Dosagem Histamínica Muscular em Ratos Exercitados
Por Marília Mantovani Sampaio Barros (Autor), José Roberto Moreira de Azevedo (Autor), Eduardo Kokubun (Autor), Carlos Alberto Anaruma (Autor), Rui Errerias Maciel (Autor).
Em Revista Brasileira de Educação Física e Esporte (até 2003 Revista Paulista de Educação Física) v. 9, n 1, 1995. Da página 3 a 9
Integra
DOSAGEM HISTAMÍNICA MUSCULAR DE RATOS EXERCITADOS
RESUMO
Exercícios físicos dinâmicos e executados em tempo prolongado podem resultar em elevação do nível de histamina (HA) no sangue e em outros tecidos, além dos hormônios clássicos. Este trabalho foi elaborado com o propósito de verificar se a resposta histamínica ao exercício agudo intenso pode ser diminuída após um período de treinamento. A efetividade do treinamento físico foi comprovada através da análise morfométrica do músculo gastrocnêmio e a determinação dos níveis de HA foi realizada pelo método fluorimétrico. A respeito do exercício agudo, houve aumento do nível de HA no músculo gastrocnêmio de ratos sedentários (3,06 + 0,6343 m g/g; n= 13) em comparação com o respectivo controle (2,46 + 0,2444 m g/g; n= 15). Não houve significância estatística de concentração histamínica entre os grupos treinados entre si e quando foram comparados aos grupos sedentários. As alterações na concentração de HA são compatíveis com os efeitos clássicos do exercício e treinamento físico sobre a homeostasia microcirculatória. A atenuação da resposta histamínica ao exercício agudo, após um período de treinamento prolongado, pode ter implicações nas respostas histamínicas desencadeadas pelo exercício. Essas duas possibilidades merecem outras investigações.
UNITERMOS: Músculo gastrocnêmio; Natação; Histamina.
INTRODUÇÃO
A histamina (HA) é uma substância endógena com potentes ações na homeostasia microcirculatória e na musculatura lisa, mediando, dentre outras, respostas alérgicas e secreções gástricas, e atuando também como neurotransmissor (Montgomery & Deuster, 1993).
Graham et alii (1964) verificaram que havia um aumento da capacidade de formação de histamina (HFC - histamine forming capacity) em tecidos pobres em mastócitos de animais submetidos a exercício prolongado. Asma, anafilaxia e urticária colinérgica induzidas pelo exercício são condições que têm sido associadas a esse aumento na concentração sangüínea e tecidual de HA.
Ensaios de HA teciduais em músculos não demonstraram qualquer alteração em natação aguda de 30 minutos, porém houve um aumento acentuado após 8 horas (Vaisfeld & Kassil citados por Viru, 1985). Verificou-se também que a caminhada em esteira rolante a 36,70C induzia um aumento pronunciado de HA, porém após 10 dias de aclimatação essa resposta era abolida (Erez & Mescheryakova citados por Viru, 1985).
Esses achados sugerem que a liberação de HA é maior em exercícios intensos, induzindo um maior aumento da temperatura corporal. Indivíduos treinados apresentam menor estresse térmico e menor intensidade relativa ao exercício agudo do que indivíduos sedentários. Assim, o presente trabalho foi elaborado com o propósito de verificar se a resposta histamínica ao exercício agudo intenso pode ser diminuída após um período de treinamento.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram utilizados 59 ratos (Rattus norvegicus, Hannover, var. albina) Wistar, machos adultos, com cerca de 90 dias de idade e peso entre 200 e 250 g. Os animais foram mantidos em gaiolas plásticas coletivas (o máximo de cinco ratos por gaiola), em sala climatizada com controle de temperatura (entre 240 e 280C) e luminosidade (ciclo de 12 horas-claro, 12 horas-escuro). Água e ração (Labina C) foram fornecidas "ad libitum". Optou-se pela utilização de ratos adultos, porque eles apresentam formação de HA no músculo durante a contração (Graham et alii, 1964; Hakanson citado por Kahlson & Rosengreen, 1965).
