Integra

CDD. 20.ed. 152.334

796.47

  Efeitos da demonstração e instrução verbal na aprendizagem de habilidades motoras da ginástica olímpica

 
 
Nestor Soares PÚBLIO*
Go TANI*
Edison de Jesus MANOEL*
 

RESUMO  

O presente estudo teve como objetivo investigar os efeitos da demonstração e instrução verbal na aquisição de habilidades motoras da ginástica olímpica através de dois experimentos realizados numa situação real de ensino-aprendizagem. Grupos experimentais submetidos a três diferentes condições de aprendizagem - demonstração, instrução verbal e demonstração mais instrução verbal - foram comparados. Os resultados mostraram a superioridade dos grupos demonstração e demonstração mais instrução verbal em relação ao grupo instrução verbal. Não foi observada diferença entre os grupos demonstração e demonstração mais instrução verbal. Estes resultados, discutidos à luz das proposições teóricas de Bandura (1977, 1986), foram interpretados no sentido de que a imagem mental do movimento a ser executado, obtida através da observação da demonstração, pode ser especialmente importante em crianças menores quando habilidades verbais acerca dos movimentos ainda não estão suficientemente desenvolvidas para que seus aspectos espaciais e temporais possam ser adequadamente representados verbalmente.

 

UNITERMOS: Demonstração; Instrução verbal; Aprendizagem por observação; Ginástica olímpica.  

INTRODUÇÃO

 

Tradicionalmente, três problemas têm sido colocados para os pesquisadores na área de comportamento motor. O primeiro é a investigação dos mecanismos responsáveis pela produção do movimento, o que tem sido abordado pela sub-área denominada de controle motor. O segundo problema está relacionado com o estudo dos mecanismos e processos subjacentes às mudanças de comportamento motor em função da prática, ou seja, com o estudo da aquisição de habilidades motoras e os fatores que a influenciam. Este problema tem sido abordado pela sub-área denominada de aprendizagem motora. Finalmente, o terceiro problema diz respeito à investigação das mudanças no comportamento motor de um indivíduo ao longo do seu ciclo de vida. Isto tem sido objeto de estudo da sub-área denominada de desenvolvimento motor. Na realidade, embora seja possível caracterizar estas três sub-áreas como áreas distintas de estudo, os fenômenos de controle, aprendizagem e desenvolvimento estão intimamente relacionados, daí a necessidade e importância de abordagens integradas (Manoel, 1989; Tani, 1989a).
Todavia, nestas últimas duas décadas, os estudos sobre controle motor têm recebido atenção quase que exclusiva dos pesquisadores em detrimento das outras sub-áreas, particularmente da aprendizagem motora. Um dos fatores que contribuíram para a ocorrência dessa tendência foi que pesquisadores interessados em aprendizagem motora entenderam que para se estudar como o comportamento motor muda era preciso conhecer primeiro o que muda, ou seja, o mecanismo de controle motor. Recentemente, este panorama tem começado a mudar. Em primeiro lugar, a idéia da dependência das pesquisas de aprendizagem motora aos conhecimentos de controle motor tem sido questionada. Pesquisadores de aprendizagem motora acreditam que existem temas genuinamente pertencentes à área que podem ser investigados livres da "amarra" dos conhecimentos de controle motor. Nesse contexto, os conhecimentos de controle motor forneceriam instrumentos teóricos para auxiliar e enriquecer as interpretações dos dados obtidos em aprendizagem motora, mas não determinariam a viabilidade ou não de suas pesquisas. Pattee (1978), ao discutir sobre a irredutibilidade dos níveis de análise na produção de conhecimentos, tem enfatizado que eventos e fenômenos podem ser investigados em um determinado nível de análise segundo conceitos e metodologias próprios sem depender dos conhecimentos a níveis inferiores. Assim, os conhecimentos em diferentes níveis de análise seriam complementares e não necessariamente interdependentes. Em segundo lugar, reflexões sobre o conjunto de pesquisas realizadas sobre os mecanismos de controle motor, nestes últimos anos, têm conduzido à conclusão de que elas pouco contribuíram para a busca de soluções para os problemas práticos como aqueles encontrados no ensino da educação física e esporte (Christina, 1989; Hoffman, 1990; Petersen, Santos & Reghelin, 1991; Schmidt, 1989; Stelmach, 1989; Tani, 1992). Isto tem provocado um forte chamamento para uma reorientação do foco de pesquisas às variáveis que afetam a aprendizagem motora (Schmidt, 1989) que, em última análise, são os fatores manipulados pelos profissionais que lidam com o ensino de habilidades motoras numa situação real de prática.
Estes dois fatores que têm contribuído para estimular a retomada das pesquisas em aprendizagem motora têm um aspecto em comum, qual seja, a volta ao estudo das variáveis que afetam a aquisição de habilidades motoras como conhecimento de resultados, observação e demonstração, instrução, condições de prática, imagem e imaginação, transferência de aprendizagem entre outras (veja, por exemplo, Adams, 1990; Annett, 1985; Glencross, 1992; Lee, Swinnen & Serrien, 1994 e Newell, 1991, para uma revisão), mas agora com um "background" teórico muito mais sofisticado e detalhado se comparado às pesquisas no período denominado de abordagem orientada à tarefa (veja Manoel, 1995; Tani, 1992, para maiores detalhes).
Este estudo teve como objetivo comparar os efeitos de duas dessas importantes variáveis de aprendizagem - demonstração e instrução verbal - na aquisição de habilidades motoras da ginástica olímpica. Como se sabe, instrução verbal e demonstração são dois dos mais importantes e freqüentemente utilizados instrumentos de ensino. O primeiro engloba informações sobre a meta da tarefa, a especificação da tarefa (o que fazer) e o modo de execução da tarefa (como fazer). Através da transmissão dessas informações, o professor procura esclarecer o padrão de movimento que o aprendiz deve alcançar ao final da prática (Tani, 1989b).

