Integra

A necessidade do novo

Durante esses dezoito anos em que estou atuando no ensino público do Município do Rio de Janeiro (que continuo acreditando ser possível), a todo instante questionava (e ainda questiono) o trabalho que vinha realizando junto aos alunos. Sentia, por vezes, grande insatisfação com o fazer pedagógico, não só pela forma, mas principalmente, pelo conteúdo. Existia um certo cansaço, que muitas vezes me levava a pensar em abandonar a profissão; mas logo depois vinha a vontade de buscar a superação, novas saídas ou outras possibilidades de dizer as coisas aos alunos.

Essas angústias me impulsionaram a procurar um espaço onde pudesse repensar a educação física escolar. Através de informações, fui levado a procurar a Universidade Federal Fluminense que, pela seriedade de seus cursos, permitiu-me alcançar meu objetivo.

Esse exercício do pensamento levou-me a refletir a respeito do tipo de homem que creio ser possível formar a partir de uma educação ocupada com a inclusão de todos. Além disso, refletir sobre uma sociedade composta de homens capazes de lutar para que todos tenham acesso aos bens materiais e imateriais disponíveis, de modo que ninguém seja excluído do processo de consolidação da cidadania.

Nesse contexto, aponto a escola como espaço de discussão das determinantes sociais, exercício da cidadania e local de múltiplas possibilidades, onde cada um possa sentir prazer em estar e todos tenham o direito de permanecer.

A discussão travada no âmbito escolar busca, na verdade, mostrar a cada aluno que existem caminhos, mas que só se tornarão possíveis através da participação de todos na construção da sociedade que acreditamos ser possível.

A educação física enquanto componente curricular deve ser capaz de contribuir para esse processo através de atividades que possam ir ao encontro dos saberes dos alunos e utilizem-nos como referência na elaboração de um planejamento cujos objetivos e conteúdos tenham por finalidade a participação de todos.

Sendo assim, é pertinente observar a necessidade de uma educação física da escola, comprometida com a inclusão e a permanência de todos os alunos e em que os mesmos sintam-se capazes de construir o jogo em que todos possam jogar: o jogo da vida feliz.

A partir da participação dos alunos, torna-se possível resgatar "alguns aspectos constitutivos do esporte, tais como: a cooperação, a sociabilidade, a integração, a auto-estima, a auto-superação, o autoconhecimento e a autoconfiança" (Barbieri,1996:16).

Nesse sentido a escola busca dar sua contribuição através de um projeto pedagógico que, objetivando mudanças, possibilite a seus membros repensá-la enquanto espaço de exercício da autonomia e da cidadania.

A escola inclusiva

O modelo atual nos aponta para uma escola que está atrelada ao poder central, cuja orientação política está pautada num contexto neoliberal e cujas políticas visam retirar do Estado as responsabilidades com as questões sociais. Silva (1994) comenta que a educação possui papel estratégico no neoliberalismo, na medida em que está sendo direcionada para "servir aos propósitos empresariais e industriais" (p.12). O autor nos mostra, ainda, que esse direcionamento possui dois aspectos consideráveis que são: "atrelar a educação institucionalizada aos objetivos estreitos de preparação para o local de trabalho" e viabilizar que "as escolas preparem melhor seus alunos para a competitividade do mercado nacional e internacional". É uma escola, enfim, que estimula a competição, a excelência, a exclusão e não garante a permanência, uma vez que não existe aplicabilidade social naquilo que ela oferece, mas "valoriza uma educação geral para formar trabalhadores com capacidade de abstração, polivalentes, flexíveis, criativos e ficam subordinados à lógica do mercado, do capital e, portanto da diferenciação, segmentação e exclusão" (Frigotto,1994:42).

Acreditamos que se deva oferecer educação de qualidade em que sejam considerados "aspectos sociais, políticos, culturais, antropológicos e psicológicos [...] que concorrem para a formação do aluno" e, assim garantir que "o processo de escolarização" possa "passar, de fato, a colaborar para a atuação autônoma dos alunos, na construção de uma sociedade democrática" (PCN:37).

