Integra

Não foram necessárias muitas décadas para que fosse assistida a uma profunda transformação no esporte1 . Se, num primeiro momento, esta transformação foi impulsionada pelos nacionalismos decorrentes da Guerra Fria, num segundo momento e não necessariamente posterior, mas paralelamente, o fenômeno da espetacularização foi aquele que contribuiu mais fortemente para uma profunda transformação na qual se inclui a máxima planificação do treinamento com participação constante da área médica e prática planejada de dopagem. Os últimos trinta anos podem ser considerados como um período em que foi colocada em cena uma luta antidoping, traduzida, entre outros fatores, pela expansão e sofisticação dos controles de uso de inúmeros produtos dopantes bem como a promulgação de leis impeditivas de seu uso. O problema que se coloca é que se, inicialmente, as práticas de dopagem eram quase artesanais, hoje, elas sofisticaram-se e são mesmo o resultado de máxima racionalização científica, o que permite que escapem inúmeras vezes aos controles desenvolvidos. Torna-se imperiosa uma compreensão mais alargada das práticas de doping no meio esportivo, portanto faz-se necessário agregar às preocupações de ordem médica e ou fisiológica aquelas que permitam identificar e refletir, por exemplo, sobre suas dimensões históricas, sociais e, sobretudo, como fenômeno coletivo. Georges Vigarello afirma que o perigo, nas formas mais recentes no que diz respeito ao doping, é que seu consumo não é mais individual e disperso e sim coletivo e organizado. A transgressão não se revela apenas como um atentado à integridade do indivíduo, mas constitui-se em prática de especialistas dopadores e medicalização desta ação, recebendo orientações precisas e fazendo parte de re- 1. A elaboração deste editorial baseou-se em discussões acerca do doping em Catherine Louveau, Muriel Augustini, Pascal Duret, Paul Irlenger e Anne Marcellini. Dopage et performance sportive: analyse d’une pratique prohibée. Paris: INSEP-Publications, 1995. 8 Rev. Bras. Cienc. Esporte, Campinas, v. 27, n. 1, p. 7-8, set. 2005 des de fornecimento constituídas profissionalmente. Dessa forma, o doping é um fenômeno que concerne à toda a sociedade e não apenas à sociedade esportiva, ele pode ser considerado como um problema de saúde pública2 . O CBCE, como entidade científica, e a RBCE, como prestigiado periódico acadêmico, nunca dedicaram atenção especial a esse tema e a essa problemática de pesquisa. Ao longo de sua história, encontramos na RBCE poucos artigos sobre o doping e este número busca cobrir parte dessa lacuna, oferecendo à comunidade acadêmica um conjunto de artigos abarcando nas múltiplas faces desse complexo fenômeno.

Os Editores

Acessar Arquivo