Ao se envolver com a prática de uma habilidade motora nova, o iniciante traz à situação de aprendizagem todo o repertório de conhecimentos e habilidades adquiridos até então e procura utilizá-los para elaborar o melhor programa de ação possível na tentativa de solucionar o problema motor. Obviamente, por tratar-se de uma habilidade nova, o aprendiz encontra uma série de dificuldades e limitações. A instrução tem a função de procurar auxiliar o aprendiz a encontrar as melhores soluções. Quando o aprendiz comete erros de "performance" é muito comum ele dizer "sei o que tem que ser feito mas não consigo fazer". Esta afirmação mostra claramente que a sua dificuldade maior reside no "como fazer". Para entender essa dificuldade é importante considerar não só como uma representação cognitiva é formada, mas principalmente, como ela é transformada em ação. Tulving (1985) sugere a existência de três sistemas de memória: a memória semântica que representa todo conhecimento factual e conceitual, a memória episódica relacionada aos eventos em função do eixo temporal da existência do indivíduo e, finalmente, a memória processual que representa os procedimentos ou métodos para efetuar uma dada ação. Em outras palavras, a memória processual relaciona-se ao "como fazer". Enquanto as memórias semântica e episódica permitem o processamento de informações sobre "o que fazer" numa dada situação (meta da ação), a memória processual translada a meta em ação. A diferenciação dos sistemas de memória está diretamente ligada à proposição de que há dois tipos de conhecimento em termos cognitivos: declarativo e processual (Anderson, 1987). O conhecimento declarativo refere-se à informação que pode ser descrita verbalmente, retida e manipulada na memória ativa. Ele se caracteriza por proposições a respeito de fatos, pessoas, objetos, eventos, etc., as quais são objeto de introspecção consciente (Rosenbaum, 1991). O conhecimento processual consiste num sistema de produção, isto é, instruções para a realização de uma série de operações, as quais não estão disponíveis para introspecção consciente. São portanto de difícil verbalização.
A distinção entre conhecimento declarativo e processual já era presente nas idéias de Polanyi (1964) como mostra o exemplo por ele apresentado sobre o problema do andar de bicicleta. Segundo Polanyi, é possível estabelecer formalmente os requisitos físicos para que o ciclista mantenha o equilíbrio, entretanto, a maioria dos ciclistas aprende a manobrar a bicicleta sem dominar tais princípios físicos. Para entender esse processo de aquisição de habilidades motoras, Anderson (1987) propôs a existência da "processualização". Inicialmente, o indivíduo codifica os estímulos relacionados ao problema motor na forma de conhecimento declarativo. A partir dessa representação, o indivíduo infere quais ações devem ser tomadas na solução do problema. Esse método, além de ser mais trabalhoso, é também ineficiente na medida em que os procedimentos sobre como agir não estão claros. Com a prática, são elaborados sistemas de produção, ou seja, conjunto de instruções específicas sobre como agir. Esse conhecimento processual é derivado do conhecimento declarativo, com a vantagem de ser específico à tarefa e de ser prontamente ativado na memória, sem envolvimento consciente. A partir dessa concepção é importante perguntar a que tipo de conhecimento a instrução fornecida pertencerá. A instrução deveria ser apresentada de forma a auxiliar o iniciante na translação do conhecimento declarativo em conhecimento processual.
Sob a perspectiva de ensino, a instrução tem o potencial de auxiliar tanto na orientação da atenção às informações mais relevantes assim como na elaboração do programa de ação e a sua subseqüente execução. Instrução, na forma de conhecimento de resultados, pode também auxiliar o aprendiz a detectar e corrigir seus erros de execução. Entretanto, sob a perspectiva de aprendizagem, o importante é saber como estas instruções contribuem efetivamente para a organização, execução e avaliação de ações motoras. Serão as informações que o aprendiz utiliza na organização de suas ações as mesmas, em termos de natureza, àquelas emitidas pelo professor? São as instruções processadas exatamente como foram intencionadas pelo emissor? Estas são algumas das questões relacionadas com a instrução que ainda esperam por estudos mais conclusivos.
Em relação à demonstração, existe uma forte expectativa e crença por parte dos professores envolvidos com o ensino de habilidades motoras de que, ao observar um movimento demonstrado (modelo), o aprendiz é capaz de extrair importantes informações que auxiliarão de alguma forma a organização e execução de suas ações motoras. Entretanto, cabe uma questão: teria esta suposição sobre a efetividade da demonstração e instrução verbal respaldo nas pesquisas em aprendizagem motora e, em caso afirmativo, seriam os resultados dessas pesquisas diretamente aplicáveis a uma situação real de ensino-aprendizagem?
A abordagem adotada neste estudo segue as mesmas orientações delineadas em estudos anteriores (Públio & Tani, 1993; Tani, 1988, 1992), quais sejam, a de testar a aplicabilidade dos conhecimentos produzidos numa situação de laboratório aos complexos problemas que surgem numa situação real, caracterizando uma nova sub-área de pesquisa denominada de ensino-aprendizagem de habilidades motoras.

