFSC) e Juliana Alves Neto e Márcia Andreia da Matta ( ex- monitoras do LESEF/CEFD), todas da UFES.
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