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CDD. 18.ed. 613.707  
 

  EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR: CONSIDERAÇÕES SOBRE A FORMAÇÃO PROFISSIONAL DO PROFESSOR E O CONTEÚDO DO COMPONENTE

CURRICULAR NO 2o. GRAU    

Rita de Cássia Garcia VERENGUER*

 

"... Ensinar é fazer com que o outro
aprenda. É motivá-lo para que tome
a si realizar algo que é possível,
mas que exige esforço. É conduzí-lo
a um grau crescente de autonomia,
de capacidade de enfrentar novos
problemas e novas dificuldades..."
(C.M.Castro, 1994)

    RESUMO

 

Este ensaio discute a importância de se repensar a formação do professor de Educação Física e a caracterização do componente curricular no 2o. grau. Através de uma reorganização dos cursos de Licenciatura seria possível que os temas das disciplinas de conteúdos e os das disciplinas pedagógicas fossem acomodados em disciplinas integradoras. Apresenta, ainda, considerações sobre a responsabilidade dos docentes dos cursos de Licenciatura na produção de conhecimento sobre a ensino da Educação Física e, finalmente, advoga sobre a importância de se valorizar o domínio cognitivo dos alunos na aprendizagem relativa ao movimento humano para a ampliação do repertório cultural dos mesmos.

UNITERMOS: Educação fisica no 2o.grau; Preparação profissional do professor.

INTRODUÇÃO

Embora apresentar considerações sobre a formação profissional do professor de Educação Física e discutir o conteúdo desta disciplina curricular não seja uma iniciativa inédita, ela é significativa na exata medida em que evidencia a importância do tema, traz reflexões sobre o mesmo e amplia o universo da discussão. Neste sentido, este texto centrará foco sobre a Licenciatura de modo geral e, mais especificamente, sobre a Licenciatura em Educação Física, para em seguida analisar o conteúdo da Educação Física no 2o. grau. É importante registrar que as teses defendidas aqui pressupõem: (1) que a Educação Física escolar, embora legalmente considerada atividade, tem um conhecimento específico (conteúdo) que deve ser transmitido ao aluno e (2) a necessidade da reorganização dos cursos de Licenciatura em Educação Física.

PREPARAÇÃO PROFISSIONAL DO PROFESSOR

Sabe-se que nas últimas décadas a profissão professor perdeu, e muito, o prestígio social que possuía. Fruto de uma política pouco positiva frente às questões educacionais associada às baixas remunerações, vê-se o desestímulo dos graduandos em seguir a carreira do magistério. Este quadro se agrava quando se observa que os cursos de Licenciatura estão organizados muito mais para atender a legislação e menos às necessidades de uma ótima formação. Isto porque, os referidos cursos se caracterizam por um conjunto de disciplinas pedagógicas desarticuladas das disciplinas de conteúdo e que, via de regra, são apenas as Faculdades de Educação as responsáveis pela instrumentalização do professor. O papel secundário atribuído pelos Institutos de conteúdo específico à formação do professor é criticado por Carvalho & Vianna (1988) que atribuem a estes Institutos uma parcela da responsabilidade. Para as autoras,

(...) As disciplinas do curso de licenciatura (conteúdos específicos e pedagógicos), não podem ser simplesmente agregadas. Há uma interface entre os dois grupos de disciplinas, onde acontece a profissionalização do licenciado. Existe um momento, no curso de licenciatura, em que deve ocorrer a discussão comum sobre o conteúdo a ser transmitido, enfocando-o com vistas à realidade dos alunos. Isto só poderá ocorrer a partir da formação básica em conteúdos específicos e pedagógicos através das disciplinas integradoras (...) (p.146).