 

REVISÃO DE LITERATURA

 

O efeito da observação na aprendizagem foi formalizado por Bandura (1977, 1986) na sua teoria de aprendizagem social. Dentro da concepção de aprendizagem social, é assumido que a aprendizagem de um dado comportamento não ocorre sempre com base nas experiências práticas ou na execução de respostas a serem aprendidas, mas também através da observação das respostas de outros indivíduos. A teoria propõe, basicamente, que uma representação cognitiva do comportamento observado (modelo) fornece um quadro de referência tanto para a produção como para a avaliação de ações subseqüentes. Em outras palavras, a observação de um modelo apropriado durante a prática de uma habilidade motora pode ser efetiva na medida em que o aprendiz necessita ter uma idéia clara do objetivo a ser atingido. Williams (1986) afirma que o modelo é crucial tanto para o estabelecimento de um referencial para correção no sentido de Adams (1971) ou para a formação da imagem da ação no sentido proposto por Whiting (1984).

Embora ainda não esteja claro que tipo de informação relevante o aprendiz extrai a partir da observação de um modelo (Glencross, 1992), inúmeros estudos têm dado sustentação empírica às predições da teoria no domínio da aprendizagem motora (p.e. Adams, 1986; Carrol & Bandura, 1982, 1985; Lee & White, 1990; McCullagh, Weiss & Ross, 1989; Newell, Morris & Scully, 1985; Weir & Leavitt, 1990). Estudos mais específicos, porém, têm mostrado também que vários fatores influenciam o grau de efetividade da demonstração. Por exemplo, as características do modelo têm sido apontadas como um desses fatores (Gould & Weiss, 1981; Landers & Landers, 1973; McCullagh, 1993). A comparação entre modelos de excelência e modelos aprendizes tem mostrado que a observação da demonstração feita por modelos aprendizes pode ser tão efetiva (Pollock & Lee, 1992; Weir & Leavitt, 1990) ou até melhor (McCullagh & Caird, 1990) do que a observação de modelos de excelência. Uma possível interpretação da superioridade da observação de um modelo aprendiz é que enquanto o modelo de excelência apenas oferece uma representação precisa de como uma ação habilidosa deve ser executada, o modelo aprendiz mostra o processo de solução de problemas em que ele está envolvido, ou seja, o observador participa mais ativamente do processo pelo qual erros de execução são gradativamente corrigidos até que o problema seja solucionado (Adams, 1986; Lee et alii, 1994). Estes resultados mostram, no seu conjunto, a importância do esforço cognitivo durante a prática de habilidades motoras para promover ou inibir tomadas de decisão relacionadas à solução do problema motor (Lee et alii, 1994). Oportuno lembrar que, segundo Bernstein (1967), prática não significa a repetição do meio de solucionar o problema motor mas sim a repetição do processo de solucioná-lo. É possível supor também que se a "performance" do modelo estiver muito além das capacidades reais de execução do aprendiz, ela pode estabelecer um desafio inalcançável e assim afetar a sua motivação. A demonstração necessita levar em consideração o nível de desenvolvimento motor do aprendiz (McCullagh, 1993; McCullagh et alii, 1989). Isto posto, é possível conjecturar a existência de modelos que representem um nível ótimo de desafio para o aprendiz mas este assunto ainda espera por investigações mais sistemáticas.

