Resumo

Na letra de Faroeste Caboclo, do grupo Legião Urbana, um "senhor de alta classe com dinheiro na mão" faz uma "proposta indecorosa" para João de Santo Cristo, protagonista da história. Este a recusa: "Não boto bomba em banca de jornal nem em colégio de criança / Isso eu não faço, não / E não protejo general de dez estrelas / que fica atrás da mesa com o cu na mão". A música foi composta na virada dos anos 1970 para os 1980, durante o período de abertura política, dentro da década final da ditadura civil-militar. Lançada em disco em 1987, "chegou a ter a execussão proibida nas rádios".

A colocação de bombas em alvos civis foi uma das iniciativas escolhidas por servidores públicos militares e civis que discordavam do processo de abertura e desejavam manter intactas as estruturas de repressão, de forma que pudessem continuar com a mão na massa: prendendo, torturando, assassinando, estuprando, ameaçando, ocultando cadáveres, sequestrando etc. Em suma, encontrar os meios que fossem para prosseguir com o terrorismo de Estado. Afinal, o que é colocar bombas em alvos civis, senão terrorismo, não é mesmo? Cometer crimes desde o Estado é uma forma historicamente eficaz de jamais ter tal atos caracterizados como crimes e de ficar livre de toda e qualquer possibilidade de responsabilização (cível, penal etc.). Em especial, quando se vive no Brasil, onde todos os presidentes civis desde 1985 fizeram o possível para manter tal situação. Ao contrário do Chile, do Uruguai, da Argentina e do Paraguai, não houve juízos sequer dos que ocuparam a Presidência durante as ditaduras. Em alguns desses países, como Argentina e Chile, os processos contra centenas de acusados vêm tramitando há décadas, sem que a alternância de partidos na presidência da República interfira (nem mesmo presidentes de direita como Mauricio Macri e Sebastián Piñera). Memória, verdade e justiça tornaram-se política de Estado. Por aqui, livres e desembaraçados de qualquer tipo de preocupação, um conjunto de militares da ativa e da reserva ligados de diversas formas ao aparelho repressivo que mencionei no parágrafo anterior reuniu-se na candidatura a presidente em 2018 de quem todos eles sabiam ter sido um péssimo oficial do Exército Brasileiro: Jair Bolsonaro. Deu no que deu.

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