Vale lembrar que "a escola não muda a sociedade, mas pode, [...]" articulada com esta, "constituir-se não apenas como espaço de reprodução, mas também como espaço de transformação" (idem:23). Dentro dessa perspectiva, a escola deve preocupar-se em conhecer o que a sociedade e a comunidade esperam dela, e a mesma assuma o seu papel no processo de transformação, contribuindo para "desbloquear os mecanismos de exclusão que, ao mesmo tempo em que deixam à margem das condições mínimas de vida [...] mais da metade da população, congelam ou retardam o próprio progresso técnico" (Frigotto,1994:69).

É preciso perceber que a escola não está isolada, uma vez que pretende trabalhar com a educação de indivíduos e isso, por natureza, torna-se um processo político-social, uma vez que "a questão da democracia se apresenta para a escola assim como se apresenta para a sociedade" (PCN:23). Além disso, devemos observar quais contribuições aquela pode prestar à população, quais necessidades pode vir a suprir e buscar mecanismos conjuntos que garantam a presença da comunidade no ambiente escolar.

Acreditamos que somente através de uma educação transformadora, comprometida com a democratização do conhecimento, entendida aqui como direito de "ter acesso aos conhecimentos indispensáveis para a construção de sua cidadania" (idem:9), através da apropriação de conteúdos que possibilitem uma visão crítica da realidade e que possam ser utilizados como "instrumentos para refletir e mudar a própria vida do aluno" (ibidem:24), é que a escola poderá cumprir seu papel na luta pela construção de um projeto social possível e igual para todos.

A escola deve ser um local de socialização, onde sejam possíveis as trocas de experiências e que auxilie ao aluno a desenvolver todas as suas potencialidades através do acesso aos conhecimentos técnicos e científicos que permitam sua inserção no mercado de trabalho; isso sem perder de vista as questões humanistas. Nesse sentido, ela deve ser ainda um espaço para o exercício pleno da cidadania, da autonomia intelectual e da formação ética no sentido pleno, permitindo segundo Manacorda, citado por Frigotto,
"o chegar histórico do homem a uma totalidade de capacidades e ao mesmo tempo, a uma totalidade de capacidades de consumo e gozo em que se deve considerar sobretudo o usufruir dos bens espirituais (plano cultural e intelectual) além dos materiais". (1994:69)

A escola não existe por si só, mas é composta por um grupo de pessoas que desempenham funções primordiais na concretização da democracia e do exercício da cidadania, e que estão envolvidas nesse exercício, através das situações e relações estabelecidas nesse convívio. Não deve ser "apenas um lugar de reprodução de relações de trabalho alienadas e alienantes, mas "um lugar de possibilidades de construção de relações de autonomia, de criação e recriação [...]" (PCN:32).

Nesse contexto estão inseridos os professores que, como cidadãos, devem desenvolver suas capacidades pessoais e profissionais, além de ocupar seu papel primordial de "participante do processo de construção da cidadania, de reconhecimento de seus direitos e deveres, de valorização profissional" (idem:31).

Estes devem saber, dentre outras coisas, que não adianta oferecer apenas aquilo que eles sabem, mas construir o conhecimento a partir também das necessidades do aluno, aproveitar sua bagagem de informações.

Segundo Gadotti (2000), "o professor deve ser um mediador do conhecimento, sensível e crítico, aprendiz permanente, um orientador, um cooperador curioso e, sobretudo um cidadão" (JB, Caderno Educação).

O projeto pedagógico: Um exercício político

O que o projeto pedagógico objetiva é organizar e preparar os diversos setores da escola para juntos se lançarem na batalha pela mudança de alguns pontos e introdução de outros, fundamentais para o exercício da transformação do espaço escolar em uma "unidade com maior grau de autonomia e que todos possam estar comprometidos em atingir as metas propostas" (idem:11).

A partir da implantação do projeto, será importante mostrar a cada um que o mesmo não será possível sem o comprometimento de todos, professores, funcionários, direção, alunos, responsáveis e comunidade. Para cada setor deve ficar claro qual é o papel a ser desempenhado na construção de um espaço de convivência e trocas de experiências a fim de que todos possam "se envolver em atividades voltadas para o bem estar da sua comunidade, desenvolvendo projetos que repercutam dentro e fora da escola" (ibidem:33).

