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Iniciando as nossas reflexões

Boa tarde! Primeiramente gostaria de agradecer o convite do Departamento de Educação Física da Universidade Federal Fluminense. Fiz parte dele em 1997 como professora substituta, a minha primeira experiência como professora universitária, e também como aluna do curso de pós-graduação em Educação Física Escolar.

Esse ano, de 2006, no qual o Enfefe faz 10 anos, por conscidência é também o ano que faço dez anos de graduada em Educação Física. Acompanhei a sua trajetória ao longo desses anos, participando da comissão organizadora do 2° Enfefe, apresentando temas-livres, levando alunos da graduação e colegas professores para participar, enfim, a minha formação acadêmico-profissional vem sendo trilhada conjuntamente com o crescente e feliz amadurecimento deste grupo de professores.

A partir de agora temos mais um fato a comemorar: em 2007 entrará em funcionamento o curso de licenciatura em Educação Física neste departamento. Uma grande vitória deste corpo docente (participei de muitas reuniões na construção desse projeto) e também da cidade de Niterói e adjacentes que ganharão, com certeza, um curso de Educação Física, oferecendo licenciatura, gratuito e de muita qualidade. Estamos torcendo pelo sucesso.

Fico honrada de ter sido convida a contribuir com esse momento da Educação Física brasileira onde estão se delineando a construção, implementação e já, em alguns casos, a redefinição dos currículos que foram implementados nos cursos em licenciatura e graduação em Educação Física. Acredito que esta mesa redonda da qual faço parte, pode ser entendida como um desdobramento das discussões travadas no Enfefe do ano passado (2005) que teve como tema: " A formação de professores: a licenciatura em foco".

No último encontro foram expostos e debatidos os projetos de organização das estruturas curriculares das licenciaturas, das universidades públicas do estado do Rio de Janeiro, provenientes das " novas" indicações apontadas pelo Ministério da Educação no que tange os currículos da formação em Educação Física. Parece-me que a escolha do tema Lazer advenha da necessidade de pensar com certa cautela e aprofundamento este campo de conhecimento e intervenção que, durante muitos anos, esteve baseado na perspectiva do profissional generalista que tanto participava dos meios formais e não-formais de ensino.

As diretrizes curriculares que organizam os cursos de Educação Física, orientando os seus currículos, estão baseadas na resolução n°7 de 31 de março de 2004. Estabelecem duas possibilidades de formação: licenciatura em Educação Física e graduação em Educação Física.

Faz-se mister destacar que vamos nos debruçar na perspectiva da licenciatura, mas em muitos momentos estaremos atravessando as discussões e reflexões também pertinentes à graduação. O nosso tema é extremamente instigante ser pensado pontualmente na perspectiva da licenciatura. Parece ser de fácil compreensão, entretanto, ao nos inclinarmos sobre ele, veremos que se faz necessário levantarmos algumas questões iniciais que nos incitam a pensar nos objetivos desses conhecimentos na licenciatura, assim como nos seus conteúdos e nas suas abordagens metodológicas.

Alguns deles:

Que sociedade é essa que está posta? Quais são os valores e de que maneira se organizam as relações sociais e principalmente aquelas que se fortalecem no âmbito do lazer?

Qual é a sociedade que quero ajudar a construir e, se possível, modificar?

Que escola temos? Que escola queremos?

Quem são e o que desejam as crianças e os adolescentes com quem lidamos em nosso dia-a-dia?

Quais são as necessidades que o professor de Educação Física possui no âmbito escolar relacionadas ao lazer?

Quais são os conhecimentos necessários para o trabalho na escola no que tange ao lazer?

Como pensar o lazer e sua relação com a escola? Não parece contraditório? Lazer não seria comumente visto como algo que acontece no tempo livre e a escola, contrariamente, como uma instituição que delimita os espaços e tempos, potencializando o mínimo de tempos livres?

As reflexões que serão expostas não têm a intenção de responder tais perguntas, como se fosse um questionário, mas de nos levar a pensar que os conteúdos que optamos em explorar no âmbito escolar não devem e não estão descolados das nossas visões de mundo, mesmo que não percebamos. E, além do mais, o que queremos a curto, médio ou longo prazo conquistar com as nossas práticas educacionais.

