Educação Físisca no 3º ano do ensino médio: É possível?
Por Luiz Otávio Neves Mattos (Autor).
Em V EnFEFE - Encontro Fluminense de Educação Física Escolar
Integra
Ao iniciar um texto que se propõe a servir de base para a apresentação do meu trabalho no EnFEFE reproduzindo trechos da nova LDB e dos Parâmetros Curriculares do Ensino Médio pretendo, num primeiro momento, criar condições que favoreçam uma breve análise comparativa da enorme distância existente entre os documentos oficiais gestados em nosso sistema de ensino e o cotidiano das aulas de Educação Física em nossas escolas, com turmas do 3º ano do Ensino Médio.
Num segundo momento, partindo dessa mesma realidade contraditória e paradoxal, farei o relato de uma experiência que já vem sendo colocada em prática desde 1998, nas aulas de Educação Física de uma escola privada situada em um bairro da zona sul do Rio de Janeiro, especificamente com as turmas do 3º ano do Ensino Médio.
Nesse relato procuro extrair o que vem ocorrendo de positivo, ou não, na referida proposta, trazendo minha visão particular, levando em consideração o fato dela ser de minha autoria.
LDB, PCNs, escolas e professores: está faltando entrosamento nesse time
Não é de hoje que os conteúdos dos documentos oficiais, em especial, os vinculados à área da Educação têm um perfil burocratizado, ou melhor, se esmeram na tarefa de criar novidades pedagógicas e legais que não traduzem, na maioria das vezes, a realidade da formação dos(as) professores(as) que atuam nas salas de aula, quadras, campos, pátios e das próprias escolas (sejam elas privadas, confessionais, militares ou públicas) para as quais eles se dirigem.
Não tenho a intenção de ficar "patinando" numa discussão já superada, creio eu, de que primeiro seria mais importante capacitar os(as) professores(as) de Educação Física para depois elaborarmos programas que pudessem ser assimilados por eles(as) em suas práticas, ou vice-versa.
Na verdade acredito que esse processo se dá numa "rua de duas mãos", fazendo com que os espaços de formação (inicial e em serviço) e de capacitação desses(as) professores(as) esteja em permanente interação com o cotidiano deles(as) em seus locais de trabalho construindo, assim, condições favoráveis para que o produto dessa relação dialética se traduza em práticas que sejam representativas das diversas realidades culturais da sociedade brasileira.
PERRENOUD (1997)1 nos vem contemplando há alguns anos com estudos que mostram os equívocos resultantes do distanciamento do que se produz nos espaços de formação acadêmica dos(as) professores(as) e nos seus locais de trabalho.
Se não vejamos...
As escolas que possuem turmas de Ensino Médio, em especial, na cidade do Rio de Janeiro vivem, na maioria dos casos, as seguintes situações:
Situação n.º 1: Escolas privadas com bom desempenho nos concursos vestibulares, muitas vezes, retiram do currículo de seus(uas) alunos (as) do 3º ano as aulas de Educação Física sob o pretexto de que os conteúdos trabalhados por essa disciplina não farão parte das provas desses concursos, mesmo estando previsto em lei a sua obrigatoriedade;
Situação n.º 2: Escolas públicas sem infra-estrutura para atender os(as) alunos(as), ou os(as) dispensam das aulas de Educação Física, ou marcam essas aulas para o turno em que eles(as) não estudam, ou ainda, para o sábado, dificultando, sobremaneira, o acesso dos(as) estudantes a uma disciplina, a princípio, prevista em lei;
Situação n.º 3: Escolas públicas e privadas de qualidade questionável que, na maioria das vezes, não possuem aulas de Educação Física em todo o Ensino Médio, ou por falta de espaço adequado para a sua realização, ou por medida de economia, reduzindo seu quadro de professores.
Portanto, como nossos legisladores conseguem criar leis para serem cumpridas ou parâmetros para servirem de referência, estando, ainda, presentes em nossos sistemas de ensino essas realidades?
Importante lembrar que falo de uma cidade como o Rio de Janeiro, ou melhor, o município que possui a maior rede de escolas municipais do nosso país.
Por outro lado, não podemos deixar de apontar a existência do que eu chamaria aqui de uma "naturalização" dessa situação. Sendo mais claro, tenho percebido que os(as) alunos(as) ao chegarem ao Ensino Médio e, em especial, no 3º ano, apresentam um grau de desmotivação para, até, se for o caso, lutar pela existência das aulas de Educação Física no programa desse segmento escolar. As exceções vêm dos casos de estudantes que se interessam por práticas esportivas e que se sentem contemplados(as) se, por ventura, as escolas as oferecerem como atividades extra-classes, ou mesmo nas aulas de Educação Física que seguem o modelo esportivizado2 desde as séries iniciais do Ensino Fundamental.
Tudo bem, o que fazer então?
Sem a menor pretensão de apresentar uma resolução definitiva para esse quadro mas sim, de contribuir com uma idéia que tem dado resultados positivos há quatro anos, nessa escola privada da zona sul do Rio de Janeiro, na qual eu trabalho, passo agora a relatar a proposta, o que me levou a elaborá-la e os seus resultados.
