Integra

Creio que é possível dizer que vivemos a primavera de um novo tempo no Brasil entre o final dos anos 1980, fim do Século XX, até os meados dos anos 2010, início do Século XXI. Ainda que aos solavancos ficamos esperançosos com as promessas de abertura democrática, sonhamos um país que finalmente deixaria o berço esplêndido para se tornar uma potência mundial no sentido da sua produção e redistribuição de renda (principalmente com os governos de centro-esquerda a partir de 1994), um país que se assumiria verdadeiramente como um Estado de Bem-estar Social.

Todavia, o Século XXI chegou e já ao final do primeiro quarto de Século, vivemos uma crise sistêmica. Uma crise que se espraia em diferentes esferas, específicas num sentido, mas totalmente interconectadas no outro. Se posso ensaiar uma versão da modernidade é a de que os ventos do Século XXI colocaram a lume que os problemas que aos poucos foram saltando aqui e acolá nos cantos do globo compõem um arquipélago, comungam da mesma geografia submersa. Uma taxionomia para essas crises nos é dada por Vladimir Safatle, Professor Titular da Universidade de São Paulo. Ele lista cinco crises interconectadas: Política, Demográfica, Econômica, Ecológica e Psíquica.

Ensaio abaixo uma definição de cada de uma delas:

Crise Política: os estados democráticos de direito estão em crise em grande parte do mundo que brinca com experimentos de governança que não só flertam como se assumem explicitamente autoritários e fascistas.

Crise Demográfica: as populações estão envelhecendo mais rapidamente do que o esperado colocando enorme demanda nos sistemas de previdência social, enquanto, ao mesmo tempo, as populações concentram-se em grandes Metrópolis com ocupação desigual da terra.

Crise Econômica: os meios e modos de produção são cada vez mais dominados por grandes corporações que pouco ou nenhum compromisso tem com a grande parcela da população. Seus objetivos são únicos:  sempre maximizar os lucros. Um dos efeitos mais evidente desse processo é a crescente precarização das condições de trabalho e do trabalhador que abandonado ao sabor das marés é convidado a ser “empreendedor” de si num mundo dominado por gigantes das corporações. A desigualdade social acachapante viceja amplamente e  cresce em todos os cantos inclusive na Europa e América do Norte.

Crise Ecológica: as mudanças climáticas da última década são o reflexo mais evidente da crise que desafia a sustentabilidade da vida no próprio planeta. A humanidade com suas técnicas e tecnologias tornou-se tão bem-sucedida no habitat terrestre que coloca em risco sua própria sobrevivência num horizonte que de longo prazo, tem constantemente sendo antecipado, primeiro de 200 anos, depois de 100 e agora de 50 anos.

Crise Psíquica:  se os tempos modernos nos trouxe a sabedoria de reconhecer a saúde como sendo um estado de bem-estar pessoal e não só físico, ficamos cientes de que problemas que passaram durante muito tempo desapercebidos são hoje reconhecidos como centrais, falamos do que muitos chamam de saúde mental. Ansiedade, depressão, transtornos compulsivos, entre outros, competem para desiquilibrar a vida de milhões de pessoas no mundo. Há uma crise do ser e de ser e tornar-se, antes de mais nada.

Cada uma dessas crises tem sua especificidade, mas elas se interconectam as vezes sendo causa uma das outras ora com sendo efeito. Coincidentemente são cinco e coincidentemente acabamos de viver Jogos Olímpicos e Paralímpicos que captaram atenção de milhões de pessoas no mundo todo. Passado os dramas e as alegrias que compartilhamos durante os Jogos é mais do que hora de nos voltarmos para outros desafios sintetizados nesses cinco anéis. E nesses Jogos não importa participar, é preciso desesperadamente vencer. Nos cabe pensar criticamente e rapidamente o que a Educação Física e o Esporte podem fazer “nesses jogos”.