De maneira introdutória, acho importante identificarmos como se constituiu, historicamente, as relações entre lazer e escola. Cabe, nesta situação, a menção sobre a recreação. Segundo Werneck (2000), a recreação surge no seio da disciplina de Educação Física, em torno da década de 1920, tendo essa o nome de ginástica, quando o ideário da Escola Nova se manifesta nos meios educacionais, transmitindo os valores, por exemplo, do aluno sendo o centro do processo e o jogo como fonte educativa fundamental para tal. A partir de então, a recreação se constitui, na escola, como um conjunto de atividades físicas e mentais que impulsionariam a aprendizagem das crianças, baseando-se em jogos, brincadeiras, danças folclóricas e brinquedos cantados.

Com o aparecimento mais nítido, na década de 1970, das discussões sobre lazer no Brasil, o enfoque na recreação vai perdendo espaço, surgindo pesquisas e ações que não discutirão amplamente a recreação no âmbito da Educação Física, mas sim sobre o tema que naquele momento era emergente e também mais amplo, trazendo à tona as possibilidades de produção e difusão cultural: o Lazer.

Surgem, então, no cenário da Educação Física, as discussões pertinentes ao lazer e suas diferentes manifestações.

Investigando com mais profundidade as relações entre recreação, educação Física e lazer, é importante pontuarmos o que estamos chamando de lazer, mesmo parecendo ser óbvio, visto que no senso comum já temos as nossas percepções sobre esse fenômeno e também porque é um tema já bastante abordado por profissionais de diferentes áreas, pelo menos nos últimos 20 anos.

Optamos por pensar o Lazer a partir da descrição realizada por Marcellino (1989) que diz que é:

"A cultura - compreendida no seu sentido mais amplo- vivenciada (praticada ou fruída), no "tempo disponível". É fundamental como traço definidor, o caráter "desinteressado" dessa vivência. Não se busca, pelo menos basicamente, outra recompensa além da satisfação provocada pela situação. A "disponibilidade de tempo" significa possibilidade de opção pela atividade prática ou contemplativa". (p.3)

Em obra mais recente, Gutierrez (2001) destaca uma característica fundamental no lazer: a busca do prazer. Sendo assim, discorre a sua idéia de lazer como: "atividade não obrigatória de busca pessoal do prazer no tempo livre" (p.6)

Além dessas duas maneiras, no meu modo de ver, complementares, de identificarmos o conceito de lazer, existem outras que indicam as idéias de: "conjunto de atividades"; "momentos lúdicos"; "algo feito com prazer, independente do tempo livre" etc. Não é nossa intenção nos envolvermos nesta discussão, conferindo-a destaque, pois a partir da categoria trabalho, o Lazer, vem sendo estudado e discutido como fenômeno surgido na sociedade moderna, e que continua, assim como essa, sofrendo redefinições. Interessa-nos nesta palestra, apontar nessas contradições e similaridades, os aspectos fundamentais para o aprofundamento do nosso tema.

A sociedade contemporânea, as vivências do lazer e a prática escolar

O lazer encontra-se inserido no debate contemporâneo no que diz respeito à crise de determinados paradigmas que se apresentam como categorias absolutas, que são vistos por um determinado ângulo, e na maioria das vezes, de maneira cristalizada (Gutierrez, 2001).

Aparecem, então, tentativas de pensar a sociedade sob óticas diferenciadas, trazendo a tona o debate do relativismo (Maffesoli, 2004).

Atualmente, existem múltiplos olhares que "enxergam" lazer, como por exemplo, a arquitetura, a sociologia, a antropologia, a partir de diferentes pontos de referência. Uma das questões que os aproxima é a reflexão sobre que sociedade é esta que se apresenta no século XXI e que necessidades e angústias emergem das relações entre os diferentes grupos ou camadas sociais.

