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Ciência aposta na dieta de baixa caloria, no exercício e na genética para garantir uma velhice saudável

Cleópatra, a rainha do Egito, tomava banhos de imersão em leite de cabra. O explorador espanhol Juan Ponce de León percorreu o mundo em busca da fonte da vida eterna. Ao longo dos séculos, o ser humano usou todo tipo de artifício, racional ou místico, para prolongar sua existência. Ainda não se inventou a pílula de matusalém, mas hoje um indivíduo saudável pode chegar aos 125 anos. Por paradoxal que seja, as mais avançadas pesquisas científicas sobre o envelhecimento indicam que o segredo da longevidade está numa receita tão fácil quanto caseira. Em testes de laboratório, os cientistas prolongaram a vida de cobaias ao submetê-las a uma dieta rígida, com um terço a menos de calorias, atividade física regular e baixa exposição aos raios solares. É simples assim.

A Drosophila melanogaster, a popular mosca da banana, conseguiu viver mais do que o dobro do normal. A mosca-da-fruta dura no máximo 25 dias. Submetida a uma dieta espartana, ela deixou de reproduzir e sobreviveu até o recorde de 60 dias. “A energia foi redirecionada da reprodução para a manutenção das funções vitais, aumentando a capacidade de sobrevivência e preservando o potencial reprodutivo para quando as condições melhorarem”, descreveram os cientistas Thomas Kirkwood, da universidade britânica de Newcastle, e Steven Austad, da americana Idaho.

A conclusão dos estudos, publicada numa edição especial da revista científica Nature, é rica em novidades sobre a velhice. Um cálculo recente afirma que há pelo menos 300 teorias científicas sobre o envelhecimento. No ser humano, sabe-se que o estilo de vida pode funcionar como um gatilho para desencadear o processo degenerativo. O cigarro é um dos maiores culpados. Ele compromete a saúde e estimula a formação de um vilão natural, o radical livre, elétron que se localiza nas camadas mais externas dos átomos. Em desequilíbrio, ele reage com diversas moléculas – de proteínas a carboidratos –, gerando problemas fisiológicos.

O papel desses agentes sobre o corpo humano não está totalmente explicado. Para a medicina ortomolecular, especialidade controversa entre os médicos, os radicais livres são os principais responsáveis pelo envelhecimento. Em excesso, eles oxidariam o corpo, enferrujando nossa estrutura interna. “Eles são formados a partir do oxigênio, que produz toda a energia necessária para o organismo. O ideal é ter 98% do oxigênio transformado em energia e o restante em radicais livres, que são encarregados de destruir micróbios. Mas não tem sido essa a proporção nos estressantes dias de hoje”, explica o médico carioca Helion Póvoa. Pela teoria ortomolecular, é importante evitar alimentos ricos em gordura, cigarro e álcool – que oxidam o corpo – e ingerir vitaminas e minerais, que combatem a formação desses vilões.

Imunidade – A medicina tradicional reconhece a participação dos radicais livres no processo de envelhecimento. “Só que não temos evidências de que eles sejam os únicos causadores da degeneração do corpo, um processo que envolve uma combinação de outros fatores”, rebate Wilson Jacob Filho, professor de geriatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

De acordo com o geriatra Carlos André Freitas, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a medicina tenta comprovar a relação entre os radicais livres e a manifestação de algumas doenças como o diabete. Desde 1996, Freitas desenvolve uma pesquisa com 90 idosos para mostrar que as vitaminas A, C e E ajudam a proteger as moléculas contra a ação dos radicais livres. O especialista argumenta que existem indícios de que o excesso desses agentes reduz a imunidade do idoso. “Eles formam bloqueios de informação no sistema de defesa entre as células primárias, uma espécie de soldado raso, e as células maiores, a tropa de elite no combate aos invasores do corpo”, afirma. O trabalho de Freitas, que será concluído no próximo mês, tenta provar que as vitaminas atuam contra esses bloqueios.


Há outras promessas quando o assunto é envelhecer. Uma delas é a terapia genética. “A relação entre o metabolismo e o envelhecimento pode ser alterada por mutações genéticas. Uma evidência é a experiência com ratos, que em laboratório viveram dez vezes mais depois de modificações em alguns genes”, afirmou a ISTOÉ o pesquisador americano Leonard Guarente, do Departamento de Biologia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Pouco se sabe, porém, sobre os genes que regulam a vida do ser humano. Como envelhecemos, afinal? As respostas da ciência passam pela linguagem bioquímica com que as células de nosso corpo se comunicam. Além da teoria de degeneração provocada pelos agentes oxidantes, existem teses que apontam para as alterações hormonais e para as deficiências genéticas como as mais prováveis causas da senilidade. “Se o envelhecimento provar-se de alguma forma controlado por alterações hormonais ou mudanças genéticas, será possível sintetizar esses hormônios e medicamentos para alterar o sistema endócrino ou ainda usar a terapia gênica para retardar os sintomas da idade”, explica Guarente.

