Integra

Sou um tipo de espírito inquieto. Astrólogas já me disseram que isso é coisa de geminiana, mas prefiro acreditar que a inquietude se relaciona com o fato de eu não compactuar com a indiferença. Claro que isso traz desconforto, menos a mim do que a quem está do meu lado. Mudar não é problema quando alguma coisa vai mal. Ruim mesmo é se acomodar com a justificativa de que não há saída para uma crise. Ou fazer más escolhas por essa mesma razão sabendo que o caminho adotado, conscientemente, não é o melhor.

Mudanças dão trabalho porque nos fazem lidar com o desconhecido.

E a pandemia tem nos desafiado, a todo instante, a lidar com a indiferença e com o desconhecido. É óbvio que todos querem a vida de volta como ela era. Abraços, encontros, pessoas, vozes, aglomeração, mas as 250 mil mortes, só no Brasil, mostram que é preciso mudar radicalmente as coisas para que vidas sejam preservadas.

O negacionismo continua em ação, inclusive com a compra de espaço publicitário em grandes jornais defendendo o indefensável. O oportunismo ronda em diferentes direções, mas não podemos esmorecer. Há muita gente em movimento buscando alternativas em função da necessidade de mudança.

No âmbito esportivo assisto ações em diferentes caminhos. É inegável o desejo de se ter de volta competições ao vivo, assim como se sentar em bares e restaurantes sem máscara e com o burburinho de outras pessoas à volta. Nunca se desejou tanto uma boa aglomeração.

A competição esportiva é uma produção possível só para humanos. Ainda que se use animais, como no hipismo, o protagonismo é de atletas. Por isso a impossibilidade de se ficar indiferente diante de um gesto perfeito ou do objetivo quase alcançado como uma bola na trave.

Compreendido como uma linguagem planetária as competições esportivas tornaram-se dependentes, ou quase reféns, das TV e mais atualmente dos streamings. Isso porque os estádios e ginásios esportivos, lugares ideais para boas aglomerações, têm capacidade limitada e podem estar muito distantes de fãs ardorosos. E, lá pela década de 1960, percebeu-se também que poderia ser uma fonte quase inesgotável de recursos.

Os jogos a que tenho assistido rapidamente pela TV estão longe de ser o esporte que aprecio. Ginásios e estádios vazios fazem ecoar o som do silêncio de torcedores ausentes. Fantasmagóricos, o ruído do apito, do toque na bola ou do grito de um jogador reverberam no ambiente oco a ausência dos aficionados que fazem a competição esportiva ser mais do que o embate entre duas equipes.

Isso prova a dimensão social e cultural do esporte. Um feito humano, para humanos, em diferentes sociedades, nesse momento histórico em específico.

Entendo que o público é tão parte do espetáculo esportivo quando os atletas. E não me refiro aos milhões que assistem de suas poltronas em casa, com o controle remoto na mão. Penso nas pessoas que se sentam nas arquibancadas e gritam a favor e contra do seu time preferido. A excitação ali produzida, como diria Norbert Elias, tem o poder civilizador.

Espero pela volta do espetáculo esportivo com a mesma vontade que espero pelo retorno à sala de aula repleta de estudantes. Isso não implica que eu relaxe com as medidas de segurança que adotei há quase exato um ano. Lamento pela vida de cada uma das pessoas que se aglomera diante de um estádio ou ginásio por causa de uma competição esportiva, mas lamento mais ainda pela vida das pessoas próximas a esses que não cuidam nem de si, nem dos próximos.