A observação de um modelo praticando com conhecimento de resultados tem se mostrado mais eficaz do que uma situação em que o conhecimento de resultados não está presente (Adams, 1986). Conhecimento de resultados tem sido considerado a mais importante variável de aprendizagem que afeta a aquisição de habilidades motoras e tem assumido papel crucial na formulação das teorias de aprendizagem motora (Adams, 1971; Schmidt, 1975). De um modo geral, o reconhecimento da importância do conhecimento de resultados tem levado a uma ênfase excessiva às informações disponíveis após a execução do movimento e isso tem provocado uma subestimação do valor das informações disponíveis antes da execução, como no caso da demonstração e instrução verbal. Entretanto, estudos recentes que evidenciam a efetividade da demonstração podem provocar uma reconsideração do "peso" que cada uma das variáveis estabelecidas tem sobre a aquisição de habilidades motoras (Adams, 1990) e o estudo da interação e combinação dessas variáveis, como no caso da demonstração e conhecimento de resultados, abre um caminho promissor de pesquisas na área.
Além do conhecimento de resultados, um outro tipo de informação suplementar que deve ser fornecido em adição às informações visuais inerentes à demonstração é a instrução verbal (McCullagh et alii, 1989). Convém ressaltar que é importante diferenciar duas categorias de instrução: aquela que informa o aprendiz sobre a tarefa a ser executada e aquela que informa sobre aspectos relacionados com a demonstração. Instruções verbais podem agir como mediadores para melhorar a representação cognitiva do modelo observado. Elas podem orientar a atenção do aprendiz aos aspectos críticos da demonstração. Em função disso, além do aspecto motor, os aspectos verbais parecem desempenhar um importante papel na modelação. Estudos mostram que dependendo do estágio de desenvolvimento cognitivo, o processamento de informações relacionadas ao movimento pode variar e afetar diferentemente a efetividade da demonstração (Feltz, 1982; McCullagh, Stiehl & Weiss, 1990; Weiss, 1983).
Outra característica do modelo que afeta a efetividade da demonstração é o seu "status". Há evidências de que o modelo deve possuir "status" superior ao dos aprendizes, como seria o caso do técnico ou do atleta habilidoso (Magill, 1989). Duas são as razões: informacional e social. Em termos informacionais, os aprendizes tendem a prestar mais atenção à "performance" do modelo levando a uma maior captação de informações relevantes para a organização de suas ações. Em termos sociais, os aprendizes demonstram mais empenho na prática visto que há uma motivação maior em ser e agir como o modelo. Claramente, as características do modelo influenciam a aprendizagem por observação, entretanto, se esta influência resulta de fatores de atenção ou motivação ainda não está devidamente esclarecido.
O tipo de habilidade pode constituir-se num outro fator que influencia a efetividade da demonstração. A demonstração de uma habilidade fechada, em termos de estabilidade ambiental, pode ser útil para a aprendizagem na medida em que o aprendiz obtém uma idéia da ordem seriada da tarefa (Magill, 1989). Em habilidades abertas, onde a relação meio e fim é flexível e dependente das variações contextuais, a reprodução de uma determinada "performance" ou solução motora pode levar a um grau de rigidez indesejável.
Como colocado por vários autores (Adams, 1984; Magill, 1989; Williams, 1986), a definição de qual habilidade é apropriada para ser ensinada com o uso de modelos dependerá das informações sobre a habilidade que podem ser veiculadas pelo modelo. Whiting, Bijlard & den Brinker (1987) investigaram a aprendizagem de uma tarefa de esquiar em um aparelho simulador de "ski slalon". Um modelo habilidoso foi utilizado num dos grupos experimentais, enquanto que o outro grupo praticou sem demonstração. O grupo com demonstração apresentou melhor desempenho na fluência e freqüência dos movimentos, enquanto que o outro grupo focalizou mais na amplitude do movimento. O aspecto interessante foi o de que o grupo com demonstração, após ter atingido o "timing" apropriado, passou a buscar a amplitude demonstrada pelo modelo. Williams (1986) cita alguns de seus experimentos em que o aprendiz vai seletivamente incorporando aspectos básicos da "performance" demonstrada pelo modelo, sendo o "timing" o primeiro aspecto a ser considerado.
Além disso, a modalidade de apresentação parece interagir com o tipo de habilidade (McCullagh, 1993). Por exemplo, demonstrações auditivas podem ser mais adequadas para tarefas que envolvem "timing" ou seqüenciamento enquanto demonstrações visuais podem ser mais eficazes para aprendizagem de aspectos espaciais ou qualitativos da tarefa. Ao menos para tarefas de "timing", demonstrações visuais parecem não se constituir em um modo eficaz de apresentação da demonstração (McCullagh et alii, 1989). Finalmente, se modelação pode ser vista como uma forma de ensaio oculto que influencia a "performance" por tratar-se de uma codificação simbólica dos componentes da tarefa e se esta representação fornece um quadro referencial interno em que a reprodução da ação é baseada, então modelação e imagem mental podem ser processos semelhantes. A repetição da imagem mental formada a partir da observação de um modelo pode auxiliar a aprendizagem como mostra os inúmeros estudos realizados sobre o efeito da prática mental na aquisição de habilidades motoras (por exemplo, Albertini, 1985; Feltz & Landers, 1983; Marques, 1989 e Melo, 1993, para uma revisão mais detalhada).
Em suma, embora ainda existam vários aspectos relacionados à efetividade da demonstração e instrução verbal que esperam por estudos mais conclusivos, o conjunto de pesquisas realizadas até o presente fornece importantes sugestões cuja aplicabilidade numa situação real necessita ser testada. Em consonância com tendências atuais de pesquisas na área que tentam integrar teoria e prática (Tani, 1992), o presente estudo procurou comparar o efeito da demonstração e da instrução verbal na aquisição de habilidades motoras da ginástica olímpica através de dois experimentos realizados numa situação real de ensino-aprendizagem.

EXPERIMENTO 1

 

Este experimento procurou investigar os efeitos da demonstração e da instrução verbal através da comparação de três grupos experimentais: GD (grupo demonstração), GI (grupo instrução) e GDI (grupo demonstração mais instrução).

 

Método

 

Participaram do experimento 23 crianças de ambos os sexos, na faixa etária de sete a 12 anos ( = oito anos e oito meses), alunos do Curso Comunitário de Ginástica Olímpica da Escola de Educação Física da Universidade de São Paulo.

