Editorial Em Defesa do Desporto
Por Jorge Olímpio Bento (Autor).
Em Revista Portuguesa de Ciências do Desporto v. 7, n 2, 2007.
Resumo
Decidi elaborar este editorial, recorrendo a algumas citações, todas complementares e contribuintes para o objectivo pretendido. 1. A primeira é da autoria de José Manuel Constantino: “O desporto precisa de ser defendido. Defendido perante os seus desvios. Defendido perante os seus opositores. Essa defesa requer um pensamento crítico e actualizado sobre as suas práticas, sob pena de se acumularem intenções e objectivos que o desporto, supostamente, deveria garantir e que teima em não atingir. Muitas das posições críticas ao desporto, particularmente incisivas por parte dos novos ascetas do higienismo, repousam no facto de os defensores do desporto permanecerem prisioneiros de perspectivas redutoras e defensivas, que aprisionam o desporto a uma lógica de sentido único, quase que pedindo licença para ocupar o seu espaço. O espectáculo desportivo e a sua comercialização arrastando fenómenos de perturbação à sua matriz identitária e a desregulação que isso originou alteraram o equilíbrio de muitas das suas teses e interpretações e desfizeram mitos com os quais muitos anos conviveu. A defesa do desporto é, também, isso. A avaliação do capital de experiência que a história do desporto acumulou (...) Um capital de experiência que é contraditório: tem aspectos positivos ao lado de negativos”.1 Para contribuirmos para a defesa do desporto, para o defendermos dos seus desvios e desvarios, assim como dos seus opositores, devemos entender que ele, como qualquer organismo, é dotado de mecanismos endógenos de regeneração. A sua defesa e credibilidade têm que vir de dentro, do esforço daqueles que o pensam, investigam, teorizam e ensinam, organizam e dirigem, praticam e usufruem. Por isso ele deve merecer, de todos quantos perfazem o seu sujeito plural, um esforço constante de renovação e melhoria. Como disse Ortega y Gasset, nós “temos o dever de pressentir o novo”. 2. Aos opositores ao desporto, nomeadamente àqueles que lançam sobre ele a acusação de ser da ordem do efémero e contingente, quero expressar alguma concordância formal e total discordância substancial. Sim, o desporto está aí para cultivar a ética e estética da contingência, a beleza e alegria do contingente e imanente na peripécia que a vida encarna, celebrando tanto o brilho do que nos é dado como a sombra do que nos falta e inquieta. Convida-nos a optar “pelo aperfeiçoamento humildemente tentativo e resignadamente inabalável do que sempre nos parecerá de algum modo imperfeito, em vez de o recusar com desânimo culpável ou de tentar agigantá-lo até que a sua enormidade inumana nos esmague”. Ao exaltar o contingente ele não impede de apontar para a excelência, entendida não como “a busca de nenhum absoluto (o excelente conseguido será tão contingente como o medíocre rebaixado), mas o afã de ir mais além e aperfeiçoar o que conseguimos (...) embora sem nunca sairmos da limitação que nos define e baliza o sentido a que podemos aspirar”.2 3. Muitos mitos alimentam o desporto, tal como a vida. Alguns carecem de ser esclarecidos e quiçá abandonados. Todavia outros são essenciais. Assim devemos ter bem presente a advertência seguinte: “Precisamos de mitos para tornar suportáveis os nossos dilemas irresolúveis. (…) Se fôssemos demolidores irresponsáveis de mitos, rasgaríamos os nossos direitos humanos e começaríamos de novo: repensando o que queremos dizer com vida humana e dignidade humana. Por enquanto, se quisermos continuar a acreditar que somos humanos, e justificar o status especial que nos atribuímos – se, na verdade, quisermos permanecer humanos através das mudanças que enfrentamos -, é melhor não descartar o mito, mas começar tentando viver à sua altura”.3 Defender o desporto é, a esta luz, procurar viver à altura do mito desportivo, aproximar-se da concretização dos sentidos, axiomas, fins e ideais que ele aponta. Mesmo sabendo quão difícil é chegar lá. 4. A defesa do desporto exige, portanto, uma nova atitude perante ele. Necessitamos de renovar a maneira de o encarar; de voltar a despertar, nas crianças e jovens, o entusiasmo e a paixão por ele. Urge que o discurso oficial enfatize a substância que ele encerra, o quanto a excelência desportiva é essencial à formação de uma geração moldada pelo desejo de vencer, de transcender defeitos e fracassos, assumir esforços para atingir metas sobre-humanas e evitar o inumano, de não se acomodar a um passado e destino de perdedores crónicos. Não, não chega participar, é imperioso ousar triunfar e não se resignar, mesmo que a derrota bata sucessivas vezes à nossa porta. Em suma, há que retomar o projecto de um país desportivo, por fora e por dentro, no corpo e na alma, nos sonhos e ambições, nos princípios e convenções. Mobilizar para o desporto é acordar e envolver o país com uma causa social e cultural.