Resumo

A relação fundamental entre sono e performance atlética é tema de um estudo que investigou o efeito de diferentes estratégias para conciliar treinamento e o ato de dormir. Entre aumento do tempo total de sono e outras ações visando a higiene do sono, a intervenção individualizada sobe orientação profissional ganha destaque.

Integra

Entenda o essencial

  • O sono adequado é essencial para a recuperação e o desempenho atlético.
  • Atletas podem enfrentar distúrbios do sono devido ao estilo de vida e às demandas do próprio esporte.
  • A extensão do sono demonstrou os efeitos mais benéficos no desempenho subsequente.
  • Cochilos, higiene do sono ( conjunto de hábitos e práticas que ajudam a ter um sono reparador e de qualidade) e estratégias de recuperação pós-exercício apresentaram resultados mistos.
  • Intervenções personalizadas para o sono, com acompanhamento profissional, são necessárias para otimizar o sono e o desempenho de atletas.

Introdução

No universo competitivo do esporte, a busca por excelência exige que atletas e profissionais de Educação Física explorem todas as possibilidades para maximizar o desempenho. A recuperação adequada, muitas vezes negligenciada, é tão importante quanto o treinamento em si.

Neste contexto, o sono emerge como um pilar para a saúde, o bem-estar e a performance atlética. A privação do sono, mesmo que parcial, pode comprometer as funções físicas e cognitivas, impactando negativamente os resultados esportivos.

Contudo, muito que se sabe sobre este efeito deletério provem de simulações de casos extremos de perda do sono que não refletem as dificuldades enfrentadas pelos atletas em seu dia a dia. Uma privação parcial do sono, por sua vez, é resultado de consecutivas noites mal dormidas. Durante o período regular de treinos pode ocorrer devido a uma falha na higiene de sono (com treinamentos realizados tarde da noite e consumo de cafeína), a queixas crônicas (insônia, apneia) e a cargas de treinamento elevados. Por outro lado, distúrbios temporários podem ocorrer devido a mudanças na rotina de sono (viagens, alojamentos) e à tensão pré-competição.

De todas forma, a falta de sono adequado possui efeitos sobre a execução de habilidades específicas a esportes, em âmbito físico e cognitivo. Além disso, também se relacionam com estados de ânimo diminuídos e com o "over-reaching" e "over-training". Finalmente, a qualidade do sono está associada com mecanismos fisiológicos, como a diminuição da síntese proteica e o uso das reservas de glicogênio.

Mas o que pode ser realizado, do ponto de vista do treinamento esportivo e das possibilidades de intervenção?

O artigo "Sleep interventions designed to improve athletic performance and recovery: a systematic review of current approaches" (Intervenções no sono projetadas para melhorar o desempenho atlético e a recuperação: uma revisão sistemática das abordagens atuais, em tradução livre), de Bonnar e colaboradores (2018), apresenta uma revisão sistemática para avaliar a eficácia de intervenções para o sono em atletas, visando melhorias no desempenho e na recuperação.

Como foi feito o estudo?

O estudo analisou dez pesquisas, envolvendo 218 atletas de 18 a 24 anos, de diferentes modalidades esportivas.

A revisão sistemática foi conduzida com base nas diretrizes PRISMA. Foram pesquisados os bancos de dados PubMed, PsycINFO e Web of Science, utilizando a conjunção dos termos (operador AND): "atlet* / esporte", "educação sono / extensão sono / cochilo / terapia de sono sonoterapia" e "performance / competição / recuperação / sonolência / fadiga".

Dez estudos atenderam aos critérios de inclusão: intervenção para o sono em atletas com idade igual ou superior a 18 anos e avaliação do impacto no desempenho e/ou recuperação. Foram excluídos artigos de revisão ou estudos de caso focados na intervenção medicamentosa (com a preocupação anti-doping) ou na apneia do sono.

A qualidade metodológica dos estudos foi avaliada utilizando uma escala adaptada de Abernethy e Bleakley, na qual a qualidade do desenho do estudo, a descrição dos participantes, da intervenção, o período de medição e a "cegueira" dos avaliadores foram sobrepesados.

E o que o estudo diz?

Os resultados indicam que a extensão do período sono apresentou os efeitos mais benéficos no desempenho subsequente. Assim, os participantes de diversos estudos goram orientados a obterem o máximo de sono possível, o que foi alcançado com cerca de 100 a 110 minutos a mais dormindo, por noite. Entre as melhorias, foram observadas, tempo de sprint, precisão de arremesso, tempo de reação, humor e redução da sonolência diurna.

Os cochilos apresentaram resultados variáveis, com potenciais benefícios para a disposição mental após o exercício, mas com possível prejuízo para o sono noturno subsequente. É importante considerar a duração do cochilo e sua relação com o período de treinamento e com o ritmo circadiano do atleta.

A higiene do sono melhorou a duração qualidade do sono auto-relatada, mas não resultou em melhorias consistentes no desempenho. Nesta tipo de intervenção foram consideradas estratégias "agudas", incluindo ambiente escuro e frio, uso de plugues de ouvido e não usar dispositivos tecnológicos entre 15 e 30 minutos antes das luzes se apagarem.

Por sua vez, estratégias de recuperação pós-exercício, como crioestimulação e irradiação com luz vermelha, mostraram alguns benefícios para o sono e a recuperação, mas poucos em termos de performance. A premissa é que os efeitos fisiológicos da recuperação auxiliariam o início e manutenção do sono, através da reativação parassimpática. Contudo mais pesquisas são necessárias para confirmar sua eficácia.