Com o objetivo de formar grupos experimentais homogêneos foi realizada, inicialmente, uma avaliação de entrada das crianças composta de oito exercícios individuais de solo mostrados na FIGURA 1. A avaliação foi realizada pelo docente responsável do curso, especialista em ginástica olímpica e árbitro internacional da referida modalidade esportiva. Foram atribuídos valores de zero a três pontos em cada exercício possibilitando, portanto, uma pontuação máxima de 24 pontos. Os critérios de avaliação utilizados foram os seguintes: zero = não executado; um = execução insatisfatória; dois = execução satisfatória; três = execução muito boa. Com base nos resultados obtidos, as crianças foram divididas de forma a constituir três grupos experimentais, GD, GI e GDI, respectivamente com 7,8 e oito crianças. O GD teve a somatória de 64 pontos ( = 9,14; SD = 3,97), o GI teve 76 pontos ( = 9,50; SD = 4,10) e o GDI teve 75 pontos ( = 9,38; SD = 4,17). A análise não-paramétrica de Kruskal-Wallis mostrou homogeneidade entre os grupos (H = 0,08; GL = 2; p > 0,05), ou seja, em igualdade de condições para serem submetidos às diferentes condições de aprendizagem.

 

 

 

FIGURA 1 - Habilidades motoras da ginástica olímpica utilizadas como tarefa de aprendizagem.

A tarefa motora foi constituída dos mesmos oito exercícios de solo utilizados na avaliação de entrada, sendo dois de flexibilidade, dois de equilíbrio, dois de rolamentos e dois de agilidade e postura estática. Uma descrição sucinta de cada exercício é apresentada a seguir:

 

a) exercício 1: da posição sentada com pernas afastadas, tocar o tronco no solo mantendo as costas eretas;

b) exercício 2: parada de cabeça e antebraço com o corpo estendido;

c) exercício 3: espacato ántero-posterior;

d) exercício 4: rolamento grupado para frente, elevando-se sem o auxílio das mãos;

e) exercício 5: rolamento de costas, da posição grupada, com os braços cruzados atrás da cabeça;

f) exercício 6: parada de mãos contra a parede, permanecendo parado com as mãos na largura dos ombros e os dedos médios das mãos junto à parede;

g) exercício 7: estrela, entrando de frente e saindo com frente contrária, executada sem impulso (sobrepasso) e em linha reta;

h) exercício 8: prancha horizontal com o corpo estendido e os calcanhares acima da linha dos ombros, permanecendo 2 segundos na pose estática com os braços estendidos na lateral acima dos ombros.

 

O GD recebeu apenas demonstração dos exercícios, executados pelos monitores, sem nenhuma instrução verbal adicional. O GI, por sua vez, recebeu apenas instruções verbais a respeito dos exercícios sem nenhuma demonstração e o GDI recebeu tanto demonstração como instruções verbais. As aulas foram desenvolvidas com a colaboração de seis monitores, dois para cada grupo, previamente instruídos e sob orientação e supervisão do professor responsável pelo curso. Estes monitores, alunos do Curso de Licenciatura em Educação Física da Escola de Educação Física da Universidade de São Paulo, embora conhecedores da ginástica olímpica, não eram atletas da referida modalidade. Portanto, para efeito de demonstração, eles não se constituíram em modelos de excelência mas tinham, naturalmente, "status" superior ao dos alunos. Os monitores receberam as seguintes orientações: a) seguir rigorosamente a programação, trabalhando apenas com os exercícios previstos no programa; b) garantir a prática de todos os oito exercícios mesmo que sem proficiência; c) seguir rigorosamente o tempo de prática; d) utilizar apenas os procedimentos de ensino condizentes com as condições experimentais de aprendizagem; e) solicitar às crianças que não pratiquem os exercícios fora da aula; e f) utilizar a mesma dinâmica de aula. Foram realizadas 16 sessões de prática de 90 minutos cada, com freqüência de duas vezes por semana, e com a seguinte distribuição de atividades por sessão: 15 minutos de trabalho generalizado igual para todos os grupos, 30 minutos de trabalho específico segundo as condições de aprendizagem e 45 minutos de trabalho genérico, igual para todos os grupos, visando a melhoria da aptidão física, com a utilização de aparelhos próprios da ginástica olímpica e de aparelhos adaptados para iniciação na faixa etária trabalhada. O teste final constou da execução dos oito exercícios praticados ao longo do processo de aprendizagem que foram avaliados por oito monitores previamente orientados quanto aos critérios de julgamento de cada exercício. Cada monitor avaliou todas as crianças em um único exercício e o julgamento foi realizado seguindo as pontuações pré-estabelecidas para cada exercício que são descritas a seguir:

 

a) exercício 1

   Ângulo maior que 90o.................................................... 0
   Ângulo de 45o a 89o...................................................... 1
   Ângulo de 10o a 44o...................................................... 2
   Ângulo menor que 9o..................................................... 3

 

b) exercício 2

   Não execução................................................................. 0
   Elevar-se e não parar mesmo depois de auxiliado........... 1
   Elevar-se e parar depois de auxiliado.............................. 2
   Elevar-se e parar sozinho................................................ 3

 