O que identificamos ser comum é a preocupação de entender o corpo, a corporiedade, se manifestando, por exemplo, por meio de práticas de lazer. Como diz Maffesoli (2004), na perspectiva do pensamento pós-moderno, aquele corpo, que nos padrões modernos, se mostrava como essencialmente instrumento de produção, agora dá vazão, através de múltiplas situações, a um corpo lúdico e também amoroso. Para nós professores, tende a ser mais simples identificarmos, muitas vezes, de maneira empírica esses corpos "excitados pela música, mexendo seus quadris e rebolando para a vida".

De acordo com este autor, a nossa sociedade vive as imbricações provenientes entre o ético e o estético, onde as relações humanas se encontram nessa emoção compartilhada, entre o que se deve ou se deseja ser ou ter, mesmo só se realizando em pequenas tribos.

Logo, essas "tribos" constroem, reconstroem e expressam suas emoções e práticas culturais através, também, das vivências do mundo do lazer. Lazer como modo de expressão, como resistência, como fruição do lúdico, como forma de aceitação, como projeto de busca da identidade tanto pessoal como comunitária, e até como forma de alienação.

A sociedade atual se depara com alguns dilemas importantes. Ao mesmo tempo, que se mostra mais atenta às práticas de lazer das pessoas, dando vazão à ebulição de diferentes opções, vem através da chamada, indústria do lazer, difundir seus produtos, aumentando o seu "mercado consumidor". Contudo, muitas vezes, acaba excluindo as pessoas, não permitindo a grande maioria da população brasileira acesso a essas produções, sejam pelas barreiras econômicas e culturais, seja pela velocidade de mudança dessas práticas. Cinema, teatro, shows, eventos. Quantos de nós temos acesso costumeiramente? Qual foi a educação para o lazer que recebemos para pensarmos o nosso tempo livre? Nesse contexto, muitas práticas populares vêm se deteriorando, seja pelos menores investimentos, tanto dos setores públicos quanto privados, além da dificuldade de encontros entre os pares, ou pelos fatores de violência urbana ou rural, quanto na mudança de percepção sobre o outro: um possível "estranho".

Segundo Melo (2006) identificamos em diferentes grupos sociais resistências e outras opções de ação que vão de encontro a este alastramento desenfreado da indústria cultural, onde determinados grupos têm criado possibilidades de se mobilizarem em torno de práticas de lazer coletivas. Entretanto o que assistimos é um processo de midialização dos costumes, onde os encontros entre os diferentes estão em decadência, sendo privilegiados as formas de contato entre os grupos sociais através de redes virtuais de comunicação.

O que tem haver a escola com tudo isto? É uma instituição construída, a partir dos interesses públicos e privados que navegam por esta sociedade do espetáculo, da diversificação dos valores morais e éticos, muitas vezes, banalizando-os, dos esteriótipos da vida humana, da rapidez das informações, da euforia em torno do estético, do belo, onde as aparências têm mais espaço do que a profundidade.

Entendemos que a escola, atualmente, continua sendo um centro distribuidor de conhecimentos, não estamos aqui ainda apontando se bom ou ruim, na perspectiva da criticidade. É nitidamente um dos pontos onde se põe em ação a articulação entre o saber técnico e a relação social, efetuando através de uma prática coletiva "o reajustamento necessário entre os modelos culturais contraditórios" (Certeau, 1995, p. 131).

Tem como uma de suas tarefas, se não, a mais importante, transmitir e perpetuar as experiências humanas, que se codificam em forma do que chamamos de cultura. Além da transmissão do conhecimento científico, cabe a escola o desafio de nos dias atuais, possibilitar ao educando o contato, a valorização e a reflexão sobre as diferentes formas simbólicas, linguagens diversas, e outras formas de construção das redes sociais entre os homens e mulheres. Deve estar atenta à criação de canais de sustentação, reflexão e argumentação com os valores vividos por ela própria e pela sociedade na qual ela está inserida.

Compreendo que nessa imersão sobre a cultura que a escola deve se possibilitar, invariavelmente, ela se deparará com as questões relacionadas às práticas culturais, sua difusão e articulação com os tempos e espaços de lazer. A escola não está alheia ao que chamamos de educação para o lazer.