Faz-se necessária a revisão e rediscussão dos conteúdos a serem trabalhados em cada componente curricular. É possível pensar numa forma de planejamento onde as disciplinas se articulem e a interdisciplinaridade aconteça de fato, uma vez que, para Frigotto, esta é uma característica da realidade social e torna-se urgente a relação dessa realidade com a escola.

Ao discutir a relação da escola com a realidade social, Frigotto (1994) indica que é desnecessária a criação de disciplinas a cada problema que venha a surgir, sob pena de "instaurar um processo de dispersão e indisciplina intelectual". Nesse contexto, ao propor a idéia de "núcleos unitários dos campos de conhecimento", ele destaca, como exigência para a sua organização e identificação, um "trabalho de natureza interdisciplinar" (p.75). Não há mais espaço para a educação bancária que Paulo Freire sempre criticou e continua apontando como um dos grandes males da educação.

A educação física da escola

Dentro da proposta que possibilite a inclusão de todos, a educação física precisa assumir seu papel fundamental no processo de transformação social que sonhamos ser possível. É preciso pensar naquilo que acontece no cotidiano escolar para que as aulas de educação física sejam vistas sob diversos enfoques, que vão desde mero passatempo, controle de energias, até espaço reservado para treinamento visando a competição. Devemos observar que tipo de educação física é ensinada hoje nas escolas e que contribuições a mesma tem trazido para a transformação do aluno e da escola ou se a prática pedagógica tem perpetuado a reprodução do modelo social excludente. Estamos, ainda, atrelados, na maioria dos casos, a uma

"fase da história em que o rendimento, a seleção dos mais habilidosos, o fim justificando os meios está mais presente no contexto da educação física na escola. Os procedimentos empregados são extremamente diretivos, o papel do professor é bastante centralizador e a prática uma repetição mecânica dos movimentos esportivos" (Darido,1999:16).

De maneira geral, a educação física é vista como uma disciplina cujos conteúdos são compostos por diversos esportes que serão ensinados ao longo da vida escolar e que, ao final, permitirão ao aluno a prática regular daquele que maior interesse despertar.
Segundo Daólio, citado por Darido: "A formação profissional eminentemente esportiva ocorrida nas décadas de 70 e 80 (eu acrescentaria a de 90) homogeniza o grupo (professores de educação física) na medida em que passa a eles uma determinada visão a respeito de educação física, balizada pelo esporte" (Darido, idem: 31).

Essa visão, não só empobrece como reduz as aulas a meros espaços de treinamento por repetição, ensaio e erro. O professor muitas vezes é visto como aquele que não está inserido no processo educacional, mas como o "treinador" que, dentro da sua formação acadêmica, apenas aprendeu uma grande quantidade de exercícios capazes de treinar os fundamentos de cada desporto e os repete nas suas aulas pelo resto de sua vida profissional. Quero ressaltar, com certa tristeza, que essa visão algumas vezes acaba transformando-se numa constatação.

Apesar de apontar o esporte de rendimento como excludente para uma parcela dos alunos e alienador para todos, acreditamos que seja possível modificar a visão que se tem da educação física a partir desse mesmo esporte. O que é preciso discutir é de que esportes estamos falando, para que tipo de rendimento e quais os conteúdos que possam ser trabalhados em cada um deles. É exatamente essa questão que levantarei posteriormente quando da apresentação do planejamento de educação física.

Vivemos um momento crítico na sociedade e na educação física onde as práticas culturais neoliberais contribuem sobremaneira para perpetuar o padrão vigente, pautado no individualismo, em que palavras como companheirismo, solidariedade, grupo, não fazem tanto sentido, "onde o prazer gratuito, espontâneo está cada vez mais difícil" (idem,1995). É a sociedade do aqui e já, do "eu primeiro". É a educação física do melhor, do mais belo. Como tudo nela é descartável, os sentimentos também o são, tal qual uma garrafa de plástico: são simplesmente trocados.

Dentro desse quadro resta a nós ficarmos atentos às transformações sociais que estão ocorrendo e nos posicionarmos criticamente para definir qual o nosso papel na sociedade e na escola.

Cremos numa educação que tenha a atividade física como um dos pontos de sustentação na luta pela transformação social. Não importa somente que formas de atividades, mas quais seus significados no processo educacional e de que maneiras a disciplina contribuirá na formação do cidadão.