 

c) exercício 3

   Pernas formando um ângulo menor que 90o................... 0
   Pernas formando um ângulo de 91o a 120o.................... 1
   Pernas formando um ângulo de 121o a 170o................... 2
   Pernas formando um ângulo maior que 171o.................. 3

 

d) exercício 4

   Não execução................................................................. 0
   Executar caindo lateralmente.......................................... 1
   Executar elevando-se com o auxílio das mãos................. 2
   Executar elevando-se sem o auxílio das mãos................. 3

 

e) exercício 5

   Não execução................................................................. 0
   Executar saindo lateralmente.......................................... 1
   Executar terminando com o apoio dos joelhos................ 2
   Executar terminando com o apoio dos pés...................... 3

 

f) exercício 6

   Não execução................................................................. 0
   Elevar-se e não parar mesmo depois de auxiliado........... 1
   Elevar-se e parar depois de auxiliado.............................. 2
   Elevar-se e parar sozinho................................................ 3

 

g) exercício 7

   Não execução................................................................. 0
   Executar com o corpo carpado........................................ 1
   Executar sem manter os pés e as mãos alinhados............ 2
   Executar mantendo o pés e as mãos alinhados................ 3

 

h) exercício 8

   Não execução................................................................. 0
   Executar com o corpo carpado........................................ 1
   Executar com o corpo na horizontal............................... 2
   Executar com o corpo estendido e o calcanhar acima 

da linha dos ombros........................................................

 

3

 

Resultados

 

No estudo anterior (Públio & Tani, 1993), os escores atribuídos pelos monitores foram comparados àqueles atribuídos por um árbitro internacional que avaliou os testes gravados em videoteipe. Os resultados da análise de correlação de Pearson revelaram alta correlação entre eles em três oportunidades, o que levou à utilização de dados da avaliação dos monitores para efeito de comparação dos grupos experimentais. Da mesma forma, um alto nível de correlação foi obtido, em três oportunidades, quando os escores atribuídos por uma banca de monitores foram analisados segundo duas formas de apuração distintas, evidenciando muita consistência interna na avaliação. No presente estudo, em função do mesmo critério de rigor ter sido observado na seleção dos monitores, e a seleção e as posteriores orientações terem sido feitas pelo mesmo docente responsável pelo curso que é um árbitro internacional de ginástica olímpica, considerou-se desnecessária a repetição dos procedimentos para testar a subjetividade nas observações. Mesmo assim, como uma medida de precaução para reduzir a possibilidade de eventuais discrepâncias, um mesmo monitor avaliou todas as crianças em um único exercício, conforme foi descrito anteriormente.

A FIGURA 2 mostra os resultados dos três grupos experimentais nos dois testes realizados. Como uma tendência geral, o GD ( = 13,14; SD = 5,46) e o GDI ( = 12,25; SD = 4,62) melhoraram de "performance" no teste final, mas o mesmo não ocorreu com o GI ( = 9,75; SD = 4,59). Na comparação inter-grupos, os grupos GD e GDI obtiveram resultados melhores que o GI no teste final. As análises estatísticas confirmaram estas observações. Em primeiro lugar, o teste não-paramétrico de Wilcoxon foi aplicado em cada grupo para verificar os efeitos de aprendizagem. Os valores encontrados de T = 1 e T = 2,5, respectivamente para os grupos GD e GDI, foram significantes a nível de 0,05 e portanto evidenciaram a ocorrência de aprendizagem. O GI, por sua vez, não mostrou efeito de aprendizagem (T = 9; p > 0,05) o que indica que as 16 sessões de prática recebendo apenas instruções verbais não foram suficientes para provocar uma mudança significante de comportamento.

 

 

 

 

FIGURA 2 - Escores médios dos três grupos experimentais no teste inicial e no teste final.

Em segundo lugar, o teste não-paramétrico de Kruskal-Wallis foi aplicado para testar o efeito das três condições de aprendizagem. O valor encontrado (H = 107,78; GL = 2) foi significante a nível de 0,01 e a análise "post hoc" confirmou que os grupos GD e GDI foram melhores que o GI. Não foram detectadas diferenças significantes entre os grupos GD e GDI. Estes resultados mostram a superioridade da demonstração e da demonstração acompanhada de instruções verbais em relação às instruções verbais como variáveis que afetam a aquisição de habilidades motoras.

 

 

EXPERIMENTO 2

 

Conforme foi visto na revisão de literatura, estudos têm mostrado que o nível de desenvolvimento motor e de habilidade motora são fatores que podem afetar a efetividade da demonstração e de instruções verbais. Em função disso, este experimento procurou investigar os efeitos da demonstração e demonstração mais instrução verbal em crianças com nível de habilidade mais avançado em relação às crianças do experimento 1.

Método

Participaram deste experimento 12 crianças de ambos os sexos, na faixa etária de oito a 13 anos ( = 10 anos), também alunos do Curso Comunitário de Ginástica Olímpica da Escola de Educação Física da Universidade de São Paulo. Em função dos resultados alcançados na avaliação de entrada que constou dos mesmos oito exercícios individuais de solo, as crianças foram distribuídas em dois grupos experimentais, respectivamente, grupo demonstração (GD) e grupo demonstração mais instrução (GDI), cada qual com seis crianças. O GDI teve a somatória de 118 pontos ( = 19,67; SD = 1,21) e o GD teve 119 pontos ( = 19,83; SD = 1,16). O teste não-paramétrico de Mann-Whitney mostrou não haver diferença significante entre os grupos (U = 16,5; p > 0,05) e portanto eles estavam em igualdade de condições para serem submetidos às diferentes condições de aprendizagem. Como mostram as médias de pontuação, estas crianças possuíam um nível de habilidade superior se comparadas às crianças do experimento 1. A tarefa motora utilizada, os procedimentos adotados em função das diferentes condições de aprendizagem, as características das sessões de prática e o teste final foram os mesmos do experimento 1.

 

Resultados

 

A FIGURA 3 mostra os resultados dos dois grupos experimentais nos dois testes realizados. Os dois grupos tiveram comportamentos semelhantes embora o GDI tenha mostrado uma pequena melhora de "performance" no teste final ( = 21,33; SD = 2,50) e o GD tenha mantido a sua "performance" praticamente inalterada ( = 19,67; SD = 2,06). O teste não-paramétrico de Wilcoxon não revelou diferença significante, a nível de 0,05, na comparação intra-grupo (T = 4,5 e T = 9,5, respectivamente para o GDI e GD), o mesmo acontecendo com o teste não-paramétrico de Mann-Whitney para a comparação inter-grupos (U = 8; p > 0,05).

Uma análise superficial destes resultados poderia conduzir à conclusão de que eles corroboram as críticas feitas às pesquisas em laboratório no sentido de que elas envolvem um número muito reduzido de tentativas se comparado com o número de tentativas necessárias para a aquisição de habilidades motoras numa situação real. Entretanto, é importante considerar dois fatores, um metodológico e outro de interpretação, que podem ter contribuído para essa aparente ausência de aprendizagem. Em primeiro lugar, existe o efeito teto dos escores. Conforme foi descrito anteriormente, a pontuação máxima possível era de 24 pontos e os resultados da avaliação de entrada mostravam que as crianças estavam próximas deste valor teto. Em segundo lugar, existe o problema da interpretação qualitativa das diferenças de escore. Obviamente, é muito mais fácil às crianças progredirem, por exemplo, de 10 para 12 pontos do que de 22 para 24 pontos, embora matematicamente a diferença seja a mesma de dois pontos e portanto a mesma para efeitos de tratamento estatístico. Em outras palavras, uma mesma diferença matemática pode ter significado totalmente distinto quando analisada sob a perspectiva de exigência de "performance". Isso significa que, em termos de aprendizagem motora, a pequena melhora demonstrada pelo GDI pode ter sido muito mais significativa do que uma simples diferença numérica pode fazer transparecer. Estas considerações mostram que um dos problemas mais complexos na área de ensino-aprendizagem de habilidades motoras é encontrar medidas de "performance" apropriadas em termos de validade interna e ecológica, particularmente na análise qualitativa do movimento.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

FIGURA 3 - Escores médios dos dois grupos experimentais no teste inicial e no teste final.

DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

 

A instrução se refere, normalmente, ao que deve ser feito, ou seja, ela consiste da descrição da seqüência de movimentos a serem executados. É portanto um conhecimento declarativo. Ao receber a instrução, cabe ao aprendiz transformar este conhecimento declarativo em conhecimento processual e usá-lo na produção e avaliação do movimento. Em outras palavras, "o que deve ser feito" deve ser transformado em "como deve ser feito", e isto envolve um complexo processo de elaboração cognitiva. A seguir, esta linguagem cognitiva precisa ser transformada em uma linguagem neuromuscular (Requin, 1992).

A demonstração, por sua vez, ativa a imagem mental do movimento a ser executado. Ela deve ser retida na memória ativa em forma de representação imaginária ou verbal para ser utilizada na produção e avaliação de ações motoras (Bandura, 1986). A representação imaginária ou visual pode ser especialmente importante em crianças menores quando habilidades verbais acerca dos movimentos ainda não estão suficientemente desenvolvidas para que seus aspectos espaciais e temporais possam ser adequadamente representados verbalmente (Bandura, 1986). Neste sentido, as instruções verbais seriam uma variável menos efetiva de aprendizagem. Isto pode ser uma possível explicação da superioridade do GD em relação ao GI no experimento 1. Ainda no experimento 1, o fato do GDI ter mostrado comportamento semelhante ao GD e também o fato do GI não ter evidenciado mudança de "performance", reforçam esta observação no sentido de que instruções verbais não se constituíram em variáveis importantes de aprendizagem.

Por outro lado, a tendência de melhora de "performance" manifestada pelo GDI no experimento 2 que, embora estatisticamente não significante, pode ter significado mais profundo quando analisada qualitativamente, sugere que crianças mais avançadas em termos de desenvolvimento motor e de habilidade motora podem ser favorecidas com instruções verbais adicionadas à demonstração. Neste caso, poderia estar havendo uma integração da instrução verbal com a representação verbal da demonstração.