Como já apontara Marcellino (1989), no final da década de 1980, na perspectiva da educação para o lazer, a escola deve ser capaz de possibilitar ao indivíduo a reflexão sobre o uso do seu tempo livre e, muitas vezes, das amarras as quais ele acaba sendo submetido ou se submete, por falta de informação ou conscientização dos direitos que possuem. Com isso, a escola contribui de maneira densa na formação pessoal e comunitária dos educados, podendo através da sua organização interna, possibilitar aos mesmos pensarem sobre os seus tempos livres e de que maneira usufruí-los.

O lazer e a formação do licenciado

Como destacado anteriormente, com a proposta de reformulação dos currículos universitários, criou-se a divisão mais delineada entre Licenciado em Educação Física e Bacharel em Educação Física. Os currículos foram e estão sendo construídos a partir de um núcleo comum, onde depois de certo período, o aluno escolhe que formação seguir. Em outros casos, desde o vestibular, há uma divisão nítida entre os dois cursos. As disciplinas que tratam da temática Lazer podem ser ministradas tanto no âmbito da licenciatura, quanto no bacharelado, ou fazendo parte de ambas. Neste caso, podem haver abordagens diferentes para o mesmo tema.

"Se isso por um lado é um elemento positivo do ponto de vista da integração e ampliação das visões de mundo, por outro, a falta de uma estrutura nuclear que aglutine o foco da formação e que mantenha a docência como ponto de integração do licenciado, desencadeia uma grande dificuldade para o aluno estabelecer uma identidade profissional característica do magistério". (Cupolillo, 2005, p. 383).

Essas estratégias de estruturação de uma identidade profissional, nem sempre perpassam somente as questões do querer fazer. Por exemplo, percebemos que em termos de custos, para as universidades particulares, é mais interessante manter um núcleo comum, mais extenso, do que dois cursos totalmente diferenciados.

Diante dessas dificuldades, também possuímos percalços para pensar a formação específica do licenciado e a sua relação com os estudos e ações do lazer. Primeiramente, essas reflexões serão instituídas em disciplinas específicas ou todo o curso poderia estar envolvido em um projeto único de debater a temática?

O ideal seria termos a segunda opção, mas sabemos das limitações das estruturas educacionais e também dos professores que ministram as diversas disciplinas na licenciatura. Interessante pensar que, poderíamos ter aulas do curso de licenciatura que, com seus diferentes conteúdos, privilegiariam a magia que envolve os momentos do lazer: a ludicidade, a espontaneidade, a liberdade de ação e de escolhas. Um "fazer educação física" com gosto de lazer. Não estamos aqui banalizando essa experiência, mas enaltecendo as características dessa última que tanto impelem a todos a participação ou a vivência da ludicidade. O que vemos acontecer nas diferentes licenciaturas é um grupo de disciplinas que no interior dos cursos, abordam temáticas referentes, de uma maneira geral, à ludicidade, à recreação, ao tempo livre, ao brincar e ao lazer.

Acredito que no bojo desses conhecimentos, é importante levarmos os alunos da licenciatura a pensar sobre a sociedade a qual pertencem. Questões como: Qual é o nosso papel na sociedade? Qual é o objetivo do professor? Qual a formação humana? Só o aprendizado do aluno? Hoje vemos a escola como um meio de colocar em prática o projeto de formação de cidadania de maneira mais alargada, onde seus objetivos são: as formações humana, acadêmica, profissional e política (Xavier, 2005). Essas são questões importantes a serem colocadas. A fim de construir sua estratégia de ensino, é preciso também ajudá-lo a pensar que tipo de sociedade ele deseja ajudar a construir e/ou reconstruir.

Em relação ao lazer, faz-se necessário buscarmos alternativas metodológicas que nos incitem a pensar sobre: quais os valores que são divulgados pelas práticas de lazer? Qual o papel da família, do estado e do privado na divulgação do lazer? Como conviver com a indústria do lazer, cada vez mais maciça, divulgando valores, muitas vezes, não tão adequados aos diferentes grupos? Ainda é possível falarmos da educação para e pelo lazer discutidas no final da década de 1980, por Marcellino (1989)?

