Resumo
OBJETIVO: As respostas adaptativas ao estresse, em curto e longo prazos, podem influenciar o desempenho e saúde de pilotos da aviação militar. O objetivo deste estudo foi investigar o efeito da carga trabalho, em voos de transporte militar, sobre o desempenho cognitivo e modulação autonômica cardíaca de pilotos da Força Aérea Brasileira. MÉTODOS: A amostra foi composta por 15 pilotos de transporte militar em treinamento (25 ± 1 anos), com pelo menos 200h de voo acumuladas. Dois voos sucessivos com duração de 50-75 min foram realizados, sendo subdivididos para análise de acordo com a função desempenhada: piloto (P1) e copiloto (P2). A carga de trabalho percebida foi avaliada pelo inventário NASA-TLX. A capacidade cardiorrespiratória foi estimada pelo Teste de Montreal. Mediu-se o desempenho cognitivo antes e após os voos pelo Teste de ‘Stroop’ (palavra-cor). A modulação autonômica durante os voos foi avaliada por índices da variabilidade da frequência cardíaca (VFC): intervalos RR (RRi), potência total (PT), raiz quadrada da soma das diferenças sucessivas entre intervalos RR normais adjacentes (RMSSD), desvio padrão dos intervalos RR normais (SDNN), porcentagem dos intervalos RR adjacentes com diferença maior que 50ms (pNN50), componente espectral de baixa frequência (LF), componente espectral de alta frequência (HF), balanço simpatovagal (LF/HF), índice simpático (SNS) e índice parassimpático (SNS). RESULTADOS: Os pilotos tinham 222 ± 37 h de voo acumuladas e capacidade física homogênea (47,6 ± 3,9 ml.Kg-1.min-1). A carga de trabalho dos voos foi moderada (~5 pontos), sendo a contribuição da dimensão ‘exigência mental’ cinco vezes maior que ‘exigência física’. O desempenho cognitivo não sofreu influência dos voos. De forma geral, os voos provocaram aumento de cerca de 2 a 3 vezes na atividade simpática refletida por redução de RRi (P1: -194-195 ms; P2: -170-171 ms) e PT (P1: -1500-1501 ms2; P2: -407-408 ms2) e aumento da FC (P1: 22-23 bpm; P2: 18-20 bpm), LF (P1: 20-21 u.n.; P2: 19 u.n.), LF/HF (P1: 4-5; P2: 3-4) e SNS (P1: 2-3; P2: 1-2) (P < 0.002). Paralelamente, ocorreu diminuição na atividade vagal refletida por RMMSD (P1: -24-25 ms; P2: -17 ms), SDNN (P1: -18-19 ms; P2: -4-5 ms), pNN50 (P1: -19-20 %; P2: -15-20%), HF (P1: -20-21 u.n.; P2: -18-19 u.n.) e PNS (P1: -1-2; P2: -2-3) (P < 0.002). As variações autonômicas foram 50% maiores na função de pilotos vs. copilotos (P < 0,03). Não houve correlações significativas entre carga de trabalho e desempenho cognitivo. Por outro lado, componentes de exigência física do NASA-TLX correlacionaram-se diretamente com oscilações de indicadores simpáticos (r ~ 0,45 a 0,60; P < 0,05) e inversamente com parassimpáticos (r ~ -0,45 a -0,50; P < 0,05). CONCLUSÃO: O desempenho cognitivo não sofreu influência dos voos. Houve aumento da modulação simpática e redução parassimpática nos voos, com maior influência de demandas físicas que psicológicas. As alterações autonômicas foram maiores na função de piloto vs. copiloto. Estudos futuros deveriam envolver pilotos com diferentes níveis de experiência, missões de voo com características variadas e medidas mais específicas de carga de trabalho e desempenho cognitivo. Sugere-se, ainda, investigar o impacto em longo prazo dessas alterações autonômicas, bem como a utilização de índices da VFC como indicadores da sobrecarga física associada a diferentes tipos de voos militares