Resumo
Esta tese aborda as formas de construção social da honra no cotidiano da comunidade de mineiros de carvão de Minas do Leão (RS), após o desaparecimento da última mina de subsolo, fechada em 2002. Parte-se da premissa de que, no pano de fundo do imaginário destes trabalhadores, há uma espécie de “grande honra” da profissão que foi sendo delineada historicamente, servindo de suporte à imagem de heroísmo que carregam os mineiros de subsolo em diferentes lugares do mundo – do que o caso francês, explorado aqui a partir de revisão bibliográfica e de um estudo etnográfico na Lorena francesa, constitui um exemplo. Entre os trabalhadores gaúchos, junto à “grande honra”, mesclando-se ou opondo-se a ela, observa-se uma multiplicidade de formas de “pequena honra”. Estas podem estar alicerçadas na identificação com o métier, a partir do “orgulho” do trabalho bem-feito ou das “artes” da malandragem, mas também se ancorarem em pertencimentos político-sindicais, religiosos, esportivos, familiares ou, ainda, estarem relacionados à origem rural. Nesta comunidade, como em outros segmentos nos quais predominam as relações face a face, há uma grande preocupação dos moradores com a própria reputação, tecida pelas observações e comentários alheios, do qual cada qual participa no sentido de preservar a própria imagem – a própria honra – e de estabelecer igualmente a vigilância sobre os demais. A pesquisa etnográfica revela uma série de clivagens e conflitos sociais que contrasta com a apresentação feita pelos habitantes a forasteiros como de um local em que “todo mundo é unido”. As identidades e o sentimento pessoal e coletivo de valor são forjados nesses entrecruzamentos de diferentes mundos que atravessam e circundam o “mundo da mina”, nos quais há relações de sobreposição, de mistura, mas também de tensão e de exclusão.