O planejamento: caminho para a transformação

No dia em que o homem se tornar inteligente e efetivamente livre, o esporte vai ser uma aferição exclusiva da auto-superação com a ajuda do outro, na condição de solidário e não de adversário. (Távola,1996:31)

Dentro dessa perspectiva, estou sugerindo os conteúdos a partir do esporte, pois é o que tenho de concreto na realidade dos alunos.

Pretendo, a partir deste, relacionar conteúdos que priorizem a participação de todos nas aulas de educação física e, então, incentivar que cada um sinta prazer em relacionar-se com o outro e assim veja a escola como um lugar onde seja possível ser feliz.

Creio ser possível trabalhar a partir dos esportes "numa concepção crítico-emancipatória", através da inclusão de "conteúdos de caráter teórico-prático que, além de tornar o fenômeno esportivo transparente, permite ao aluno organizar a sua realidade de esporte, movimento e jogos de acordo com suas possibilidades e necessidades" (Kunz, 2000:36). De acordo com o autor, o esporte deve ser praticado na escola para que possa ser compreendido e assim também justificar o porquê da educação física na escola.
Kunz considera que além de outros, dois aspectos devam ser levados em conta nesse processo:

  • "A interação social", no processo coletivo, deverá ser tematizada enquanto objetivo e
  • A "linguagem" não só a verbal, como a corporal, como possibilidade de diálogo com o mundo e, por conseguinte como possibilidade de interação dos sujeitos do processo ensino-aprendizagem.

Segundo ele, através desses dois aspectos o conhecimento (técnico, cultural e social) do esporte é compreendido sem ser imposto, partindo da vivência dos participantes, suas formas de relacionamento social e os conteúdos informativos.
A partir dos conhecimentos dos alunos queremos situar esses esportes no contexto social, propor a desconstrução dos mesmos, transformando-os em esportes (no seu conceito amplo) que todos possam jogar e tenham prazer em reconstruir os esportes que lhes for possível, e assim,

"evoluir através da construção do mundo, da criatividade, da organização de sociedades justas, igualitárias e fraternas que não necessitem do impulso da competição para obterem a força do trabalho e a disposição necessárias ao avanço e à evolução"
(Távola,1996:33).

Buscamos, ainda, introduzir os conceitos fundamentais dos jogos cooperativos como forma de apresentar uma educação física voltada para a cooperação e o companheirismo, "onde os participantes jogam com o outro e não contra o outro" (Brotto,1996).

Essa escolha é justificada nas palavras de Orlick, citado por Brotto, segundo o qual

"a diferença principal entre jogos cooperativos e competitivos é que nos jogos cooperativos todo mundo coopera, todos ganham. Tais jogos eliminam o medo do fracasso e o sentimento de fracasso. Eles também reforçam a confiança em si mesmo, como uma pessoa digna e de valor. Na maioria dos jogos competitivos este reforço é deixado ao acaso ou concebido apenas a um vencedor"
(idem:39).

Inicialmente, os conteúdos propostos são os mesmos dos esportes praticados na escola, ou seja: Voleibol, Basquetebol, Handebol e Futsal. Através da prática dos esportes ditos convencionais quero buscar saídas para a participação de todos a partir de perguntas e questões levantadas pelo grupo.

A cada pergunta elaborada é avaliada a possibilidade de mudança, no sentido de atender os objetivos propostos pelo/para o grupo naquela aula, assim como aos objetivos do planejamento.

Dentro desse entendimento, não pensamos num planejamento fechado, mas na possibilidade de, a cada aula, introduzir uma pergunta geradora de investigações e mudanças na forma de conduzir e jogar cada esporte. Os alunos trarão, a cada aula, perguntas e propostas a respeito de novas maneiras de praticar o esporte no qual todos possam participar.

Ao estar inserido no processo, sempre que houver possibilidade e/ou necessidade, estaremos introduzindo outras formas de jogar, a partir dos jogos cooperativos. Podemos apresentar alguns exemplos de atividades que poderão ser desenvolvidas nas aulas:

  • FUTSAL - futpar, mão-pé, futsal gigante, futsal relâmpago, futsal com troca de lado.
  • BASQUETEBOL - basquete de cinco, basquete de seis, basquete amigão, troca de equipes, bola na torre, jogo dos dez passes, bola por todos, cestas alternadas.
  • VOLEIBOL - vôlei de seis, vôlei bolão, vôlei gigante, vôlei mascarado, volençol, vôlei móvel, vôlei de nove.
  • HANDEBOL - handebol de seis, handebol gigante, handebol por zona, handedupla, handebol com troca de equipes, handebol com bola por todos, handebol com gol alternado, queimado japonês.

