Resumo
A escola na contemporaneidade se vê despreparada diante da necessidade de lidar com as demandas de uma sociedade cada vez mais multicultural. As promessas Iluministas de que a racionalidade e o conhecimento levariam ao progresso e à emancipação humana não foram cumpridas. As crianças, principais depositárias destas esperanças, continuaram a ser tratadas na instituição escolar de forma idealizada sem que fossem consideradas suas características de classe, etnia, gênero. A centralidade da cultura e o contexto de luta por legitimação de diversos grupos sociais fazem do ambiente escolar um espaço profícuo ao conflito. O multiculturalismo crítico propõe que tais conflitos não sejam ignorados, e aponta para a urgência de políticas de identidade e de um novo currículo em que essas tensões sejam expostas à investigação e análise. A Educação Física, pautada na perspectiva cultural, vislumbra na problematização das manifestações da cultura corporal a possibilidade de cumprir este papel. A presente investigação, realizada em uma creche situada na cidade de São Paulo, com crianças de 2 a 3 anos de idade, analisou e interpretou uma experiência pedagógica de Educação Física pautada na perspectiva cultural. Para realização do trabalho de campo foram empregadas diversas ferramentas (entrevistas, observação participante, diário de campo, registros fotográficos), na intenção de compor uma bricolagem de métodos. Os materiais coletados, interpretados com o apoio dos referenciais dos Estudos Culturais, permitem inferir que as questões de identidade e as relações de poder povoam as práticas culturais da instituição. Disputas e demarcação identitárias são também motivo de conflito entre as crianças bem pequenas. Assim, ao abordar, problematizar e buscar as origens dessa luta por legitimidade a escola forma pessoas capazes do exercício de desconstrução e análise de discursos preconceituosos, logo, dispostas a relacionar-se com os diferentes. Nesse sentido, conclui-se que a Educação Física ancorada em uma perspectiva cultural pode contribuir para que o currículo de Educação Infantil potencialize as vozes das crianças, ampliando as oportunidades de estabelecer relações sociais mais democráticas.