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E o que me levou a Cuba?


 Neste ano de 2001 é comemorado o 40º aniversário da Campanha de Alfabetização - campanha que possibilitou tornar Cuba território livre do analfabetismo. Participar do congresso fez parte da curiosidade em conhecer um país que possui uma forma diferente de organização social, que evidencia valores com os quais compartilho: solidariedade, ética, justiça social, dentre outros. E, foi com grande vontade em trocar, debater idéias que enviei resumo da minha dissertação de Mestrado em Educação (UFF), a qual foi intitulada "Educação Física Escolar: para além de práticas estereotipadas" ("Educación Física Escolar: más allá de las práticas estereotipadas").

 Nela, estudo o atual projeto educacional da secretaria municipal de educação do Rio de Janeiro - a MultiEducação - relacionado-o com o paradigma em que hoje a Educação Física Escolar procura sustentação: a cultura corporal. Este trabalho fez parte do Simpósio de nº 8 - Ciências Pedagógicas e Investigação Educacional.


 Queria ouvir, ver, sentir um país em que, como diz o Eduardo Galeano, "(...) a condição humana não está condenada ao egoísmo e à obscena caça ao dinheiro (...)" (In Nós dizemos não - Renavan, 1992, p. 88).


 O que foi percebido / destacado do Congresso Pedagogia 2001?


 O evento contou com 6000 pessoas: 2000 cubanos e 4000 de 42 outros países. Na relação de autores de trabalhos, o Brasil era a 2ª maior delegação, logo após Cuba. Mas, o que leva 4000 pessoas a um pequeno país como Cuba? Um país economicamente bloqueado?

 O que leva professores e pesquisadores brasileiros a enviar 510 trabalhos para serem apresentados?


 O programa científico foi organizado através de oito simpósios e, fazendo parte de cada um, desenvolveram-se as seguintes atividades acadêmicas: Conferências Centrais - procuraram abordar as idéias essenciais, as quais seriam analisadas e aprofundadas nas demais modalidades; Conferências Temáticas; Mesas Redondas; Apresentações de trabalhos; Sessões de Pôsteres. Visita a um centro de interesse (centros de interesse para professores primários; para professores de nível médio; para professores universitários;

 Instituições científicas-culturais). Visitei a Faculdade de Educação Primária - centro integrante do Instituto Superior Pedagógico "Enrique José Varona" - responsável pela formação de professores para a educação infantil, para as séries iniciais do ensino fundamental e para a educação especial.


 Os simpósios foram assim organizados:


 1 - Humanismo e Formação de Valores: um imperativo para a educação.


 2 - Qualidade da Educação: realidades e aspirações.


 3 - Situação atual e perspectiva na formação e superação de docentes: metas do novo século.


 4 - Didática das ciências em um novo milênio.


 5 - História, Línguas, Arte: em defesa de nossa identidade.


 6 - Formação de Técnicos e Profissionais Competentes: um futuro desejável.


 7 - Sociedade, Família e Escola: educar para uma vida em comum.


 8 - Ciências Pedagógicas e Investigação Educacional.


 Durante minha permanência em Cuba visitei as seguintes instituições educacionais: IPLAC - Instituto Pedagógico Latino-americano e Caribenho: uma Universidade Pedagógica de Pós-graduação; Cidade Escolar Liberdade - um campus que congrega centros de educação infantil, escolas de ensino fundamental e médio, instituto superior de educação, além de áreas desportivas e culturais; Museu de Alfabetização - localizado na Cidade Escolar Libertar, contém o maior acervo sobre a campanha de alfabetização realizada em 1960; Escola primária "Irmanas Girals" - localizada no bairro de Vedado, possui turmas da educação infantil e do ensino fundamental.


 No Congresso, chamou-me atenção os trabalhos apresentados sobre José Martí - um poeta e professor que ajudou a organizar a guerra pela independência cubana, dos domínios da Espanha, e na qual veio a falecer em 1895, durante combate. Mas, o seu exemplo de vida pessoal e social, além da vasta produção de textos e artigos, dentre outras coisas, levaram-no a ser considerado um dos maiores intelectuais e líderes cubanos. Os trabalhos fizeram parte do Simpósio de nº 1- Humanismo e Formação de Valores: um imperativo para a educação.


 Também destaco a Conferência Central do Professor cubano Sérgio Valdés: Língua, Arte, Nação e Identidade (Simpósio de nº 5 - História, Línguas, Artes: em defesa de nossa identidade). Ele historicizou a constituição da língua cubana, enfatizando que a defesa pela identidade cultural começa pelo próprio idioma. Fazendo um paralelo com o Brasil, penso na incorporação de palavras estrangeiras - sobretudo a inglesa - em nosso cotidiano. O que isto nos traz como conseqüências?


 Foram expostos os princípios básicos da educação cubana: atendimento a todos e com igualdade (real e não formal); a estreita relação entre estudo e trabalho: auxiliando a concretizar a relação teoria/prática, escola/vida, ensino/produção; toda a sociedade na tarefa da educação do povo; a relação da escola com a diversidade; o enfoque sobre o gênero; atenção diferenciada para aqueles que necessitarem - como os portadores de necessidades educativas especiais; a gratuidade.


 Sobre a organização do sistema educacional: o ensino fundamental deles tem nove graus (séries), sendo que não há a classe de alfabetização (CA). O ano escolar vai de setembro a junho - em função do inverno/verão. A cada um bimestre aproximadamente de aulas o aluno tem uma semana de intervalo (pode ficar em casa ou na escola com atividade extracurricular). O ensino médio tem três anos e o superior de 4 a 6 anos - com vinculação estreita entre educação e trabalho.


