Educação Física escolar: "Muito mais que uma bala ao final da aula"
Por Fabio de Faria Peres (Autor).
Em IV EnFEFE - Encontro Fluminense de Educação Física Escolar
Integra
Na tentativa de estabelecer um método de compreensão dos fenômenos do comportamento humano, surge, dentro de um concepção naturalista e positivista de ciência, a psicologia experimental.
Deste modo, a partir de uma perspectiva de ciência como sinônimo, exclusivamente, de método experimental e sua conseqüente observação dos fatos e da "matematização" destes, dá-se início a um novo movimento estadunidense de psicologia - denominado behaviorismo - que tem como finalidade a predição e o controle do comportamento.
Vários pensadores participaram deste movimento. Entretanto, alguns com a sua própria abordagem, dentre eles B. F. Watson (1878-1958) reconhecido como o primeiro psicólogo behaviorista, E. B. Holt (1873-1946), A. P. Weiss (1879-1931), E. C. Tolman (1886-1959), C. L. Hull (1884-1952) entre outros.
Todavia, aquele que propiciou maior influência, seja na psicologia ou na pedagogia, foi B. F. Skinner (1904-1990), tendo tal importância que suas teorias são até hoje amplamente utilizadas em vários campos do conhecimento. Por conseguinte, empregadas, citando Fadiman e Frager (1986), "em hospitais para doentes mentais, centros de detenção juvenil, centros de saúde, clínicas particulares e um número crescente de sistemas escolares", além disso, na educação familiar, em empresas e no tratamento de várias dependências.
O behaviorismo skinneriano se baseia na teoria de aprendizagem pelo condicionamento respondente (pavloviano ou clássico), onde há uma associação entre um estímulo incondicionado, que provoca uma resposta inata (fisiológica), e um estímulo neutro, que a princípio não tem nenhuma relação com a resposta inata. A partir desta associação, o estímulo neutro passa a provocar a mesma resposta inata que o estímulo incondicionado, só que sem a necessidade da presença deste. Assim, o estímulo neutro e a resposta inata passam a ser condicionados. Portanto, o ponto característico do reflexo condicionado é o estabelecimento das relações causais entre estímulos anteriormente neutros e respostas anteriormente inatas.
No entanto, Skinner desenvolveu um condicionamento mais complexo que o respondente, denominado-o condicionamento operante (skinneriano).
Diferentemente do condicionamento respondente, onde a resposta é provocada por um estímulo conhecido, no condicionamento operante, não há conhecimento do estímulo original causador da resposta. Deste modo, é necessário que o organismo atue primeiro no ambiente sem um estímulo aparente para produzir a resposta, assim, a formação da associação somente passa a ser realizada depois da resposta ser emitida, consequentemente, reforçando-a. Assim, "o comportamento operante é fortalecido ou enfraquecido pelos eventos que seguem a resposta. (...), é controlado por suas conseqüências" (Reese in Fadiman & Frager, 1986; p.194).
Ademais, ao pretender "tornar" a psicologia em ciência, sob a perspectiva positivista, Skinner, da mesma forma que outros behavioristas, deprecia completamente a existência da introspecção, da subjetividade, da liberdade, das emoções e, até mesmo, da consciência, assim, "o único objeto digno de estudo é o comportamento, em toda a sua exterioridade" (Aranha e Martins 1986, p.190).
Behaviorismo e a educação física escolar
Tendo em vista, a forte influência da cultura estadunidense sobre o Brasil, tal teoria behaviorista foi, mesmo que não intencionalmente, sendo adotada, não só no processo de ensino-aprendizagem brasileiro, mas também nas relações pessoais em geral.
Após esta breve reflexão acerca do que seja o behaviorismo skinneriano, iremos apontar como os professores de Educação Física freqüentemente acabam por valerem-se de seus métodos, mesmo que muitas vezes não tenham ciência disto.
Em relação à analise científica do comportamento, Skinner defendia o "isolamento das partes simples de um evento complexo de modo que esta parte possa ser melhor compreendida" (Fadiman & Frager, 1986, p. 193). Traçando um paralelo com a Educação Física Escolar, isto ocorre constantemente, sobretudo no ensino dos desportos, onde parte-se dos fundamentos (mais simples) para que se chegue aos aspectos táticos (mais complexos), por exemplo. Portanto, sendo análogo ao método de ensino em educação física escolar descrito como Parcial (Oliveira, 1985).
Considerando a finalidade de controlar o comportamento, o ponto em que a obra de Skinner mais se aproxima da Educação Física Escolar é o que se refere ao condicionamento e reforçamento.
O condicionamento operante e o reforçamento na Educação Física podem ser relacionados às premiações que nós, professores, oferecemos aos alunos, quando os mesmos executam aquilo que preestabelecemos, seja na vitória de uma partida ou na execução de um movimento da maneira correta. Outra maneira que nós professores usamos esta mesma estratégia é quando desejamos que os alunos atinjam uma determinada quantificação de resultados. Por exemplo, acertar dez arremessos na cesta de basquetebol. Assim, avisamos que aqueles que terminarem poderão ir beber água. Com isso, transferimos o objetivo da atividade para algo externo - beber água - e não no que verdadeiramente almejamos - as cestas. O que irá motivar o pedido, não será o jogo em si, mas sim, a possibilidade de poderem beber água ao fim do realizado.