Grupos experimentais
Os animais foram distribuídos em quatro grupos experimentais para a determinação do conteúdo de HA no músculo gastrocnêmio. Grupo Sedentário-Repouso (SED-R): animais mantidos em condições sedentárias no cativeiro e em repouso até o sacrifício; Grupo Sedentário-Exercício Agudo (SED-EX): animais mantidos em condições sedentárias no cativeiro, que realizaram exercício agudo (natação) durante 60 minutos, com resistência de 8% do peso corporal, imediatamente antes do sacrifício; Grupo Treinado-Repouso (TRE-R): animais que realizaram, durante 45 dias, um treinamento de natação, com resistência de 8% do peso corporal, 60 minutos/dia, cinco dias/semana, e que foram mantidos em repouso (24 horas) após a última sessão de natação, até o sacrifício; Grupo Treinado-Exercício Agudo (TRE-EX): animais que realizaram o mesmo protocolo de treinamento do grupo TRE-R, e que realizaram 60 minutos de exercício agudo de natação, com resistência de 8% a 10% do peso corporal, imediatamente antes do sacrifício.
Treinamento físico
Os ratos foram submetidos, inicialmente, a uma fase de adaptação ao treinamento de natação com duração de 21 dias, 60 minutos por dia, cinco dias por semana. Nos primeiros três dias, os ratos realizaram natação sem resistência. A partir do quarto dia, foram adicionadas resistências de 8% do peso corporal, cujo período era aumentado em dez minutos a cada três dias. Após o período de adaptação, os ratos realizaram 45 sessões diárias de 60 minutos de treinamento, com resistência de 8% a 10% do peso corporal.
As sessões de treinamento foram realizadas em tanques, com água à temperatura de 31 + 10C e dimensões de 100 cm x 80 cm e profundidade de 80 cm, o que impossibilitava o apoio da cauda no fundo do tanque. As sessões foram realizadas sempre no período da manhã, com 10 animais nadando simultaneamente.
Técnica histológica e determinação do conteúdo histamínico
Após o término do período de treinamento, foram retirados dos animais mortos por decapitação, os ventres mediais dos músculos gastrocnêmios, que foram colados com "Tissue Tek" em porta-objetos apropriados e assim foram fixados por congelamento através da imersão em n-hexano previamente resfriado em nitrogênio líquido. Após essa etapa, obteve-se em criostato cortes transversais de 7 m m de espessura das fibras musculares, que foram colhidos em lamínulas, corados pela técnica H/E e montadas com resina (Entellan-Merck) em lâminas apropriadas (Dubowitz & Brooke, 1973). A partir dessas lâminas foram obtidas, em fotomicroscópio (ZEISS), fotomicrografias que, após ampliadas, proporcionaram um aumento final de 500 X do material fotografado. Através dessas fotos mediu-se, com o auxílio de um planímetro (OTT- 30), a área das secções transversais das fibras musculares dos quatro grupos estudados (TABELA 1).
TABELA 1 - Médias das áreas das secções transversais das fibras musculares do ventre medial do músculo gastrocnêmio. Valores expressos como média + desvio padrão.
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Ratos n área (m m2)
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SED 80 4393,30 + 522,0
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TRE 80 5200,00 + 608,6*
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* Diferença significativa.
* p < 0,05 quando comparado com o grupo dos sedentários.
n = número de ratos.
Calculou-se a massa relativa do músculo através da massa úmida das amostras dos músculos gastrocnêmios e a massa corporal do animal no dia anterior ao sacrifício, antes da realização do treinamento.
A determinação do teor de HA em cada amostra de tecido muscular foi realizada por meio de análise fluorimétrica (Shore et alii, 1959), com algumas modificações sugeridas por Anton & Sayre (1968), Hakanson et alii (1972), Noah & Brand (1961) e Redlick & Glick (1965), visando obter maior sensibilidade e especificidade.
Análise estatística
Os resultados provenientes desse estudo foram analisados empregando-se o teste "t" de Student para amostras não-pareadas (quando os grupos experimentais foram comparados a seus respectivos controles) e o teste de Mann-Whitney (U-test) para a comparação dos grupos experimentais entre si.