 A educação física escolar faz parte de todo o processo educacional!


 Da programação do evento, destaco os trabalhos presentes e relacionados à Educação Física, os quais podem nos auxiliar a entender como esta área do conhecimento está se desenvolvendo em Cuba e nos demais país da América Latina:


 1º Simpósio: a formação de valores através do jogo e da criatividade;


 2º Simpósio: a) Mesa Redonda 4: Papel do jogo na Educação Infantil; b) trabalhos sobre os alunos com limitações físico-motoras;
3º Simpósio: Pôster: Modelos de superação e capacitação para os profissionais de Educação Física da UESPI (Brasil);


 4º Simpósio: a) Pôster: O estudo dos seres vivos em uma proposta lúdica; b) mesa sobre "Criatividade no ensino da ciência" (jogo/lúdico/criatividade);


 5º Simpósio: apesar de mencionar estética, dança e expressão corporal, pelos títulos dos trabalhos não se percebe a articulação com a Educação Física e sim com a dança, a arte-educação e a educação artística. Como a organização foi a responsável pela alocação dos trabalhos nos simpósios, como não é possível saber se algum trabalho poderia ter ficado neste grupo;


 6º Simpósio: Conferência temática 2: O desenvolvimento da pós-graduação para a cultura física (ministrada pela profª titular do Instituto Superior de Cultura Física. A 2 escola latino-americana de Cuba é nesta área - a 1ª é Medicina. Em seguida, a mesa foi sobre trabalhos de pós-graduação na área;


 7º Simpósio: Conferência temática 1: Educação e saúde, pilares para o desenvolvimento da infância, adolescência e juventude. A discussão que os cubanos fazem sobre atividade física e saúde talvez nos auxilie a reelaborar esta questão (como o CBCE propõe): enfatizam a saúde coletiva e, como política de Estado. Após: "Enfoque pedagógico da saúde escolar" e "Contribuição à saúde escolar".


 Conferência temática 4: O esporte na educação diante do novo milênio. Após, os trabalhos abordaram: "O aperfeiçoamento da Educação Física"; "O desporte e a educação" e "Educação Física e superação".


 Mesa redonda 5: A Educação Física e sua relação com o desporto de alto rendimento. Trabalhos apresentados logo após: "O ensino de xadrez"; "Os meios de ensino em Educação Física" e "Programas e metodologias para o ensino da Educação Física".


 Discussões mais abordadas: criatividade (muito em função das dificuldades econômicas); relação dos exercícios físicos com a saúde e qualidade de vida (meta de toda a sociedade); associação com o trabalho (objetivo de todo o processo educacional).
8º Simpósio: Um trabalho (meu) no grupo sobre Currículo e Escola e; outro intitulado O olhar corporal na psicopedagogia.


 Por este levantamento, percebemos que: dos oito simpósios, seis tiveram 1 ou 2 trabalhos diretamente relacionados com a área, o de nº 5 (História, Línguas, Arte: em defesa de nossa identidade) não explicitou se havia algum e, o de nº 7 (Sociedade, Família e Escola: educar para uma vida em comum) foi o que agrupou o maior nº de trabalhos.


 Para encerrar, considero que os destaques até então realizados ganham maior significado na medida em que os contextualizamos. Um contexto que necessita cuidado em sua possível interpretação, em função de possuir uma especificidade diferente da nossa e que não nos cabe classificar em melhor ou pior do que o Brasil. Conhecer uma outra realidade requer muita abertura, mesmo porque não acredito que tenhamos a função de juízes. E foi marcada pelo olhar de quem quer descobrir, compreender a lógica do outro que alinhavei minhas observações.


 Cuba vive um embargo econômico desde a sua revolução (1959) e que, após a queda da URSS (90/91) vive o chamado "período especial em tempos de paz": no qual tudo é racionado, acreditando, como disse Martí: "La pobreza pasa, lo que no pasa es la deshora" e, garantindo a todos as condições mínimas para a sua existência: comida, moradia, educação e saúde.


 Para a garantia da sobrevivência e da melhoria da economia, estão fomentando o turismo. Sabemos que o turismo traz dinheiro, mas também traz outros valores. Penso no turista europeu que conhece quase todo o mundo e que vai a Cuba como um local exótico, muitas das vezes procurando apenas o turismo sexual. Em uma feira de artesanato, por exemplo, presenciei um turista europeu querendo trocar uma peça em madeira por chiclete - proposta que a cubana muito seriamente recusou.


 Penso em muitos turistas da chamada classe média que ficam desapontados por não encontrar lá o conforto com o qual está acostumado. Mas também os convido a pensar, em um exercício da imaginação: como veria a realidade cubana e quais as histórias que lá contaria um agricultor do interior da Bahia, que ainda recebe ordens do "coronel"? Ou um retirante do interior do ceará que fugiu da seca e anda, perdido, sem abrigo, pelas ruas de uma grande cidade como São Paulo, por exemplo? Ou, ainda, um operário de construção que mora na baixada fluminense, trabalha em uma obra no Leblon, almoça uma "bóia fria" e comumente trabalha mais de 8h por dia?

 Paremos apenas nestes personagens / retratos de uma realidade que nós também não conhecemos em sua intereza. Imaginemos o que achariam de Cuba. Imaginemos o que pensariam os cubanos sobre as histórias lá contadas...


 Obs. A autora, profa Rosa Malena de Araújo Carvalho pertence ao Instituto Superior de Educação do R J (ISERJ) da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro.