Resumo

Este estudo tem como objetivo realizar uma análise do discurso circulante acerca dos dilemas entre o amadorismo e o profissionalismo no seio do futebol ao longo do seu ,desenvolvimento na sociedade brasileira. O esporte moderno nos termos de Norbert Elias (1992) seria uma mimese da guerra, mas uma guerra sem os riscos diretos do confronto com fim letal. Todavia, rapidamente tornou-se também um ramo de negócio na ordem capitalista, onde a lógica basal é o acúmulo. O esporte, ao ser governado pelos interesses, passou a ser um local de negócios, apostas e divertimentos, se afastou dos ideais da busca da honra e da glória, sem interesses pecuniários. Diante desta transformação, a manutenção do ideal amador teria sido apenas uma breve ,reação das elites em manter as barreiras de distinção social e frear a popularização que, de certa forma feria, ou invadia, um de seus espaços para emulação de status. Entretanto, a partir do momento em que o esporte se tornou um dos principais meios de entretenimento tanto na possibilidade da prática, quanto na esfera do consumo de ,espetáculo, novas demandas passaram a governá-lo, fazendo surgir o profissional esportivo. Obviamente, o surgimento desta bifurcação amadorismo-profissionalismo provocaria uma tensão entre os idealizadores do esporte, aqueles que o pretendiam apenas como um meio de distinção e refinamento, aliado aos ideais educativos e alguns praticantes que rapidamente demonstraram outros interesses relacionados ao ,jogo, tais como ascensão social e sobrevivência. Ao admitir o profissionalismo colocava-se em jogo o ideal educativo e moral preconizado pelas elites, pois o esporte, como ramo do negócio, parecia macular a competição, que passaria a ser ,governada pelo interesse. O interesse pecuniário do atleta passou a ser questionado diante dos ideais civilizatórios do esporte. Observemos que a desconfiança sobre a legitimidade e moralidade desse interesse estava presente no início do debate entre amadoristas e profissionalistas desde a transformação do esporte na Inglaterra. No futebol brasileiro entre as décadas de 20 e 40, ocorria, por parte de alguns ,interessados na manutenção do amadorismo, uma narrativa de que os interesses individuais proporcionados pelo profissionalismo pudessem corromper os valores educativos e morais do esporte. Diante de tal desconfiança, como trabalhar com a idéia de transparência e credibilidade no esporte, se cada jogador persegue seu autointeresse? Como manter o valor da honestidade, se o jogador de futebol pode se vender individualmente? Essas são possíveis questões que pareciam pairar sobre a possibilidade de profissionalização do esporte no final do século XIX e primeiras décadas do século XX. Na atualidade, os termos amador e profissional no espaço esportivo permitem ser utilizados para se qualificar positiva como negativamente o vínculo do atleta. São termos polissêmicos que apresentam fluidez de sentido e contradições, dependendo do contexto em que é empregado. Nossa principal hipótese é que, a narrativa esportiva brasileira (dirigentes, torcedores, jogadores e da mídia) apresenta deslocamentos e ambigüidades entre o discurso romântico, cifrado pelos ideais amadores, e o discurso profissional, em que a racionalidade econômica deve imperar. Todavia, nos anos de 1930 tensões e retóricas a favor ou contra a implantação do profissionalismo estiveram presentes nas páginas dos periódicos nacionais, mas o profissionalismo se afirmou. Em contrapartida, o discurso amador permaneceu no seio dessa nova ética, com forte traço romântico, e passou a ser uma espécie de regulação, de freio, do interesse desmedido que pode ameaçar os valores do esporte no profissionalismo.

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