Em outras palavras, a formação do licenciado dá-se não só como o resultado da soma das disciplinas de conteúdo e (cinco ou seis) disciplinas pedagógicas, mas através da acomodação dos conteúdos específicos e pedagógicos em disciplinas capazes de transformar e selecionar os conteúdos mais adequados ao contexto escolar. Ainda sobre a estrutura dos cursos de Licenciatura, disciplinas de conteúdo mais cinco ou seis disciplinas pedagógicas, pode-se afirmar que esta propicia reconhecer a Licenciatura como uma segunda opção, ou seja, este curso atrai aqueles que o veêm não como uma profissão a se dedicar mas como uma alternativa para se proteger de eventuais oscilações do mercado de trabalho (Verenguer, 1994). Se toda esta discussão for transportada para o cotidiano dos cursos de Licenciatura em Educação Física, a correspondência dar-se-á instantaneamente: existe um hiato entre as disciplinas de conteúdo oferecidas pelas Faculdades de Educação Física e as disciplinas pedagógicas oferecidas pelas Faculdades de Educação. Quantitativamente, Gallardo (1988) quando analisa a preparação profissional em Educação Física e sua relação com a Educação Física escolar observa que as disciplinas de orientação para a Licenciatura correspondem à 16,57% do currículo e o restante corresponde à orientação para atividades (51,64%) e orientação acadêmica (31,79%). Além da má distribuição das disciplinas que compõe a Licenciatura, Matos (1986) avalia a contribuição das disciplinas pedagógicas na capacitação do professor de Educação Física e revela que o licenciando só se dá conta da sua função enquanto professor apenas quando está cursando as disciplinas pedagógicas pois

(...) atribui-se às disciplinas pedagógicas a exclusividade da responsabilidade de "ensinar a ensinar", e as disciplinas de conteúdo específico visarem mais a ensinar os alunos do curso de Educação Física a praticar as diversas modalidades esportivas do que ensiná-los a ensinar, a exercer sua função educativa (...). Ou seja, as disciplinas de conteúdo específico se encontram mais voltadas para as performances físicas e técnicas dos alunos do referido curso (...) (p.32)

Pode-se afirmar que o curso de Licenciatura em Educação Física, como se encontra estruturado, não passa de um pseudo curso de Bacharelado, ou seja, ele não é nem um curso de Bacharelado em Educação Física na perspectiva das discussões atuais da área e tão pouco se caracteriza como um curso responsável pela formação de profissionais que irão atuar no ensino formal. Para se definir um curso de Licenciatura é preciso ter como objeto principal o universo escolar e, no caso da Educação Física, como e porque a atividade motora se insere neste universo. É importante observar as considerações de Betti (1992) para essa questão:

(...) as licenciaturas em Educação Física têm fracassado, fundamentalmente, porque seu foco prioritário de estudo não está na pré-escola e nas escolas de 1o. e 2o. graus, e na utilização das atividades físicas dentro delas, mas em outra parte qualquer onde o aluno possa futuramente encontrar emprego ( ...) (p.249-50).

As críticas feitas aos cursos de Licenciatura em Educação Física fazem parte de toda uma reestruturação acadêmica da área e não poderia ser diferente: pensar sobre Educação Física, também é pensar sobre Educação Física escolar. Neste sentido, é desalentador observar que as questões pertinentes à Educação Física escolar possuem um espaço tímido na produção de conhecimento, principalmente quando a questão se refere à problemática ensino da Educação Física. Isto é constatado tanto pelo número de trabalhos publicados como também pela observação de que, embora o conhecimento em Educação Física tenha avançado nos últimos 20 anos, isto não significou uma melhora na atuação profissional do licenciado, pois evidencia-se que a maioria dos recém-formados repetem as mesmas rotinas que seus colegas-professores formados há 15 anos. É preciso avaliar quanto do conhecimento desenvolvido através da pesquisa está sendo transferido e auxiliando os conteúdos das disciplinas que compõem a Licenciatura em Educação Física e quanto deste conhecimento exerce influência na atuação profissional. Em síntese, a reorganização da Licenciatura em Educação Física deve prever disciplinas capazes de reler os conteúdos específicos de forma a contribuir para a formação do professor. Para que isto se concretize é imperioso que os programas de pós-graduação se sensibilizem da importância de se desenvolver trabalhos sobre as questões relativas à Licenciatura.    

O CONTEÚDO DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO 2o. GRAU

Talvez o maior exemplo da descaracterização da Educação Física enquanto disciplina curricular reside no fato de que não é possível identificar qual a sua especificidade; ao que, de fato, corresponde a função e os objetivos da Educação Física na escola. Almeida (1993) ao analisar a percepção dos professores de 1a. à 4a. série do 1o. grau quanto aos objetivos e conteúdos da Educação Física afirma que

(...) aparecem situações que apontam para a dificuldade dos professores em explicar claramente os objetivos e conteúdos da Educação Física escolar. Em geral, os objetivos propostos para a Educação Física parecem estar, de certa forma, desarticulados com a sua especificidade, pois, se apresentam vinculados ora à saúde, ora à socialização, ora à criatividade, ora à competição, ora ao lazer, ora ao senso crítico, ora à cidadania e outros (...) (p.3).