A relação "massas das amostras/massas corporais" foi analisada por regressão e correlação. Por não ser linear a regressão em animais SED, utilizou-se o teste de correlação de Spearman.
Em todos os testes foram considerados como indicativos de significância estatística valores de p < 0,05 (Beiguelman, 1988; Roscoe, 1975).
RESULTADOS
A massa relativa dos músculos foi de 512,68 + 0,98 mg/100 g e 449,35 + 1,30 mg/100 g, respectivamente, para os grupos sedentários e treinados. Não houve diferença significativa entre esses valores.
Os resultados das medidas das áreas da secção transversal do músculo gastrocnêmio, expressos através de média e desvio padrão, revelam um aumento significativo (p < 0,05) nas áreas das fibras referentes aos grupos treinados, quando comparados aos animais do grupo sedentário (TABELA 1). Dessa forma, nota-se que houve reação ao treinamento ministrado, através de uma hipertrofia de 18,36% nas fibras do músculo dos animais treinados, quando comparados aos controles sedentários.
As médias das concentrações de HA do músculo gastrocnêmio estão apresentadas na TABELA 2. Os animais SED-R apresentaram concentração de HA significativamente menor do que SED-EX, porém não houve diferença entre TRE-R e TRE-EX.
TABELA 2 - Concentração de HA no músculo gastrocnêmio. Resultados expressos como média + desvio padrão. __________________________________________________
GRUPOS n HISTAMINA (m g/g)
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SED-R 15 2,46 + 0,2444
SED-EX 13 3,06 + 0,6343*
TRE-R 10 2,53 + 0,4831
TRE-EX 21 2,83 + 0,5230
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* Diferença significativa.
* p < 0,05 quando comparado com o grupo controle (SED-R).
DISCUSSÃO
Procedimentos de treinamento
A natação foi adotada como forma de treinamento físico prolongado porque admite-se que esse procedimento minimiza os efeitos do estresse emocional agudo provocado por exercícios de curta duração em esteira (Ostamn-Smith, 1979; Yakovlev, 1975). A duração total de 45 dias foi selecionada de forma a evitar o envelhecimento do animal, o que diminuiria sua resposta adaptativa. O procedimento de adaptação, com o aumento progressivo do tempo de exercício com resistência foi bastante efetivo, pois não houve animais em exaustão, apesar da elevada resistência (8% a 10% do peso corporal). A temperatura da água de 310C foi selecionada por ser apontada como termicamente neutra (Noble, 1992). Essas condições permitiram que, após o período de adaptação de 21 dias, os animais realizassem esforço continuamente com as quatro patas, ao longo dos 60 minutos da sessão de treinamento.
Exame histológico
O resultado da avaliação morfométrica é um indicador da eficiência desse procedimento de treinamento de natação. O aumento das áreas de secção transversal das fibras do músculo gastrocnêmio dos animais TRE em relação aos SED pôde ser considerado um sinal de moderada hipertrofia desse músculo. O músculo gastrocnêmio é composto predominantemente por fibras de contração rápida, tanto oxidativa-glicolíticas (IIa) como glicolíticas (IIb). Embora a distribuição das fibras não tenha sido determinada, considerando-se a duração das sessões de treinamento, e também que na natação há depleção de glicogênio nas porções vermelhas desse músculo (Kokubun, 1986), é provável que tenha havido hipertrofia seletiva das fibras do tipo IIa. Esses resultados indicam que o músculo gastrocnêmio sofre adaptações com o treinamento de natação, sendo portanto, apropriado para a determinação dos efeitos sobre a HA.
Concentração de HA no tecido muscular
As médias das concentrações de HA no músculo gastrocnêmio dos animais SED-R (amplitude de variação entre 2,2 e 3,0 m g/g) estão de acordo com os achados de Feldberg & Talesnik (1953).
