Resumo
Os experimentos que compõem esta tese tiveram como proposições especificamente: (a) investigar se a abolição do surto hipertérmico pelo tratamento com um antipirético poderia ocasionar a sustentação, ao nível de 2 meses de sobrevida, do efeito neuroprotetor determinado por uma hipotermia prolongada induzida no período pós-isquêmico; (b) verificar se um segundo período hipotérmico induzido após decorridas 48 horas do insulto isquêmico poderia ocasionar a sustentação do efeito neuroproteror ao nível de 2 meses de sobrevida. No primeiro conjunto de experimentos, nos quais os animais foram expostos a uma carga pirogênica/infectante, verificou-se que tanto a hipotermia moderada iniciada 2 horas depois de um insulto isquêmico transitório, como a administração de dipirona- um medicamento antipirético/anti-inflamatório entre o final do primeiro dia e o final do terceiro dia de recuperação, isoladamente apenas retardam o desenvolvimento da morte neuronal do hipocampo, no córtex e no estriado de ratos submetidos ao modelo de oclusão de 2 vasos associada à hipotensão. Ao contrário, o tratamento combinado (hipotermia seguida da administração de dipirona) proporciona uma robusta e estável proteção avaliada após 2 meses de recuperação contra os processos neurodegenerativos determinados pelo insulto isquêmico. Esses resultados indicam que, quando seguido de hipertermia (ou de fenômenos associados a ela), o tratamento hipotérmico, instituído no período pós-isquêmico, tende a perder a sua eficácia com o decorrer do tempo, de tal forma que o processo neurodegenerativo é reativado, vindo a manifestar-se mesmo após a primeira semana de sobrevida e estando - como sugerem as alterações histopatológicas qualitativas somente não observadas nos animais submetidos ao tratamento combinado - ainda ativo dois meses após a ocorrência do insulto isquêmico. No segundo conjunto de experimentos, nos quais os animais não foram expostos a uma carga pirogência/infectante, e que provavelmente por isso mesmo não apresentaram o surto hipetérmico descrito nos animais utilizados no primeiro conjunto de experimentos, verificou-se que os animais tratados com um único período de hipotermia apresentaram uma importante proteção (em comparação com os animais não tratados) na região CA1 do hipocampo apenas quando avaliados com uma sobrevida de 2 meses, mas não quando não avaliados ao nível de uma semana de recuperação. Além disso, os animais submetidos a dois períodos consecutivos de hipotermia apresentaram uma proteção (também em comparação com animais não tratados) menos exuberante na região CA1 do hipocampo dorsal quando avaliados ao nível de 2 meses do que quando estudados ao nível de uma semana de sobrevida. Finalmente, enquanto que os animais tratados com um ou dois períodos de hipotermia apresentaram níveis similares de lesão neuronal na região CA1 do hipocampo ao serem estudados ao nível de uma semana de recuperação, os animais tratados com um único período de hipotermia moderada apresentam nessa mesma região, ao nível de dois meses de sobrevida, uma lesão menor do que aquela verificada nos animais tratados com dois períodos consecutivos de hipotermia moderada. Estes resultados sugerem que, nos animais não submetidos à exposição de uma alta carga pirogênica/infectante e tratados com um primeiro período de hipotermia, induzida após 2 horas de recirculação, mecanismos neuroregenerativos (ou bloqueadores da continuidade dos processos degenerativos) encontram-se já em atividade ao nível de 48 horas de recuperação, quando são susceptíveis de sofrerem a inibição determinada por um segundo tratamento hipotérmico. De uma forma geral, os dados apresentados aqui evidenciam um papel pró-degenerativo para a hipertermia na fase de recuperação da isquemia cerebral, ao mesmo tempo em que indicam que a hipotermia moderada induzida dentro das primeiras horas tem um papel benéfico, que pode vir a tornar-se nocivo se postergada excessivamente ou induzida novamente dias depois. Ademais, esses resultados caracterizam a presença de um processo neurodegenerativo crônico pós-isquêmico, cuja ocorrência ou desencadeamento pode ser dependente da exposição a uma carga pirogênica/infectante por ocasião do insulto isquêmico. Esse processo, ao contrário do que ocorre com o fenômeno da morte neuronal tardia, parece afetar difusamente as regiões prosencefálicas afetadas pelo insulto isquêmico. Considerando-se que, no prosencéfalo dos animais submetidos ao efeito antipirético/anti-inflamatório proporcionado pela dipirona, a proteção propiciada pelo tratamento hipotérmico foi sustentada tardiamente, é possível que a hipertermia determinada por essa exposição, e/ou fenômenos inflamatórios associados a ela, possam ser de fundamental importância para o desencadeamento de tal processo crônico de morte celular. O caráter de cronicidade desse processo neurodegenerativo, somado às características inflamatórias associadas a ele, sugerem que fenômenos autoimunes direcionados contra antígenos neurais possam comprometer a sobrevida neuronal por longo tempo após a ocorrência do insulto isquêmico, vindo a incidir mesmo sobre populações neuronais não afetadas pela agressão primária ao tecido nervoso. Similarmente, infecções bacterianas que frequentemente complicam a recuperação do acidente cérebro-vascular podem determinar a liberação de adjuvantes imunológicos capazes de induzir processos autoimunes que inicialmente comprometem a recuperação dos déficits funcionais relacionados à zona de penumbra, e posteriormente determinam a instalação de síndromes demenciais progressivas.