“Estamos às vésperas de uma revolução na compreensão do processo de envelhecimento, que necessariamente tem uma chave genética”, diz o geriatra Wilson Jacob Filho. A promessa da genética foi, aliás, tema do American Heart Association, maior congresso de cardiologia do mundo, realizado na semana passada em New Orleans, nos EUA. Um dos estudos, da Fundação Clínica de Cleveland, provou que um gene (batizado de thrombospondin) é um dos responsáveis pelo infarto, que junto de outros problemas cardiovasculares, do câncer e das lesões cerebrais, encabeçam a lista das principais causas de morte no planeta.

Para rastrear esse gene, os médicos mapearam o código genético de 347 voluntários vítimas de infarto, todos com menos de 40 anos. O genoma de cada um foi comparado ao DNA de pessoas sem problemas cardíacos. “Os pacientes infartados apresentaram variações do gene thrombospondin”, afirma o cardiologista Eric Topol. O mesmo gene estaria envolvido na formação de coágulos nos vasos sanguíneos, aumentando o risco de entupimento das artérias

Uma segunda pesquisa revelada na semana passada traz pistas para desvendar um outro mistério: por que dentro de um grupo com o mesmo estilo de vida existem pessoas que infartam e outras não? Para os cientistas, a resposta está na genética. Que o diga Julian Halcox, do Instituto Pulmão e Sangue, dos EUA. Ela mapeou o coração de 253 pessoas (123 com artérias bloqueadas e 130, saudáveis). O gene responsável pela boa saúde do coração dos voluntários chama-se eNos (894T). “Ele está envolvido no controle de óxido nítrico no sangue, uma substância que ajuda a dilatar as artérias, facilitando o fluxo sanguíneo”, explica Julian.

Longevidade – A genética, sem dúvida, representa o futuro do combate aos males da idade. Enquanto a ciência não apresenta as soluções biológicas, resta à humanidade trabalhar com aquilo que já se conhece. Um fato incontestável é que o homem vive mais hoje do que há 100 anos. O Brasil, por exemplo, não é mais tão jovem quanto antes. Ainda temos um grande contingente juvenil, mas, aos poucos, os brasileiros de cabelos prateados ganham relevância nos estudos demográficos. Em 1991, o País abrigava dez milhões de indivíduos com mais de 60 anos. Hoje, de acordo com dados preliminares do censo 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os idosos somam 14 milhões e compõem 8,3% da população total, de 167 milhões de homens e mulheres. E o ritmo de crescimento desse grupo não pára. Estimativas do instituto apontam que daqui a 20 anos os idosos serão 11,9% ou 25,2 milhões de pessoas. Parece pouco? “Seremos a sexta nação do mundo em número de idosos. Em 1980, estávamos na 16ª posição”, assegura o médico João Toniolo Neto, presidente da seção paulista da Sociedade Brasileira de Geriatria.

Esse cenário é reflexo do aumento da expectativa de vida, um fenômeno mundial. No Brasil, esse índice passou de 61,88 anos em 1980 para 67,8 neste ano. O IBGE calcula que em 2020 os brasileiros atingirão a média de 69,48 anos. Do outro lado do planeta, no Japão, as projeções são fantásticas. Pelos cálculos da Organização Mundial de Saúde (OMS), os japoneses são o povo com maior longevidade: 74,5 anos. Austrália, França e Suécia vêm em seguida, com média de vida de 73 anos. “A Academia Americana de Medicina Anti-Envelhecimento, entidade que reúne 36 especialidades, considera que 67% das pessoas que vivem em países desenvolvidos podem chegar a 100 anos”, acrescenta o ginecologista cearense Ítalo Rachid, representante da entidade no Brasil.

A população vive mais tempo também porque a prevenção passou a ser palavra de ordem na medicina. O que vale é ser saudável e ter qualidade de vida, mesmo com a idade avançada. O fluminense Gastão Mariz de Figueiredo, 90 anos, sabe bem disso. “A velhice com saúde é a melhor coisa do mundo”, ensina. Figueiredo, um nadador que tem o hábito de fazer travessias no mar, passou por três operações de pontes de safena, mas vende energia. “Eu me cuido. Tenho nutricionista, cardiologista e clínica geral”, enumera. “Antigamente, a prevenção só se iniciava a partir dos 40 anos. Hoje, sabemos que ela tem de começar antes porque muitas doenças têm origem nos primeiros anos de vida da pessoa. Estudos mostram que alguns fetos já têm acúmulo de colesterol em função do número de cigarros consumidos pela mãe”, alerta o médico Emílio Moriguchi, do Instituto de Geriatria e Gerontologia do Hospital São Lucas, de Porto Alegre (RS). Por esse motivo, sua equipe vem desenvolvendo projetos com recém-nascidos e crianças de seis anos para avaliar os riscos de câncer e doenças cardiovasculares. Tudo isso para que, no futuro, essa garotada possa se transformar em vovós e vovôs esbanjando saúde.