As atividades acima serão apresentadas de acordo com a necessidade de responder a determinadas questões que venham a ser levantadas na aula. Dentre essas questões, apresentamos alguns exemplos que poderão surgir durante as aulas e podem ser importantes para a discussão e a problematização do papel do esporte nas aulas e suas variáveis, no sentido de contribuir para o alcance de três competências apresentadas por Kunz (2000), quais sejam:

Competência Objetiva - conhecimentos, informações, destrezas, técnicas e estratégias que qualifiquem o aluno a agir no mundo do trabalho, na profissão, no tempo livre e no esporte dentro de suas possibilidades individuais;

Competência Social - aquisição de conhecimentos e esclarecimentos para entender os problemas e contradições das relações socioculturais, os papéis que cada um assume nesse contexto e a preparação para assumir esses papéis a partir de um agir solidário e cooperativo em que existam reflexão e comunicação;

Competência Comunicativa - segundo o autor possui papel decisivo dentro do desenvolvimento da competência educacional critico-emancipatória uma vez que "saber se comunicar e entender a comunicação dos outros é um processo reflexivo e desencadeia iniciativas do pensamento crítico" (p.41).

Para Kunz, essa competência está presente na linguagem dos movimentos, que é importante para a compreensão do jogo, mas deve, principalmente, estar na linguagem verbal que, segundo ele, é o veículo de entendimento e soluções de possíveis problemas sociais e culturais identificados na prática.

De acordo com o autor, ao falar de suas experiências e entendimento do mundo dos esportes, o aluno além de interpretá-los melhor, aprende a construir seu próprio discurso com chances de expressar suas idéias, intenções e sentimentos. Inicia-se, assim, o processo de aprender a ler, interpretar e criticar o esporte numa perspectiva sociocultural.

Para nortear as aulas na direção dos objetivos acima, proponho algumas questões fundamentais que auxiliarão na efetivação do planejamento:

  • O que sabemos jogar? Por que jogamos assim?
  • De que maneiras sabemos jogar? De quantas formas sabemos jogar? De quantas maneiras podemos jogar?
  • Para que servem as regras? Podemos mudar as regras? Quais? Quantas regras podemos criar?
  • A essa altura poderemos avaliar o processo e olhar o início do ano letivo para perguntar:
  • O que estamos jogando? É esporte ou jogo? Existe diferença?
  • O que podemos praticar: o esporte ou o jogo? O esporte e o jogo?
  • Todos podem jogar? Pequenos grupos? Grandes grupos?
  • Podemos mudar as regras e/ou as equipes de maneira que todos participem? Como?
  • Quando eu ganho é bom? E quando eu perco? É possível jogar sem que haja perdedor? Como jogar de maneira que todos ganhem?
  • O que eu sinto ao jogar?
  • É possível jogar sem placar, sem contagem?

A estratégia é responder a essas perguntas a partir da prática esportiva, ao longo do período letivo. Obviamente, a cada aula, para cada situação/questão respondida surgirão novos questionamentos e o aluno será estimulado a buscar suas respostas e apresentá-las ao grupo para avaliação.

Como dissemos, o tema da aula é a pergunta central, que poderá consumir mais de uma aula para ser respondida, o que vai depender do envolvimento e necessidades de cada aluno e/ou turma.

Acreditamos que através dessa forma de apresentar o planejamento seja possível aos educadores, fortalecer nosso papel "não para agir sobre o educando, mas para perceber que tipo de valor pedagógico as práticas pedagógicas estão construindo" (Santin,1996:61).

Avaliação

A avaliação que propomos, embora esteja num contexto escolar que ainda possui muitos vícios da avaliação classificatória, meritocrática, está voltada para facilitar a todos, professor e aluno, a serem sujeitos capazes de dizer os rumos que poderemos seguir. Em outras palavras, que ela deixe, segundo Luckesy (2000), de ser "seletiva e excludente" mas que deva ser "não pontual, diagnóstica e inclusiva" (JB, Caderno Educação).