O aumento da concentração muscular de HA durante o exercício nos animais SED está de acordo com os dados de literatura (Anrep & Barsoun, 1935; Owen et alii, 1982; Reilly & Schayer, 1970, 1971a, b; Schayer, 1952, 1960a, b, 1972; Schayer & Ganley, 1959; Schayer citado por Eichler & Farah, 1966). Esse resultado indica que, para animais sedentários, este modelo de natação é um exercício de moderado a intenso, já que exercícios de curta duração e de baixa intensidade não provocam aumento de HA (Graham et alii, 1964). O não aumento da concentração de HA após o exercício agudo em ratos treinados confirma a hipótese inicial do trabalho, segundo a qual a intensidade relativa do exercício é um importante determinante da resposta histamínica. A possibilidade do animal sedentário apresentar menor eficiência ao exercício não pode ser descartada. Contudo, tanto os animais sedentários como os treinados realizavam movimentação com as quatro patas, continuamente, durante os 60 minutos da sessão aguda de natação. O treinamento induz um aumento da capilarização, e consequentemente, da área de superfície microvascular. Disso pode resultar tanto uma menor produção da HA como também um aumento na sua remoção. A atividade da L-histidina descarboxilase é aumentada em condições de hipóxia. Com o aumento da superfície microvascular, essa hipóxia deve ser atenuada, resultando em menor ativação da L- histidina descarboxilase (Graham et alii, 1964). Por outro lado, a metabolização da HA é realizada na musculatura lisa vascular tecidual (Holcslaw et alii, 1984), e provavelmente, estará aumentada com maior capilarização. Assim, em animais treinados, pode ocorrer tanto a diminuição na produção de HA como também um aumento na sua remoção. O significado do aumento da HA no exercício agudo não está convenientemente esclarecido. Sabe-se que a HA, através dos receptores H1, influencia a homeostasia microcirculatória, aumentando o tônus da musculatura lisa de vasos e a permeabilidade vascular (Flynn & Owen, 1977), alterações que sabidamente ocorrem durante o exercício, particularmente no de maior intensidade. Também foi demonstrado recentemente que os receptores histaminérgicos centrais modulam respostas pressóricas e cronotrópicas (Prast, 1991). Desta forma, a possibilidade da HA estar envolvida na resposta cardiovascular ao exercício físico merece ser investigada. A ausência da resposta histamínica ao exercício agudo em ratos treinados, por outro lado, teria interessantes implicações. Pode-se especular que, com o treinamento, condições como a asma, a anafilaxia e a urticária colinérgica induzidas pelo exercício, mediadas especialmente pela HA, seriam igualmente atenuadas. Essa possibilidade também requer novas investigações. Em resumo, as alterações na concentração de HA são compatíveis com os efeitos clássicos do exercício e treinamento físico sobre a homeostasia microcirculatória. A atenuação da resposta histamínica ao exercício agudo, após um período de treinamento prolongado, pode ter implicações nas respostas histamínicas desencadeadas pelo exercício. Essas duas possibilidades merecem outras investigações.
CONCLUSÕES
As alterações na concentração de HA são compatíveis com os efeitos clássicos do exercício e treinamento físico sobre a homeostasia microcirculatória. A atenuação da resposta histamínica ao exercício agudo, após um período de treinamento prolongado, pode ter implicações nas respostas histamínicas desencadeadas pelo exercício.
ABSTRACT
MUSCULAR HISTAMINE DOSAGE OF EXERCISED RATS
Dynamic physical exercise performed over a long period of time can result in an increase of the histamine level (HA) in the blood and other tissues, apart from classic hormones. This paper had the goal of investigating whether the histaminic response to heavy and acute exercise can be decreased after a period of training. The effectiveness of the physical training was confirmed through a "morphometric" analysis of the gastrocnemius muscle and the determination of levels of HA conducted by a "fluorimetric" method. Regarding the acute exercise, there was an increase of the HA level in the gastrocnemius muscle of sedentary mice (3.06 + 0.6343 m g/g; n= 13) in comparison to the levels found in the control (2.46 + 0.2444 m g/g; n= 15). There were no significant statistical differences in the concentration of histamine within the trained groups and between them and sedentary mice. The changes in the concentration of HA are in line with the classical effects of exercise and physical training upon the microcirculatory homeostasis. The attenuation of the HA response to the acute exercise, after a long period of training may have implications on the histaminic responses triggered by exercise. These two questions warrant further investigations.
UNITERMS: Gastrocnemius muscle; Swimming; Histamine.
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