Em tempos atrás, as práticas de lazer ocorriam essencialmente na esfera pública, com as festas religiosas, com o teatro, com os cinemas, etc. Entretanto, a partir da metade do século XX, as vivências do lazer têm se ampliado na esfera privada, onde o uso da internet, do DVD, do vídeo, da televisão tem tomado cada vez mais espaço. É uma indústria cultural que estimula o simulacro, as viagens fantasiosas irreais, levando ao alcance de muitos a cultura de massa. Como o professor vai lidar com essa situação?

Acredito que após serem engendradas no seio dos cursos de licenciatura, nas disciplinas na perspectiva do lazer, as questões referentes à sociedade e à educação, é importante estimular o aluno a desfrutar do seu lazer. Ele deve ser colocado em desafios a fim de conseguir ampliar a sua maneira de perceber o seu próprio lazer. A mudança também tem que se dar no plano pessoal, para que o indivíduo tenha possibilidades de explorar essas potencialidades com os seus diferentes grupos.

Deve ser levado a perceber o seu papel social, não mais como aquele recreador, com a perspectiva tarefista, mas um professor de Educação Física que consegue identificar em sua sociedade, o espaço que o prazer imediato possui, a necessidade humana de se envolver nas vivências lúdicas e a mudança paulatina das convivências cotidianas.

A partir disso, espera-se que este aluno, futuro professor, consiga identificar melhor as necessidades e os desejos desta sociedade, partindo também das suas experiências particulares. Não podemos esquecer que o professor de Educação Física tem dificuldades de colocar em prática essa difusão e apropriação dos diferentes lazeres, pois como indica Michel de Certeau (1995) "Para que haja verdadeiramente cultura, não basta ser autor de práticas sociais, é preciso que estas práticas sociais tenham significado para aquele que as realiza" (p. 9). Então, para o aluno, também é importante se apropriar, adotar mudanças de estilos, obter transformações pessoais com a cultura, fazendo-a ter mais sentido para si e para os seus grupos de intervenção.

Não estamos ignorando que esse processo não é algo fácil de acontecer. Sabemos que estamos vivendo em uma sociedade dos megaeventos e da globalização da imagens cuja invasão é diária, através dos apelos da indústria cultural, que tenta nos manter em sua rede de consumidores. Porém, ao mesmo tempo que consumimos cultura, também a produzimos. Esses aspectos precisam ser tratados tanto nos cursos de licenciatura quanto nas escolas para que não sejamos sempre vistos como vítimas das redes de manipulação, muitas vezes obscuras nas relações sociais.

"Queremos reforçar a idéia de que o conceito de produção cultural não está somente relacionado à confecção de algum objeto, alguma obra. Trata-se também de uma postura crítica perante o que é consumido, o que é assistido" (Melo, 2006, p77)

Esta é uma das tarefas do professor de Educação Física: construir com seus alunos posturas críticas em relação ao que se faz nos tempos e espaços de lazer. Não consumir passivamente os bens disponíveis; o aluno da licenciatura deve ser estimulado a pensar, e a exercitar com os diferentes grupos o modo de utilização de uma determinada informação. O que é passivo? O que é ativo? O que pode alienar? O que pode engrandecer? O que transforma? O que acomoda? São discussões que precisam ser colocadas dentro das escolas a fim de que possamos efetivamente estar contribuindo como uma educação para o lazer das pessoas.

Sendo assim, as reflexões travadas nas disciplinas com enfoque no lazer, na ludicidade, na recreação, devem possibilitar o aluno a pensar "o indivíduo como agente social, que atua no interior de uma cultura que o precede e com a qual mantém uma relação de mútua interferência". (Gutierrez, 2001, p.9)

Os alunos, através dessas disciplinas, devem conhecer as diferentes possibilidades de lazer em nossa sociedade, não de maneira essencialmente consumista, porém refletindo sobre essas práticas e sobre as necessidades humanas com seus múltiplos enfoques. Precisam identificar que o lazer é um direito social tal como aqueles que já se encontram legitimados pela sociedade, tais como: saúde, educação, transporte, etc. e ao mesmo tempo, exercitar a cultura não no singular, fazendo com que a pluralidade de linguagens se estabeleça.