Como tudo começou?
No ano de 1997, as Escola Bosque3 completava seu 2º grau (como era chamado o Ensino Médio na época), tendo sua primeira turma de 3º ano. Até então os(as) alunos(as) do 1º e 2º ano tinham duas aulas de Educação Física por semana, da mesma forma que as séries dos outros segmentos.
A escola criou um horário extenso de aulas fazendo com que diariamente seus estudantes entrassem às 7:30h e saíssem às 18:00h com o objetivo de, segundo a instituição, dár-lhes uma formação consistente visando a universidade e, conseqüentemente, um bom desempenho no vestibular.
Importante lembrar que no meio desse extenso horário não constava espaço para a disciplina Educação Física restando somente, então, os sábados e domingos do mês.
Estando certo de que colocar Educação Física em um desses dois dias significaria um sacrifício extremo para os(as) alunos(as) e, certamente, um esvaziamento das nossas aulas apresentei uma outra proposta à direção da instituição.
Afinal de contas que proposta era essa?
Procurei aliar três elementos na construção da proposta:
Lazer;
Locais pouco conhecidos pelos(as) alunos(as) na Cidade e no Estado do Rio de Janeiro e
Atividades físicas leves: caminhadas, passeios ciclísticos e corridas de orientação.
Propus à direção concentrar todas as aulas do mês em um sábado e nesse dia faríamos uma atividade planejada para durar das 7:30h às 15:00h, ou seja, um horário equivalente ao número de aulas que eles(as) teriam se as aulas fossem semanais.
Atividades como: Caminhada do Parque Laje ao Cristo Redentor; Caminhada até o Morro da Urca; Caminhada pelos Fortes de Niterói, Passeio Ciclístico do Arpoador ao Museu de Arte Contemporânea (Niterói) usando a barca para atravessarmos a Baía de Guanabara; Corrida de Orientação na Quinta da Boavista com visita ao Jardim Zoológico etc. foram todas estruturadas anteriormente contratando-se guias, ônibus e outros elementos necessários e dispostas em um calendário apresentado aos(às) alunos(as) no início do ano letivo.
A cada semana que antecedia à atividade, as turmas de 3º ano tinham um tempo de aula comigo em sala usado para que eu explicasse os detalhes específicos daquele evento e tirasse qualquer dúvida a respeito do local a ser visitado, das possíveis dificuldades etc.
Como vem andando o projeto?
Inicialmente planejado como atividade obrigatória, tive que no segundo ano de sua implantação modificar essa determinação da direção pois quando nos víamos diante da ausência de um(a) aluno(a) durante um sábado, não tínhamos sustentação para manter uma nota baixa já que, tradicionalmente, na Escola Bosque dificilmente um(a) estudante fica retido no último ano do Ensino Médio.
Portanto, a presença tornou-se facultativa o que eu via e continuo vendo como positivo, nesse caso, pois o fator de mobilização para um(a) aluno(a) estar na atividade era única e exclusivamente o prazer de estar junto com seu grupo de amigos, em um espaço agradável e, principalmente, fazendo coisas que muitos(as) deles(as) nunca haviam feito em suas vidas, com por exemplo: caminhar na Floresta da Tijuca, ou mesmo andar de barca pela Baía de Guanabara.
Reconheço que as condições exigidas, até mesmo as de segurança, para atividades dessa natureza muitas vezes se tornam possíveis por ser a Escola Bosque uma instituição que tem como clientela alunos(as) de classe média alta, ou melhor, atividades que exigem gastos financeiros. Entretanto, vejo possibilidades de criarmos condições de realizar um projeto, pelo menos semelhante a esse, mesmo em escolas públicas, ou em escolas privadas menores, procurando na própria escola e/ou comunidade pessoas e recursos que cobririam os gastos existentes para a realização desses eventos.
Notas:
1. Ver PERRENOUD, Philippe. Práticas pedagógicas, profissão docente e formação. Perspectivas sociológicas. Tradução: Helena Faria, Helena Tapada, Maria João Carvalho e Maria Nóvoa. Lisboa: D. Quixote, 1997, 207p.
2. Consultar em VAGO, Tarcísio Mauro. O "esporte na escola" e o "esporte da escola": da negação radical para uma relação de tensão permanente. In Revista Movimento, ano III, n.º 5. Porto Alegre: EEF/UFRGS, 1996.
3. Nome fictício da escola.
Obs.
O autor, Prof. Ms Luiz Otavio Neves Mattos, é professor da Escola Parque, Rio, R.J.
Notas bibliográficas
Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica Parâmetros curriculares nacionais: ensino médio, 1999.
Perrenoud, Philippe. Práticas pedagógicas, profissão docente e formação. Perspectivas sociológicas. Tradução: Helena Faria, Helena Tapada, Maria João Carvalho e Maria Nóvoa. Lisboa: D. Quixote, 1997.
Brasil. Miinistério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 1996.