O planejamento apresentado pode contribuir decisivamente para que a avaliação ocorra a todo o momento, uma vez que o direcionamento do mesmo será dado pelos questionamentos apresentados a cada aula, o que permitirá constante diagnóstico assim como eventuais alterações de estratégias.

Através das questões apresentadas, das discussões suscitadas pelas mesmas e posterior tomada de decisão a respeito de que atividades atenderão os anseios do grupo, é que poderemos verificar o nível de compreensão e aprendizagem de cada um.

De acordo com Luckesy (idem), a avaliação "está a serviço de um projeto pedagógico construtivo que olha o ser humano como um ser em construção permanente", o que nos leva a pensar a respeito da importância de juntamente com os alunos, utilizá-la como balizadora do processo, sem preocupação com o produto final.

Nesse sentido é que, além da verificação do caminho percorrido e da direção a tomar, através da avaliação realizada em conjunto, a cada aula, proponho a auto-avaliação como forma de o aluno poder perceber-se antes, durante e ao final do período letivo. Afinal, se falamos em sujeitos autônomos, nada mais justo que o aluno participe desse processo enquanto sujeito do seu próprio destino e que junto com o grupo busque "solucionar as dificuldades encontradas na aquisição e construção do conhecimento" (Gomes,1996:106).

Creio que, através da auto-avaliação, o aluno estará desenvolvendo a autocrítica, o respeito ao outro e a si mesmo além de outros valores fundamentais para a construção de sua cidadania.

Atualmente estamos buscando outras formas de avaliação através da produção de textos como resultado de discussão de temas sugeridos pelos alunos. Esses assuntos são desenvolvidos a partir das saídas culturais, da seleção e projeção de filmes de curta e longa metragem com o auxilio do vídeo-cassete. Os "passeios" têm a função de permitir a eles conhecer os espaços educadores que a cidade oferece. Com relação aos filmes, é a partir do tema proposto que fazemos a escolha de filmes onde tais questões apareçam e permitam travar o debate. Ao final de cada bimestre há produção de textos individuais onde os alunos desenvolvem a capacidade de síntese e análise, além do exercício da escrita e construção de textos.

Considerações finais

A finalidade desse trabalho é permitir a discussão a respeito de outras possibilidades de práticas docentes da educação física escolar, a partir dos chamados esportes cuja prática nas escolas está homogeneizada e de certa forma. Esse fazer pedagógico parece ainda estar consolidado pela formação docente que ora ainda percebemos em algumas universidades.

Nesse contexto é que sugerimos a prática escolar a partir daquilo que os alunos trazem como bagagem esportiva. Sabemos que é muito difícil romper de forma imediata com essas práticas que, de forma excludente, "deformam" e limitam as potencialidades que se apresentam para o ensino da educação física na escola. Por outro lado, é preciso ressaltar que tornou-se lugar comum responsabilizar os professores pelo "engessamento" de suas práticas docentes, voltadas para o rendimento sem, contudo, haver políticas públicas que permitam a atualização desses, assim como a discussão de diferentes caminhos para a educação física da escola. Assim, acreditamos que, juntamente com a organização desse evento de renome nacional, estaremos dando a nossa contribuição com a apresentação dessa proposta que, certamente apresentará diversas possibilidades de adaptação de acordo com as realidades de cada profissional. Os caminhos são vários, assim como as formas de caminhar.

Queremos lembrar ainda que, o que propomos tem a pretensão de funcionar como possibilidade de rompermos, num futuro próximo, com as práticas esportivas que teimam em selecionar e excluir uma enorme parcela da população que já nasce excluída dos direitos básicos fundamentais para viver com o mínimo de dignidade. É possível mudarmos de forma gradativa para conteúdos que contemplem a efetivação da educação física da escola, tendo como eixo central a cultura corporal inserida em outras formas de culturas populares. Essa é a nossa utopia.

O autor, Carlos Henrique dos Santos Martins é professor das redes municipal do Rio de Janeiro e da FAETEC , especialista em educação física escolar ( UFF) e mestrando em educação pela UFF.

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