Resumo

O objetivo desta dissertação é analisar como a capoeira baiana passou a ser imaginada como símbolo de identidade brasileira por intelectuais e capoeiristas entre as décadas de 1930 e 1960, buscando responder a duas questões principais: quais foram os aspectos que levaram alguns intelectuais do período a se debruçarem sobre a capoeira baiana, selecionando para isso, certos traços, especialmente sua característica musical, na busca de interpretá-la como um símbolo de identidade regional e nacional? Como alguns dos principais capoeiristas baianos exploraram as relações e interpretações destes intelectuais e representantes do poder, confirmando ou contrariando suas idéias? A abordagem segue, principalmente, o método bibliográfico e explora um amplo conjunto de fontes produzidas pelas pessoas que são o foco da análise. Destacam-se, deste repertório, obras literárias e de cunho científico, entrevistas, reportagens, memórias, depoimentos, epístolas, filmes, documentários e discos. Parte dos documentos analisados, como os registros das canções da capoeira, periódicos, as trajetórias de alguns dos intelectuais e capoeiristas foram organizados em séries cronológicas. A abordagem teórica inspirou-se em trabalhos que enfatizaram a compreensão da ação social e criativa dos sujeitos diante das coerções e limites impostos por disposições de poder. Estudos que se detiveram sobre a construção simbólica da pureza africana, identificando seus usos e abusos foram importantes guias, assim como reflexões em torno das disputas pela hegemonia cultural ou sobre as relações entre elites e membros das classes populares. Ao mesmo tempo, a reconstrução das trajetórias de alguns personagens centrais contribuiu para estabelecer importantes vínculos entre as dimensões cultural e política das escolhas individuais. A par da diacronia, procuramos explorar também aspectos sincrônicos das relações entre os sujeitos envolvidos, analisando, por exemplo, a ampla penetração do tema da capoeira em múltiplas formas de expressão cultural. Os resultados da análise apontam para uma descrição pormenorizada de como intelectuais e representantes do Estado passaram a imaginar e se apropriar das manifestações populares como símbolos de identidade regional e nacional. Identificamos que entre estes dois grupos sociais indicados as ações não eram tão homogêneas, como poderiam parecer, o que também era verdade no caso dos capoeiristas, para os quais as estratégias se revelaram muito diferenciadas e criativas. A conclusão deste trabalho demonstra que a capoeira baiana, popularizada num período de apropriação massiva das manifestações populares por parte do Estado, também foi passível de se constituir em estratégia cultural, capaz de fazer a diferença para as pessoas que a produziam, deslocando assim disposições de poder. Nas inúmeras batalhas em que estiveram envolvidos, capoeiristas, intelectuais e outros atores procuraram garantir ou deslocar posições, sem deixar de tentar conciliar a imaginação que tinham da capoeira, com as outras expectativas envolvidas na disputa. Lutas e artes de encontro e desencontro.

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