Editorial. Batalhas Bibliométricas
Por Cleber Dias (Autor), Ana Márcia Silva (Autor).
Em Pensar a Prática v. 16, n 4, 2013. Da página 1 a -
Integra
Retomamos aqui outro aspecto da temática que já nos ocupou no editorial do número anterior. Recorrente entre editores, assim como entre pesquisadores em geral, a temática sugere refletir sobre incorporação e resistências aos índices e critérios de acreditação, as sim como seus desdobramentos sobre a produção do conhecimento. Uma das questões que nos chama a atenção é o fato de que a exe cução de ações políticas, em geral, depende, em larga medida, de al gum nível de colaboração dos agentes aos quais afetará mais diretamente. Nesse sentido, é notável como as atuais políticas cientí ficas gozam de ampla cooperação da comunidade científica. A rápida adesão aos critérios de medição e acreditação, cada vez mais extensi vos a um número cada vez maior de esferas do trabalho acadêmico, faz parecer natural mecanismos que são em tudo arbitrários, quando não desprovidos de racionalidade. A suposição de que existem rela ções entre índices bibliométricos e a qualidade dos periódicos, dos ar tigos publicados ou mesmo dos pesquisadores, por exemplo, é um desses aspectos carentes de maiores fundamentos.
Silêncio e omissão são outras formas de adesão involuntária ou ir refletida aos princípios que têm orientado essas políticas, com amplas consequências sobre toda estruturação do trabalho acadêmico. É como disse criticamente o biólogo Fernando Reinach (2013), em artigo no jornal Estado de São Paulo: “Se a regra exige aumentar o número de trabalhos publicados, vou praticar “Salami Science”. É necessário ser muito citado? Sem problema, minhas fatias de salame vão citar umas às outras e vou pedir a amigos que me citem. Em troca, garanto que vou citálos. As revistas precisam de muitas citações? Basta pedir aos autores que citem artigos da própria revista. E, aos poucos, o objetivo da ciência deixa de ser entender a natureza e passa a ser publicar e ser citado. “Se o trabalho é medíocre ou genial, pouco importa” (REI NARCH, 2013).
Obviamente, nem tudo é passividade nesse universo. Além de ma nifestações públicas como essa de Reinach, há também iniciativas co letivas mais organizadas. Um deles é o chamado “movimento da ciência lenta”, o qual já mencionamos em editorial anterior (DIAS; SILVA, 2011). Outro bom exemplo é a “Declaração do Colégio do México” (2010), interessante manifesto liderado por um grupo de editores latinoamericanos de periódicos das Ciências Humanas, da História, mais especificamente. Embora o documento tenha encontra do repercussão relativamente pequena no Brasil, a pauta anunciada ali nos parece oportuna e pertinente. Basicamente, o manifesto critica a adoção de critérios de validação próprios a outras disciplinas, a mar ginalização do espanhol e do português como línguas de comunicação científica entre comunidades lusófonas ou hispânicas e a “hegemonia mais ou menos fictícia das revistas anglófonas” (DECLARACIÓN, 2010, p. 34), nos termos do documento, promovida pelos critérios de hierarquização de periódicos de agências de financiamento de pesqui sa. Acertadamente, o manifesto identifica algumas consequências ne gativas disso tudo, entre as quais, o desencorajamento de interações mais efetivas entre pesquisadores latinoamericanos. Dessa maneira, abdicase, em última instância, do ideal de criação de um bloco regio nal capaz de articular uma alternativa à hegemonia anglosaxã na ci ência. Em conformidade ao velho receituário imperialista, ao invés do enfrentamento, submissão e vassalagem. Mas talvez a principal lição de iniciativas como essa diga respeito a disseminação da ideia de que outras formas de organização da polí tica científica são possíveis. Políticas cientificas, afinal, são antes de tudo políticas. Nesse sentido, e essa é a segunda lição do Colégio do México, ações desse setor exigem envolvimento dos principais atores da prática científica, isto é, os cientistas, o que inclui editores de pe riódicos, atores quiçá privilegiados dessas comunidades. Cleber Dias Ana Márcia Silva Em tempo: Cabe informar, ainda, o afastamento do professor Cleber Dias (UFMG) da editoria da revista. Gostaríamos de agradecer e re gistrar sua importante contribuição no período de 2011 a 2013, com partilhando com competência e zelo a editoria geral da Pensar a Prática.