Em geral, os resultados sugerem que intervenções para o sono podem ser benéficas para atletas, embora a resposta individual possa variar.

Os autores defendem a necessidade de intervenções personalizadas para o sono em atletas, com acompanhamento profissional, para otimizar o sono e o desempenho. No artigo, apresentam uma proposta que combinam educação, motivação e estratégias práticas, adaptando-se à realidade de cada atleta.

A educação é fundamental para que atletas compreendam a importância do sono para seu desempenho e recuperação, abordando temas como higiene do sono, distúrbios comuns e estratégias para melhorar a qualidade do sono.

A motivação, por sua vez, busca engajar os atletas no processo de mudança de comportamento, utilizando técnicas como a entrevista motivacional, que explora a ambivalência e auxilia na tomada de decisões conscientes em relação ao sono.

Finalmente, as estratégias comportamentais e cognitivas fornecem ferramentas práticas para lidar com os desafios do sono, desde a extensão do tempo de sono e a implementação de rotinas regulares até técnicas de relaxamento e gerenciamento de preocupações.

Tal proposta prevê a realização do do programa em sessões semanais conduzidas por um educador do sono, com a participação de atletas e da comissão técnica. A avaliação pré e pós-intervenção é necessária para monitorar o progresso e individualizar as estratégias. Para isso podem ser utilizados diários de sono, questionários e a actigrafia, um método que utiliza um pequeno dispositivo semelhante a um relógio, que registra os movimentos do corpo, permitindo identificar padrões de sono-vigília.

Observação: no atual estado de desenvolvimento tecnológico, os smarwatches e smartbands também contam com aplicativos para avaliação da qualidade do sono, com base em dados biométricos.

Adicionalmente, o rastreio para distúrbios clínicos permitiria encaminhar atletas necessitados de acompanhamento especializado.

Relação com outros estudos

Os achados deste estudo corroboram outras pesquisas que demonstram a importância do sono para a performance atlética. A privação do sono tem sido consistentemente associada a prejuízos no desempenho físico e cognitivo em atletas, afetando força, potência, tempo de reação, tomada de decisão e precisão.

No Brasil, por exemplo,  além destes efeitos um estudo sugeriu que intervenções nutricionais, como a ingestão de triptofano e melatonina, possam melhorar a qualidade do sono e, consequentemente, beneficiar o desempenho atlético (Amorim et al. 2024).

O papel dos neurotransmissores também é relevante, conforme serotonina, dopamina, norepinefrina e GABA são afetados pela privação de sono, com prejuízos cognitivos, emocionais e comportamentais (Batisti et al., 2024).
 

Diretrizes profissionais

Diante dos resultados, profissionais de Educação Física devem:
 

  • Educar atletas sobre a importância do sono, explicando como ele afeta o desempenho, a recuperação e a saúde em geral, destacando sua importância.
  • Avaliar os hábitos de sono dos atletas, identificando possíveis distúrbios ou problemas que possam estar afetando a recuperação.
  • Desenvolver estratégias individualizadas, com planos de sono personalizados, considerando as necessidades e o estilo de vida de cada atleta.
  • Promover a higiene do sono, orientando sobre práticas que o favoreçam, a exemplo de estabelecer uma rotina regular, criar um ambiente propício para dormir e evitar o consumo de cafeína e álcool.
  • Monitorar e ajustar as estratégias, com o acompanhamento do progresso dos atletas da realização de ajustes nas estratégias, conforme necessário.
  • Encaminhar para médicos especialistas, no caso de suspeita de um distúrbio do sono.

Considerações

A otimização do sono é um componente importante, ainda que pouco discutido, para a maximização do desempenho e recuperação em atletas. Profissionais de Educação Física precisam estar atentos para este fator, educando, avaliando e implementando estratégias para melhorar o sono. Ao abordar o sono como parte integrante do treinamento, é possível alcançar melhores resultados e promover a saúde e o bem-estar dos atletas.

No universo da pesquisa

Futuras pesquisas poderiam investigar:
 

  • A eficácia de diferentes intervenções para o sono em atletas de diferentes modalidades e níveis de competição.
  • O impacto de intervenções personalizadas para o sono no desempenho a longo prazo.
  • Os mecanismos pelos quais o sono afeta o desempenho e a recuperação em atletas.
  • A relação entre sono, estresse, e saúde mental em atletas.
  • A influência das diferenças individuais (cronotipo, genética, etc.) na resposta às intervenções para o sono.

Referências

AMORIM. L. M. et al. Influência do sono e de intervenções nutricionais na performance de atletas. Revista Eletrônica Acervo Saúde, v. 24, n. 12, p. e18821, 29 dez. 2024. Disponível em: https://doi.org/10.25248/reas.e18821.2024

BATISTI, J. M. Efeitos da privação do sono na secreção de neurotransmissores e o impacto na qualidade de vida. Revista FT, 2024. Disponível em: http://dx.doi.org/10.69849/revistaft/ma10202411090847.

BONNAR, D.  et al. Sleep interventions designed to improve athletic performance and recovery: a systematic review of current approaches. Sports Medicine, v. 48, n. 2, p. 267–283, 20 jan. 2018. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1007/s40279-017-0832-x.