Resumo

Resumo: Este estudo é fruto das inquietações surgidas enquanto docente das disciplinas Didática e Práticas de ensino com estágio supervisionado de Educação Física da Universidade Federal de Juiz de Fora, ao deparar-me com as formas dicotômicas de entendimento da relação teoria-prática, tanto dos alunos-estagiários como de alguns professores da rede pública municipal da referida cidade. Busca-se com este estudo, investigar os sentidos/significados produzidos pela Prática de Ensino de Educação Física com estágio supervisionado, disciplina curricular das licenciaturas, no cotidiano de 5 escolas públicas da rede municipal de ensino.

 

 

Integra

Estamos no final de um século, um curto século nos dizeres do historiador Hobsbawm - curto e bárbaro - onde assistimos o crescente aumento das injustiças sociais, presenciamos um desencadeamento de uma nova era: a da "exclusão sem culpa" (Frigotto, 1996), um desenvolver do individualismo e uma afirmação dos valores próprios da sociedade capitalista, como o sobrepujar e o princípio da racionalidade objetiva, como explicitou Bracht (1988) em sua análise sobre o jogo esportivo. Neste panorama nos deparamos com a Educação, especificamente com a Educação Física e seu fazer pedagógico que durante muito tempo se pautou no pressuposto de neutralidade, sem sentido ideológico. A partir de 1980 esta crença foi sendo desmistificada, entendendo-se o movimento não só por sua mecânica, e sim por sua intenção, pois "não se pode esquecer que o corpo humano não se move, age" (ibid,p.105). O fazer pedagógico reflete neste sentido, as contradições da sociedade, e a prática dos professores (prática de ensino) - participa deste processo.
A preocupação com a Prática de Ensino tem origem na década de 30, com a criação dos cursos superiores de Licenciatura. No Terceiro Grau, torna-se parte do currículo mínimo, sob a forma de Estágio Supervisionado. Desde então, a Prática de Ensino/Estágio Supervisionado nas Licenciaturas tem como objetivo o preparo do licenciando para o exercício do magistério em determinada área de ensino ou disciplina de 1o. ou 2o. graus (PICONEZ, 1991).
Atualmente encontra-se autores como Candau (1993), Frigotto (1996), Pimenta (1995), Piconez (1991), Veiga (1989) e (1993), Wachowicz (1991), e especificamente na Educação Física, Coletivo de Autores (1992), Faria Júnior (1982) e (1988), Taffarel (1995), Pires (1995), dentre outros, discutindo esta temática.
O desenvolvimento da Prática de Ensino começou a se estabelecer como "espaço único", proporcionando o encontro com a realidade escolar. Este entendimento de intermediar o contato elaborado com o real fez com que o Estágio Supervisionado assumisse o equivocado papel de único responsável capaz de garantir a "prática profissional", o momento de união entre teoria e prática. Percebe-se ainda perspectivas conservadoras que embasam as experiências nos estágios supervisionados, considerados como um simples (às vezes doloroso!) cumprimento de horas formais exigidas pela legislação.
Vislumbrando esta perspectiva, justificamos nossa intenção e interesse de estudo. Tem-nos sido possível constatar alguns aspectos importantes, como as dificuldades dos alunos em construir a unidade dialética entre teoria/prática e a falta de clareza a respeito do significado do Estágio Supervisionado, tanto para licenciandos como para professores da Escola.
Objetiva-se ao desenvolvimento de um projeto de pesquisa, juntamente com um grupo de alunos da FACED/UFJF e professores da rede municipal de ensino de Juiz de Fora, denominado "Prática de ensino e Educação Física: representações no Cotidiano da Escola Pública" Com ele busca-se ressignificar a atuação pedagógica do aluno-estagiário ao nível da escola, objetivando uma maior aproximação da realidade escolar e uma redefinição de sua função.
Pretendemos também que as ações de ensino desenvolvidas pelos alunos-estagiários na Escola constituam-se em dados a serem coletados/ sistematizados para uma pesquisa curricular que permita analisar e apontar os acertos e fragilidades do Curso de Graduação em Educação Física, quanto a sua missão institucional de formar licenciados para o ensino de 1o e 2o graus. Também contribui para a ampliação de alguns esforços primeiros já empreendidos pela Prática de Ensino da Educação Física/UFJF, na montagem de seminários sobre temas específicos da prática pedagógica, na preocupação em identificar problemas do cotidiano escolar que possam ser desvelados pelos alunos-estagiários, buscando um processo conjunto de resolução.
Assim, poderíamos situar nossos objetivos nas seguintes perspectivas:
- Investigar os sentidos/significados produzidos pela Prática de Ensino para os alunos desta disciplina - Prática de Ensino da Educação Física da UFJF - , no cotidiano da escola pública.
- Caracterizar as relações existentes entre Universidade e Escola Pública, através do contato proporcionado pela disciplina Prática de Ensino da Educação Física.
- Estabelecer os parâmetros de significação do estágio supervisionado pelos alunos-estagiários da Prática de Ensino da Educação Física.