Mesmo que as considerações acima estejam vinculadas às séries iniciais da escolarização, com toda certeza poderiam ser ampliadas para as demais séries. Nota-se que a Educação Física no âmbito escolar não caracterizou o conjunto de informações que só ela detém e que o aluno, de posse destas informações, poderia usufruir de maneira consciente as atividades motoras. Como proposta para o delineamento do conteúdo da Educação Física no 2o. grau parte-se do pressuposto que seja necessário valorizar o domínio cognitivo, ou seja, que o aluno secundarista precisa dominar os conhecimentos relativos ao movimento humano ampliando, assim, seu repertório cultural. Se é verdade que ser educado é ser autônomo, o conhecimento adquirido nas aulas de Educação Física deve contribuir para que o aluno possa pensar sobre suas possibilidades motoras e sobre as influências que recebe da sociedade. Sem isto, esta disciplina não tem como justificar sua presença no processo de ensino formal.

São Paulo (1992) cônscio do valor e da responsabilidade da Educação Física escolar afirma que ela

(...) como Disciplina, implica na promoção da reflexão através do conhecimento sistematizado: há um corpo de conhecimento, um conjunto de práticas corporais e uma série de conceitos desenvolvidos pela Educação Física que devem ser assegurados. No segundo grau, trata-se de aproveitar a capacidade de operar formalmente - prerrogativa da maioria dos alunos da faixa etária pertinente a esse curso - promovendo discussões sobre as manifestações dessas práticas corporais como reflexos da sociedade em que se vive, pensando criticamente seus valores, o que levará os alunos a compreender as possibilidades e necessidades de transformar ou não esses valores (...) (p.16).

Sabendo que a adolescência é o período em que se enraiza no jovem hábitos que o acompanharão ao longo da vida, este é o momento propício para a compreensão do universo no qual está inserida a atividade motora. Assim, tanto Barros (1992) quanto Verenguer (1993) apresentam pontos convergentes quando tratam de delinear o conteúdo da Educação Física no 2o. grau: os aspectos anátomo-fisiológicos e sócio-culturais relativos ao movimento humano devem ser objeto de compreensão dos alunos. Tendo como convicção que a Educação Física no âmbito escolar precisa socializar conhecimento, De Santo (1993) se interroga sobre o que se ensina nesta disciplina e atribui a ela um papel importante no aprendizado dos conteúdos que lhe são próprios durante todos os anos de escolarização (FIGURA 1).

FIGURA 1 - Proposta para o desenvolvimento da Educação Física escolar (Adaptado de De Santo, 1993).

Nesta figura é possível notar que a ênfase do aprendizado sofre alteração em função do tempo de escolarização. O deslocamento das curvas mostra que no 2o. grau é importante valorizar a aprendizagem sobre o movimento (conceitos e informações) e para o movimento (atitudes e comportamentos). Como consequência desta idéia pode-se esperar que a Educação Física escolar cumpra o seu papel, ou seja, garantir ao aluno a aquisição de conhecimentos próprios para que, com autonomia, possa desfrutar da relação movimento humano/meio ambiente. Para exemplificar a possibilidade das idéias expostas, têm-se: no plano macroscópio da análise do fenômeno movimento humano, a Educação Física no 2o. grau deveria contemplar no seu conteúdo discussões sobre a atividade motora e seus esteriótipos, os estigmas corporais, a produção simbólica do corpo, a dualidade corpo/mente, a imposição da técnica do movimento etc, de forma tal que garantisse ao aluno julgar e escolher quais as práticas motoras que melhor se adaptam às suas necessidades e anseios e que estas possam lhe servir durante sua vida adulta. A operacionalização deste conteúdo (e de outros) por parte do professor seria objeto de pesquisa dos docentes dos cursos de Licenciatura em Educação Física e das respectivas disciplinas integradoras.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A instituição escola é um lugar privilegiado para a aquisição, reflexão e transmissão do conhecimento produzido pela sociedade. A Educação Física escolar não pode estar alheia, pelo contrário, precisa assumir seu papel no processo formal de ensino. Com base nisto, propõe-se que a Educação Física no 2o. grau valorize conteúdos que propiciem aos alunos pensar suas possibilidades motoras e a influência que recebem do contexto social, ampliando seu repertório cultural sem deixar de lado, naturalmente, experiências motoras que propiciem sua melhora e/ou refinamento. O desafio para os docentes/pesquisadores dos cursos de Licenciatura é desenvolver conhecimentos que instrumentalizem os licenciandos e, mais, produzir material que possam servir para as discussões nas aulas regulares de Educação Física na escola.

