Resumo

A violência envolvendo torcedores de futebol, tanto nas arquibancadas como fora delas, não e recente. Sabemos que esse fenômeno ocorre ha décadas em diversas partes do mundo, estendendo-se aos anos anteriores a Primeira Grande Guerra. Entretanto, no Brasil, foi somente a partir do final da década de 1980 que ele passou a se notabilizar como conteúdo noticioso e, com isso, a mobilizar mais fortemente a opinião publica. Nesse período, foi alçado a condição de problema social e tornou-se objeto de preocupação publica constante. Desde então, diversos claims-makers jornalistas, dirigentes desportivos, dirigentes de torcidas organizadas, acadêmicos, autoridades publicas etc. vem debatendo o assunto. Diante da relevância e premência desse debate, objetivamos, nesta tese, discutir como ele vem sendo construído e como os sentidos mobilizados por essa construção se entrecruzam com relações de dominação. Mais especificamente, buscamos responder a seguinte indagação: se, em que medida e como os discursos desses diversos claims-makers acerca da violência envolvendo torcedores de futebol podem ser considerados uma produção ideológica, produzindo e reproduzindo relações de dominação? A fim de termos acesso a esses discursos, realizamos entrevistas semi-estruturados e coletamos artigos opinativos em jornais de grande circulação. Para analisar esses materiais, apoiamo-nos na teoria de violência de Johan Galtung, na teoria construcionista de problemas sociais e na teoria de ideologia de John B. Thompson, alem de adotarmos o referencial metodológico desenvolvido por este ultimo, a hermenêutica de profundidade. Seguindo a estrutura tradicional desse referencial, organizamos a analise dos materiais em três fases: num primeiro momento, descrevemos e analisamos o seu contexto socio-historico de produção, circulação e recepção; num segundo momento, analisamos a sua estrutura interna; e, num terceiro momento, reinterpretamos os resultados obtidos na segunda fase a luz dos obtidos na primeira. A partir dessa reinterpretação, argumentamos, entre outras coisas, que o debate em questão tem mobilizado a ideologia ao ajudar a manter os torcedores organizados, em particular, e os pobres, em geral, numa situação de dominação. Alem disso, defendemos que, ao difundir a ideia de que a irracionalidade e uma característica natural do comportamento de grupo ou de massa, alguns discursos enunciados nesse debate também tem mobilizado a ideologia na medida em que sustentam relações de dominação das autoridades publicas sobre os torcedores. Todavia, o caráter ideológico do debate e, nesse caso, confrontado pelo caráter critico de outros discursos, que contestam a ampliação do controle do Estado sobre o cidadão. Alem dessa contestação, observamos criticas ao tratamento dado ao torcedor no espetáculo futebolístico e ao comportamento das autoridades, jornalistas e dirigentes. Também percebemos uma profunda insatisfação em determinados discursos com as diferenças socioeconômicas e com as condições educacionais existentes no pais. Diante disto, não pudemos deixar de reconhecer que, ainda que em diversos momentos esteja a serviço da dominação, o debate atual em torna da violência no futebol brasileiro também tem mobilizado criticas e intervenções desafiadoras e transformadoras do status quo
 

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