SOBRE A FORMAÇÃO

O exercício profissional de professores no Brasil, desde suas origens, requer o cumprimento do estágio curricular . Nos Cursos de Licenciatura, o estágio curricular está diretamente vinculado a disciplina curricular Prática de Ensino, que desenvolve o Estágio Supervisionado .
Pimenta (1995) caracteriza o estágio curricular como sendo atividades que os alunos deverão realizar durante o seu Curso de Formação, junto ao futuro campo de trabalho . Assim costuma-se denominá-lo de "a parte mais prática" do curso, se contrapondo as demais disciplinas, historicamente consideradas como a "parte mais teórica" .
A relação entre teoria e prática tem sido alvo de atenção de inúmeros estudiosos de várias áreas do conhecimento, contendo os mais variados entendimentos e conclusões a respeito de sua forma de interação. Na Educação Física não acontece de forma diferenciada. Considerada como sendo uma ‘atividade’ eminentemente prática, a teoria que a fundamenta muitas das vezes é considerada como desvinculada de sua prática pedagógica, sendo recheada de expressões como "... na prática a teoria é outra", "...essas teorias de nada servem", ou "A teoria é uma coisa, a prática é outra.", dentre outras. Expressões como essas traduzem um modo de pensar o mundo, uma visão de mundo baseada na existência de uma divisão ‘natural’ entre o trabalho manual e o trabalho intelectual. Muitas vezes se proclama a teoria como superior a prática, sendo esta uma "mera aplicação ou degradação da teoria." (PIMENTA, 1995, p.92). Outras vezes a superioridade é da atividade prática, sendo considerada "(...) como a verdade em si mesma."( p.92)
Este processo de dissociação entre teoria e prática é percebido ainda mais evidentemente nos cursos de Licenciaturas, onde à Prática de Ensino, através do Estágio Supervisionado, é transferida a responsabilidade isolada de garantir a experiência prática necessária à qualificação profissional do aluno .
Esta tendência de entender a prática de Ensino como único espaço prático do cursos de Licenciatura, vem sendo transformada, e alguns estudos desenvolvidos analisam esta realidade, denunciando as precariedades e dificuldades encontradas no estágio, apontando para possibilidades de entendê-lo como um espaço que proporcione uma aproximação à prática, onde a unidade teoria/prática seja restaurada e desenvolvida . É baseado neste entendimento que percebe-se a necessidade de caracterizar os sentidos/significados produzidos pelos alunos-estagiários, acreditando ser possível viabilizar a perspectiva unidade entre teoria e prática, que oportunizem ao educador desenvolver uma "práxis criadora" .
O curso de Licenciatura em Educação Física da UFJF, através de um repensar - acerca do currículo proposto e da conseqüente formação profissional - pela comunidade docente-discente, sofreu alterações. Dentre elas, destacamos o seu enfoque, quanto a formação do educador, que assumiu a formação generalista, priorizando sua ação no ensino formal. Esta decisão reflete o entendimento da Educação Física como prática educacional e portanto, social, evidenciando e privilegiando a formação de "professores" (Comissão de Avaliação Curricular-1991). Assim, acredita-se que a tentativa de aproximação no cotidiano da escola, ocupe um espaço maior no interesse dos alunos . Nesta etapa de formação, os alunos-estagiários trazem consigo inseguranças conseqüentes das dificuldades de adaptação à escola .
Dentre as contribuições proporcionadas pelas instituições públicas (Universidade/Escola), bem como por seus componentes, destaca-se o compromisso político de compreender a ação educativa não baseada no ato individual e neutro, e sim no fazer coletivo, carregado de significações, pois como nos alerta Bernard Charlot (1986): "De fato, a educação não tem apenas conseqüências políticas. É social e politicamente determinada" (p. 30). Concordamos com Gaudêncio Frigotto (1996), ao afirmar que não se pode discutir o tema da formação e qualificação do educador sem referência a trama das relações sociais e os embates nos planos estrutural e conjuntural da sociedade nesta última década do século XX, época de profunda contradição e injustiças sociais.

PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS

O tipo de pesquisa que pretendemos empreender será aqui caracterizada como sendo um estudo de abordagem qualitativa que destina-se "a intervir diretamente na realidade, a teorizar práticas, a produzir alternativas concretas, a comprometer-se com soluções" (DEMO, 1994, p.38). Para seu desenvolvimento, pretendemos trilhar o seguinte caminho:
- Contato com a Prefeitura Municipal de Juiz de Fora, através de sua Secretaria de Educação- Departamento de Educação Física Escolar- para viabilização do referido projeto;
- Escolha das escolas públicas municipais o desenvolvimento da pesquisa;
- Contato com essas escolas públicas, seus professores, para a divulgação da proposta de trabalho, pretendendo a contribuição para com o seu desenvolvimento.
- Contato dos alunos estagiários com a escola (coleta de dados sobre realidade e opiniões a respeito das relações percebidas entre Escola/Universidade). Nesta etapa serão realizadas entrevistas com professores da escola, para analisar as possibilidades de intervenção dos alunos estagiários, bem como o sentido/significado dado à relação ação-reflexão, prática-teoria-prática, no que se refere ao Estágio Supervisionado.
- Implementação de instâncias formais e informais de reflexão, no âmbito do Curso de Graduação em Educação Física/UFJF, para relato/ análise das informações coletadas, envolvendo os alunos estagiários e professores, com os seguintes temas norteadores: o entendimento que os alunos-estagiários possuem do estágio e a interpretação e discussão das informações coletadas.
- Análise e interpretação dos dados pretendendo a confecção de um artigo para a divulgação -socialização das considerações proferidas com o estudo., desenvolvidos a partir de reflexões coletivas, objetivando contribuir para as discussões sobre a relação teoria e prática, oportunizando um entendimento não-dicotômico entre elas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
*CHARLOT, Bernard. A mistificação pedagógica. 2ed. Rio de Janeiro, Guanabara, 1986.
*CANDAU, Vera Maria(org.). Rumo a uma nova didática.5 ed. Petrópolis, Vozes, 1993.
*COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do ensino de educação física. SP, Cortez, 1992.
*DEMO, Pedro. Pesquisa e construção do conhecimento: metodologia científica no caminho de Habermas. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1994.
*FARIA JUNIOR, A.G. et all. Prática de ensino em educação física: estágio supervisionado.RJ, Interamericana, 1982.
*FRIGOTTO, Gaudêncio. A formação e profissionalização do educador: novos desafios sócio-econômicos, ético-políticos e teórico-práticos. texto mimeo, 1996.
*OLIVEIRA, Vítor Marinho de. Consenso e conflito da educação física brasileira. Campinas, Papirus, 1994.
*PICONEZ, Stela C.B. (org.). A prática de ensino e o estágio supervisionado. Campinas, Papirus, 1991.
*PIMENTA, Selma G. O estágio na formação de professores: unidade teoria e prática? São Paulo, Cortez, 1995.
*VEIGA, Ilma P.A. A prática pedagógica do professor de didática.Campinas,Papirus, 1989.
--------. (coord.). Repensando a didática. Campinas, Papirus, 1993.
*WACHOWICZ, Lilian Anna. O método dialético na didática.2ed. Campinas,Papirus, 1991.