Pé na jaca – Antecipar-se ao problema é realmente um excelente modo de combater os males da idade. Mesmo quem já promoveu todo tipo de loucuras tem conserto. “Um ex-fumante demora dez anos para voltar a ter a mesma probabilidade de desenvolver câncer de pulmão que o não fumante”, afirma Wilson Jacob Filho, da USP. Quem literalmente pisou na jaca durante a juventude pode recuperar-se, desde que esteja disposto a reprogramar toda sua vida para adequar-se aos cuidados recomendados à sua faixa etária (leia quadro à pág. 97). Ainda que não se possa impedir a ação do tempo sobre o corpo, é possível atenuar os efeitos da idade com a adoção de medidas simples que já vêm sendo receitadas pelos médicos, como manter uma atividade física regular e equilibrar a dieta alimentar.

Na prática, algumas pessoas buscam maneiras de chegar à terceira idade com a saúde em dia. É o caso da carioca Nilza Mirza, 53 anos, que, para estar tinindo aos 70 anos, decidiu em 1993 seguir uma dieta que não passa de 1.500 calorias. “Sinto-me com disposição e não tenho gripes. Minha imunidade está alta. O tempo não passa para mim”, comemora. Nilza evita carne vermelha e açúcar. Faz cinco refeições ao dia e complementa a dieta com doses de vitaminas e de minerais. É uma rotina parecida com a que recomenda a nutricionista Cynthia Antonaccio, de São Paulo. “Mulheres com mais de 40 anos devem investir em suplementos vitamínicos, minerais e cálcio para compensar o desequilíbrio hormonal típico da idade”, exemplifica. O ideal para cinquentões é manter uma dieta que não ultrapasse as 1.500 calorias diárias (leia sugestão de cardápio equilibrado à pág. 99). “Com a idade é preciso reduzir o consumo calórico. Estima-se que a necessidade de ingestão de calorias é 10% menor para cada década a partir dos 50 anos”, explica.

Exercícios – Quanto mais o tempo passa, maior a necessidade de sacudir o esqueleto. Vale dizer que o desejo não deve ser esporádico. O casal de cantores Ana Maria, 61 anos, e Estanislau Orantas, 64, é a prova de que manter o ritmo ajuda a conservar a boa saúde. Desde a década de 70, eles procuram se exercitar com corridas ou caminhadas. “Nossos exames de colesterol estão normais e não temos nenhum problema cardíaco”, conta Ana Maria. Os dois se inscreveram numa academia (ligada ao Hospital Beneficência Portuguesa, de São Paulo) que dispõe de esteiras conectadas a computadores para fornecer eletrocardiogramas que avaliam o esforço do coração durante a atividade física. Na mesma academia, será desenvolvida ainda neste ano uma pesquisa que pretende criar um índice de envelhecimento do corpo baseado no exercício. “Envelhecer significa perder a habilidade de incorporar e reter a energia produzida pelo corpo”, diz o clínico Ricardo Kortas, especialista em medicina esportiva e diretor da academia. Por isso, o trabalho levará em conta não apenas quanto a saúde lucra com o exercício, mas também quanto desse benefício o organismo consegue reter. Ao contrário do jovem, o corpo idoso tarda em assimilar os ganhos do esporte.

A pesquisa de Kortas soma-se ao arsenal de esforços da medicina para descobrir as chaves da longevidade. Entre esses trabalhos é bom destacar os que tentam decifrar o mecanismo da depressão, doença da alma que promete ser um dos grandes males do próximo século. “É importante estar com a cabeça boa”, prega o aposentado Leone Gagliardi, 76 anos, um calabrês que vive em São Paulo. “Ainda trabalho, caminho bastante, me alimento direito e controlo minha saúde com exames periódicos. Meu bom humor ajuda muito. É ele que deixa tudo em ordem”, brinca. Gagliardi tem outro segredo, que apresenta com ar maroto. “Minha medicina é um copo de vinho no almoço e outro no jantar”, conta. Os especialistas não desaprovam o costume do italiano, uma vez que a bebida é consumida com moderação. “Gagliardi é um exemplo de terceira idade bem-sucedida”, conclui o geriatra João Toniolo Neto.

Colaboraram: Celina Côrtes, Henrique Fruet e Juliane Zaché, de New Orleans. Produção: Lívia Mund; Maquiadora: Miriam R. Kano; Modelos: Luana Sobral Lima (Ag. Fashion) e Maria da Glória Caico de Oliveira (Ag. Model Bank).

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