Resumo

Considerando a temática deste dossiêcujo foco recai nas práticas corporais e esportiva e seu atravessamento com questões relacionadas às diversidades, entrevistamosBernardoGonzales, jogadore um dos organizadores do time de futsal amador de homens trans,Sport Clube T Mosqueteiros,sediado na cidade de São Paulo. A entrevista seguiu os procedimentos teórico-metodológicos da História Oral4, envolvendo as etapas de transcrição, copidesque, pesquisa, conferência pelo entrevistado e autorização para publicação. Por se tratar de uma entrevista longa, para essa publicação, fizemos alguns recortes privilegiando tópicos que detalham a militância de Bernardo dentro e fora das quadras.

Bernardo para iniciarnossa conversa gostaríamos que você falasse sobre sua aproximaçãocom o esporte.A minha relação com o esporte e comcorpo têm uma conexão muito potente porque desde criançaeu gosto muito de esporte. Eu sempre gostei de esportes coletivos, dos esportes de quadra, de estar ali em coletivo, de pensar estratégias. Euadorava assistir a Copa do Mundode Futebol, só que dessa perspectiva de um corpo que tinha muitadificuldade de, em primeiro lugar, se entender.Eu acho que,como uma criança nascida nos anos 90, essa dificuldade apareceu logo de cara porque eu nunca me senti uma menina.Essa ideia de ser uma garota, de estar ali aprendendo sobre as feminilidades, nunca foi algo que eu desejei, que eu tinha interesse.Pelo contrário:acho que eu negava essa feminilidade de muitas e muitas formas quando criança, mas eu também não tinha nada para colocar no lugar, porque me sobrava o nome, me sobrava os pronomes femininos, me sobravaser uma menina e sempre uma incompreensão muito grandedoque que era isso, do porquê que eu estava passando por aquilo.Se eu soubesse, por exemplo, que existia a ideia de transição, de que eu podia ser um menino, certamente eu teria feito essa escolha logo de cara.E aí o que aconteceu comigo foi que eu associei os elementos que eu tinha naquele momento. O que é que eu tinha naquele momento? A binaridade de gênero, que era,você é menina ou você é menino. Eu tinha uma família muito católicae o fato de ser cristãoou cristã à época era aquela bagunça. Eu tinha um desejo muito forte por meninas, já aparecia esse desejo e vinha embutido nessa ideia de sexualidade,a heteronormatividade compulsória. Então,para mim,só existiam essas duas opções. E na minha cabeça de criança,de Bianca, isso é uma coisa que eu gosto sempre de lembrar e eu demorei para resgatarque foiquando eu me dei um outro nome. Eume dei uma fantasia de criança em que eu me chamava Brunoe tinha um pênis e eu rezava para Deus todas as noites para que isso acontecesse comigo, assim, que aquele pênis nascesse porque era a única possibilidade de existência que eu tinha.Eu fui crescendoeo esporte me acompanhou. Quando eu era bem pequenininho, minha mãe comprou uma bola para mim, eu acho que a coisa da bola não é tão problemática. Mas conforme você vai crescendo, jogar futebol foi um problema.Minha mãe nunca incentivou que eu tivesse essa escolha, nunca me levou para uma escolinha de futebole osespaços que eu tinha de jogo eram na educação física ou então nosinterclasses da vidaque as escolas sempre faziam e eu jogava pelo feminino. Quando dava para disputar, porque nessa época também as meninas não tinham esse interesse pelo futebol, então,às vezes nem tinha timee nãoera permitido que eu jogasse com os meninos.Acho que meu primeirotorneiointerclasseondeexistiu uma disputa, eu devia ter uns 11 anos.Eu sempre gostei de praticar, mas eu não encontrava pessoas da minha idade que praticavam comigo e minha mãetambémnunca me levou para esses espaços. E acho que essa relação foi se dando de um jeito meio esquisitoporque eu não entendia sobre essas coisas e eu fui crescendoerejeitando a feminilidade de um jeito profundo.

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