Estudos mostram que a representação verbal pode ser mais efetiva para certos aspectos da ação motora. McCullagh et alii (1990), por exemplo, mostraram que instruções verbais foram mais benéficas do que a demonstração quando o seqüenciamento da habilidade era o foco de análise. Como no presente estudo exercícios individuais de solo que mais se caracterizam como habilidades discretas foram utilizadas como tarefas de aprendizagem, a superioridade do GD pode também ser explicada. A investigação desse fenômeno empregando-se tarefas seriadas, como aquelas do estudo anterior (Públio & Tani, 1993), pode constituir-se em um estudo interessante para uma análise mais profunda dessas proposições.

Estudos mostram também que aspectos espaciais do movimento são mais sensíveis à influência da demonstração (por exemplo, Carroll & Bandura, 1982, 1985, 1987, 1990) do que aspectos temporais, especialmente o "timing" (McCullagh & Caird, 1990). Como as tarefas utilizadas no presente estudo foram habilidades fechadas em que a consistência na organização espacial é fundamental, a efetividade da demonstração foi claramente observada.

A imagem mental, enquanto sistema de representação cognitiva, tem sido diretamente associada ao processo de controle motor. Na prática de uma habilidade motora, ao observar o modelo, o aprendiz poderia estar elaborando uma imagem motora em que ocorreria uma forma de manipulação mental de imagens visuais. Segundo Jeannerod (1994), as descargas eferentes geradas na imaginação podem ser o substrato para a facilitação subseqüente da "performance" motora nas vias neuromotoras primárias. De fato, Jeannerod apresenta evidências de que o substrato neural para a formação da imagem motora é o mesmo da representação motora, no caso a área motora suplementar do córtex.

Assim, a observação e a imagem motora são partes de um fenômeno mais amplo de representação motora que resultará na facilitação da produção de movimentos. Supõe-se também que a imagem mental pode ser relacionada à descrição verbal do movimento e ser utilizada na produção e avaliação de ações motoras (Masson, 1990). Entretanto, considerando que o processo de aprendizagem motora em direção à automatização implica a gradual diminuição da necessidade de atenção ao controle dos movimentos (Fitts & Posner, 1967) e também à progressiva "desverbalização" do movimento que está para ser executado (Adams, 1971), a observação da demonstração e a posterior associação da imagem mental gerada com a verbalização do movimento, pode ter efeito distinto dependendo da fase de aprendizagem em que o aprendiz se encontra. Investigar o efeito da demonstração nas diferentes fases da aprendizagem constitui um tema promissor para futuros estudos.

Conforme foi enfatizado na revisão de literatura, é preciso diferenciar instruções verbais enquanto descrição da tarefa a ser executada com instruções associadas à demonstração. No presente estudo, o primeiro tipo de instrução foi o objeto de investigação. Neste sentido, um aspecto interessante de se estudar é o efeito de instruções verbais associadas à demonstração. Weiss (1983) mostrou que instruções verbais associadas à demonstração facilitam a aprendizagem, principalmente em crianças menores, provavelmente porque orienta a sua atenção aos aspectos relevantes da tarefa . Da mesma forma, o estudo de Weiss & Klint (1987) mostrou que a verbalização da seqüência de movimentos e a sua repetição é um importante aspecto que influencia a efetividade da demonstração.

O presente estudo, por ter sido desenvolvido numa situação real de ensino-aprendizagem, dificultou o controle de algumas variáveis importantes. Uma delas diz respeito ao conhecimento de resultados. O efeito do conhecimento de resultados na aprendizagem motora tem sido objeto de inúmeros estudos (veja Salmoni, Schmidt & Walter, 1984, para uma revisão), entretanto, o efeito do conhecimento de resultados associado à demonstração (Adams, 1986) ainda não tem sido tema de estudos mais sistemáticos e, portanto, constitui-se em um importante tópico a ser abordado na área de ensino-aprendizagem de habilidades motoras.

 

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ABSTRACT   EFFECTS OF DEMONSTRATION AND VERBAL INSTRUCTION ON THE LEARNING OF OLYMPIC GYMNASTICS MOTOR SKILLS  

The present study aimed to investigate the effects of demonstration and verbal instruction in the acquisition of olympic gymnastics motor skills by means of two experiments carried out in a real teaching-learning situation. Experimental groups which practiced under three different learning conditions-demonstration, verbal instruction and demonstration plus verbal instruction - were compared. The results indicated a superior performance for demonstration and demonstration plus verbal instruction groups in comparison to verbal instruction group. No differences were observed between demonstration and demonstration plus verbal instruction groups. These results were discussed in the light of Bandura’s theoretical propositions (1977, 1986). Accordingly, it was proposed that the mental image of the movements to be performed, elaborated from the observation of the model, can be particularly important for children whose verbal skills about movements are not fully developed in order to permit that the temporal and spatial aspects of movements can be properly represented in verbal codes.

 

UNITERMS: Demonstration; Verbal instruction; Observational learning; Olympic gymnastics.

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Recebido em : 12 abr. 1995
1a. revisão em: 19 maio 1995
2a. revisão em: 19 out. 1995
Aceito em: 31 out. 1995

 

 

Nossos agradecimentos a todos os monitores que participaram dos experimentos.

 

ENDEREÇO: Nestor Soares Públio Av. Prof. Mello Moraes, 65 05508-900 - São Paulo - SP - BRASIL  

 

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