O problema reside, em nossa opinião, quando o prêmio é usado com fim em si mesmo. A aula estaria ligada apenas à ele e não por ser uma atividade que venha a proporcionar outras possibilidades de desenvolvimento para o aluno. Além de ser uma maneira barganhista de controlarmos o comportamento dos alunos através de reforços.
Cratty (1984) consubstancia tal argumento quando menciona que algumas pesquisas demonstraram que crianças anteriormente motivadas intrinsecamente (estimulo pelo interesse na própria tarefa ou simplesmente ludicamente) ao serem constantemente recompensadas, estas poderiam modificar suas opiniões sobre si mesmas e da situação, tornando-se muito pouco motivadas intrinsecamente. Pois os prêmios fazem com que a criança perceba que ela não tem o controle da situação e passa a atribuir o êxito ou o fracasso à fatores externos a si mesma. Ademais, o uso desta lógica de recompensa externa perpetua as relações de exploração inerentes ao sistema econômico vigente, contribuindo de forma explícita para a manutenção da ideologia alienante do trabalho.
Todavia, conforme o próprio Skinner afirmou, o reforço pode ser em forma de um sorriso ou algum comentário que venha a reforçar a atitude do aluno (Schultz & Schultz, op. cit.; Fadiman e Frager, op. cit.).
Diante disso, nos surge três questões. Se somos nós, professores de Educação Física, que controlamos a criança a partir do método em questão, poderemos, então, estar revogando o lúdico?; Se o objetivo é a resposta esperada e o aluno souber que será recompensado no caso de atingi-la, será que o mesmo tentará todas as maneiras, inclusive as consideradas ilícitas, para a obtenção de tal recompensa? Se as aulas de Educação Física obedecerem este princípio mecanicista, ou seja, atingiram o comportamento esperado, então ganham o reforço, o que se poderá esperar de tais alunos no futuro?
Por fim, um outro aspecto que a obra de Skinner se encontra com a atuação diária do professor de Educação Física, é o Programa de Reforço de Razão Fixa. Desta maneira, "o reforço é apresentado, não depois de passado um certo número de tempo, mas depois de um número determinado de respostas" (Schultz & Schultz, op. cit., p.283). Percebemos em várias ocasiões na Educação Física, sobretudo naquelas provas onde há exigência de que o aluno, por exemplo, dê dez toques com a bola de voleibol na parede (uma das avaliações do teste de habilidade específica necessária para o ingresso nas faculdades de Educação Física durante um longo período da nossa história). Nesta situação se quantifica o número de respostas que o aluno deve obter, para que a partir disto possa lhe ser oferecido o reforço, neste caso, a nota para aprovação. Outro caso similar é o famoso teste de Cooper.
Conclusões
Não pretendemos com este artigo esgotar o assunto, pois entendemos que diante da grandiosidade do tema, faz-se necessário outras abordagens que venham a preencher as lacunas e questões levantadas para este trabalho.
Ao contrário de Skinner, defendemos a importância da subjetividade na avaliação e estudo do comportamento humano, já que o uso único da quantificação limita as possíveis interpretações.
No tocante à Educação Física Escolar, os princípios behavioristas -condicionamento operante e reforço - se fazem, em muito, presentes no cotidiano do professor de Educação Física Escolar, como apresentado ao longo desta dissertação.
Acreditamos que ao trabalharmos com tais princípios, poderemos estar incutindo no imaginário de nossos alunos, a produtivização de quaisquer ato em suas vidas, ou seja, sempre esperando receber algo em troca e também adiando o prazer para depois.
Obs. Os autores são acadêmicos em educação física - Universidade Federal do Rio de Janeiro
Referências bibliográficas
Aranha, M.L.A, Martins, M.H.P. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 1986.
Cratty, Bryant J. Psicologia no esporte. 2. ed. Rio de Janeiro: Prentice -Hall do Brasil, 1984.
Fadiman J., Frager, R. Teorias da personalidade. São Paulo: Harbra, 1986.
Olivier, G.G.F., Marcellino, Nelson C. A cultura do lúdico e a cultura da escola: encontros e divergências. Encontro de História do Esporte, Lazer e Educação Física: Maceió, 1997.
Oliveira, Vitor Marinho. Educação física humanista. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1985.
Peres, F.F. Cultura física popular (trabalho apresentado à disciplina Educação Física e Sociedade da Universidade Federal do Rio de Janeiro). Rio de Janeiro, 1999.
Schultz, Duane P., Schultz, Sydney Ellen. História da psicologia moderna. 9. ed. São Paulo: Cultrix, 1998.
Silva, M.R. O direito de sonhar das "crianças carentes de infância": trabalho ou lazer ? IX Encontro Nacional de Recreação e Lazer. Coletânea. Belo Horizonte: UFMG, 1997.