ABSTRACT

SCHOOL PHYSICAL EDUCATION: CONSIDERATIONS ON THE PROFESSIONAL PREPARATION OF TEACHER AND THE CONTENTS OF CURRICULAR COMPONENT IN THE HIGH SCHOOL  

This essay discusses the importance of rethinking the teacher preparation in Physical Education and the characteristics of the curricular component in High School. By reorganizing the courses for the licenced degree, it would be possible that the topics of the disciplines of Physical Education itself and the pedagogical ones could be accommodated in integrated disciplines. In addition, this essay presents considerations on the responsibility of lecturers of courses for the licenced degree in the production of knowledge on teaching Physical Education. Finally, the importance of valuing the cognitive domain of the students in their apprenticeship related to the human movement for the enlargement of their cultural repertoire is advocated.

UNITERMS: Physical Education in High School; Professional preparation of teacher.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, O.D. Educação física de 1a. à 4a. série do 1o. grau: objetivos e conteúdos na percepção dos professores pesquisadores e dos atuantes. São Paulo, 1993. 109p. Dissertação (Mestrado) - Escola de Educação Física, Universidade de São Paulo.

BARROS, J.M.C. Educação física no ensino de 1o. e 2o. graus: um estudo dos conteúdos e natureza dos programas. Kinesis, n.9, p.97-110, 1992.

BETTI, M. Perspectivas na formação profissional. In: MOREIRA, W.W., org. Educação física & esportes: perspectivas para o século XXI. Campinas, Papirus, 1992. p.239-54.

CARVALHO, A.M.P.: VIANNA, D. M. A quem cabe a licenciatura. Ciência e Cultura, v.40, n.2, p.143-7, 1988.

DE SANTO, D.L. Tendências e perspectiva para a educação física escolar. In: SEMANA DA EDUCAÇÃO FÍSICA, 1., São Paulo, 1993. Anais. São Paulo, Universidade São Judas Tadeu, 1993. p.39-45.

GALLARDO, J.S.P. Preparação profissional em educação física: um estudo dos currículos das escolas de educação física do Estado de São Paulo e sua relação com a educação física na pré-escola e 4 primeiras séries do ensino de 1o grau. São Paulo, 1988. 146p. Dissertação (Mestrado) - Escola de Educação Física, Universidade de São Paulo.

MATOS, M.C. A contribuição das disciplinas pedagógicas na capacitação do professor de educação física segundo a percepção dos alunos e egressos. Rio de Janeiro, 1986. 83p. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

SÃO PAULO (Estado) Secretaria da Educação. Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas. Proposta Curricular para o ensino de educação física: 2o grau: versão preliminar. São Paulo, SE/CENP, 1992. 53p.

VERENGUER, R.C.G. Algumas reflexões acerca da educação física escolar". Ciência e Movimento, v.7, n.3, 1993. /no prelo/.

_____. Formação de professores: responsabilidade universitária. Revista Metropolitana de Ciências do Movimento Humano, v.1, n.2, p.31-3, 1994

Nota: versão ampliada do texto apresentado à disciplina Corporeidade, Escola e Sociedade do programa de Mestrado da FEF-UNICAMP (jul.94).

 

 

Recebido para publicação em: 22 nov. 1994
Revisado em: 01 dez. 1994
Aceito em: 30 mar. 1995

 

ENDEREÇO: Rita de Cássia Garcia Verenguer Rua Poetisa Colombina 558 05593-011 - São Paulo - SP - BRASIL  

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