Elenco abaixo alguns temas que podem ser abordados por essas disciplinas na licenciatura e que também auxiliam nas práticas dos professores de Educação Física nos diferentes níveis de ensino.

Podemos citar como exemplos:

1) Estudos teóricos-práticos sobre as manifestações culturais do lazer: cinema, teatro, espaços culturais, dança, música, etc.;

2) Relações entre o lazer e a educação ambiental;

3) Situar e pensar a cidade como espaço múltiplo de lazer;

4) Como se processam as escolhas de lazer pelas camadas populares e pelas camadas mais abastadas? Entendemos que há uma sobrevalorização dos aspectos econômicos que faz com que o lazer e a cultura, por exemplo, fiquem em segundo plano no planejamento familiar (Melo, 2006).

5) Como difundir essas práticas de lazer para camadas sócio-econômicas que não legitimam as práticas de lazer como sendo prioridade? Introduzir essa reflexão na graduação é fundamental para que o futuro professor possa ter uma dimensão maior sobre os porquês das escolhas ou não, por determinados bens culturais e não outros.
6) Reflexão entre esportes radicais e sociedade contemporânea.
7) A importância do brinquedo e da brincadeira na vida dos sujeitos.

Considerações finais:

Não tive a intenção de concluir, ou apontar soluções. Ao contrário, espero poder ter contribuído com questionamentos e ter introduzido alguns caminhos, e sem a pretensão de que fossem inéditos. É a minha leitura sobre o tema, sobre os assuntos que envolvem as minhas reflexões acadêmicas e profissionais. "Escutar não é uma ato de consumir idéias, mas de criá-las e recriá-las" (Freire apud Albuquerque, 2001, p.18).

Sou professora, independente de ser universitária ou do ciclo básico de ensino. Quero ajudar a minha sociedade a ser mais humana, mais fraterna, mais feliz. Desejo ver uma escola multifacetada, com características diferenciadas, aceitando e interagindo com aqueles que julgam ser "diferentes". Independente do nível de ensino é preciso respeitar a relativa mobilidade entre as camadas sociais, proporcionando-lhes experiências que os façam ter maior autonomia nas escolhas por diferentes opções de lazer.

"Não há utopia verdadeira fora da tensão entre a denúncia de um presente, tornando-se cada vez mais intolerável e o anuncio de um futuro a ser criado, construído, política, estética e eticamente, por nós, homens e mulheres". (Freire apud Albuquerque, 2001, p.210)

Obs. A participante de mesa redonda, prof. Ms. Ingrid Ferreira Fonseca leciona na Rede Pública de Ensino e na UGF

Referências bibliográficas

  • Albuquerque, T. de S. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. In: Souza, A. I. Paulo Freire: vida e obra. São Paulo: editora expressão popular, 2001.
  • Certeau, M. A cultura no plural. São Paulo: Papirus, 1995.
  • Cupolillo, A. Críticas e propostas a formação do licenciado. O que se discute na Universidade Rural. In: Anais do IX Encontro Fluminense de Educação Física Escolar. Niterói, 2005.
  • Gutierrez, G.J. Lazer e prazer - questões metodológicas e alternativas políticas. Campinas: Autores associados, 2001.
  • Maffesoli, M. Notas sobre a pós-modernidade - o lugar faz o elo. Rio de Janeiro: Atlântica, 2004.
  • Marcelino, N.C. Lazer e educação. São Paulo: Papirus, 1987.
  • Melo, V.A. Cidade, lazer, entretenimento e política- Reflexões sobre a contemporaneidade. In: KAMEL, J.A.N. (org.) Engenharia do entretenimento: meu vício, minha virtude. Rio de Janeiro: E-papers, 2006.
  • Werneck, C. Lazer, trabalho e educação - relações históricas, questões contemporâneas. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2000.
  • Xavier, G.T.R. Formação acadêmica e diretrizes curriculares nacionais. Proposta do curso de Educação Física da Universidade Federal Fluminense. In: Anais do IX Encontro Niteroiense de Educação Física Escolar. Niterói, 2005