Resumo

Sobre o desporto pode ser lançada uma enorme pluralidade de olhares, sem que o panorama se esgote, porquanto eles acrescentam aspectos à espera de serem revelados e pensados. De resto as Ciências do Desporto configuram a diversidade e complementaridade de olhares (pedagógicos, biológicos, biomecânicos, filosóficos, éticos, sociológicos, antropológicos, jurídicos, económicos etc.) que o fenómeno desportivo requer e suscita, visando a sua cabal compreensão; a cada uma das suas disciplinas cumpre assumir a incumbência de projectar sobre ele um olhar agudo e específico e constantemente renovado. Todas têm o desporto como objecto comum, mas cada uma recria-o, enriquece-o, transforma-o e descobre-lhe novas e distintas facetas através do olhar iluminado pelos conceitos, métodos, perspectivas e conhecimentos que perfazem o seu instrumentário. Obviamente este olhar não tem descanso, uma vez que o desporto está em constante mutação, determinada pelas incessantes transformações nos problemas, nas necessidades e valorações decorrentes no contexto que o inclui, transcende e justifica. É assim que surgem novos domínios de reflexão, de abordagem e investigação, correspondendo à emergência de novos focos e interesses geradores de intrumentalização e mobilização sociais. Este número da RPCD dá conta de um tipo de olhares científicos sobre o desporto, ao incluir as principais intervenções no 1º. Congresso Internacional de Jogos Desportivos, organizado pela Faculdade de Desporto da Universidade do Porto. Elas testemunham o crescimento de uma nova área e corporizam, também dentro dela, uma diversidade de olhares sobre a performance desportiva, enfatizando os seus diferentes estádios e contextos e demarcando as tarefas nos campos do ensino, do treino e da investigação. O congresso em causa e o tema nele versado merecem ser realçados, aqui e agora, não por último porque constituem uma oportunidade de eleição para chamar a atenção para as tentações e derivas higienistas e afins que enxameiam cada vez mais as designações e orientações da formação e investigação nas instituições universitárias no âmbito do desporto e da educação física. Com manifesto prejuízo, abandono e até menosprezo para aquilo que constitui o património e cerne desta área. Como se sabe, o desporto – tomado em sentido lato - vive uma fase de afirmação e expansão para novos e mais largos territórios; as suas potencialidades estão a ser descobertas e a ser colocadas ao serviço de muitas finalidades e externalidades relevantes em domínios adjacentes (p. ex., saúde e inclusão social). Obviamente isto deve ser saudado, deve ser agarrado e acrescentado ao objecto original e essencial. Todavia este alargamento não pode levar a esquecer e pôr de lado a matriz intrínseca e a panóplia de dimensões do desporto, aquilo que o perfaz e encerra muito para estudar e investigar. Por outras palavras, a crescente valorização do desporto, quer como prática polissémica e multiforme, quer como área do conhecimento, não deve ser fonte de equívocos, próprios de pseudo-intelectuais apostados e apressados em libertar-se daquilo que é sólido e tem o lastro dos anos e em substituí-lo por invenções exotéricas e por modismos fosforescentes mas superficiais, inócuos e passageiros. Importa portanto reflectir, clarificar a situação e estabelecer o necessário equilíbrio entre a tradição e a novidade. Nesta conformidade queremos reafirmar que a performance desportiva – e tudo quanto a ela está associado - continua e há-de continuar a ser um pilar central desta área de estudos, tenha ela a designação de Ciências do Desporto ou outra mais conforme ao espírito inventivo e criativo dos seus autores. Quem deitar isso fora, quem deixar de lançar olhares para as diversas e inesgotáveis componentes, valências e sentidos do desporto – ainda e sempre carecidos de um tratamento científico pautado por rigor e profundidade - arrisca-se a ficar com uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma. Atira-se para os braços de áreas sedentas de recuperar colonizações antigas e fica sem a identidade e especificidade que justifica a sua existência. Face a esta regressão e perda não haverá higienismo ou activismo que nos garanta a autonomia e reconheça a validade e legitimidade da carta de alforria tão arduamente conquistada. Ademais às formulações pretensamente inovadoras e humanistas, que se consomem, embebedam e extasiam a alistar as actividades corporais no serviço de metas grandiloquentes, envernizadas com palavras sem correspondência nos actos e desvalorizando a performance e o rendimento desportivos, queremos opor as advertências sempre vivas e actuais do velho Aristóteles (384-322 a.C.): “Na realidade, são as nossas actividades conformes à excelência que nos levam à felicidade; as actividades contrárias levam-nos à situação oposta”. E mais ainda: “No que diz respeito à excelência não é suficiente conhecê-la; é necessário possuí-la e usá-la”. Ora, se o desporto e a educação física, seja na escola, seja no clube, seja noutros locais e instâncias, não respeitarem a sua função performativa e não visarem a excelência possível a cada um de nós, então para pouco ou nada servirão. E o mesmo juízo se aplica à formação e investigação nesta área.