Entrevista com Roberto Gesta de Melo
Por Roberto Gesta de Melo (Entrevistado), Victor Andrade de Melo (Autor).
Em ACERVO Revista do Arquivo Nacional v. 27, n 2, 2014. Da página 9 a 12
Integra
Roberto Gesta de Melo é um dos maiores colecionadores de artefatos esportivos do mundo. Sua Galeria Olímpica, localizada na cidade de Manaus, é um verdadeiro santuário dedicado ao tema. As mais de setenta mil peças de seus acervos nos ajudam a entender melhor a fascinante trajetória do fenômeno esportivo pelos mais diversos tempos e espaços. Apesar de ser uma coleção privada, Roberto Gesta já recebeu muitos pesquisadores, ajudando na realização de muitas investigações. É um conhecedor, um amante, um apaixonado pelo esporte.
Acervo. Roberto, qual o prazer de colecionar?
Roberto Gesta de Melo (RGM). Para mim, o prazer de colecionar está relacionado fundamentalmente à oportunidade ímpar de examinar documentos e artefatos, situando-os com mais precisão em um determinado contexto histórico. Nada substitui o acesso direto a essas fontes originais.
Acervo. Quem não conhece o colecionismo esportivo, pode achar que esse é um ramo muito pequeno. Parece, contudo, existir muita gente envolvida com o tema.
RGM. Existem milhões de interessados no mundo. Alguns juntam esporadicamente um ou outro objeto. Outros fazem isso de forma sistemática, dedicando-se ao estudo minucioso do fenômeno esportivo. Como qualquer outra atividade humana, ao redor do esporte há uma gama muito grande de artefatos. Os colecionadores, em geral, dedicam-se a determinados segmentos: a filatelia, a numismática, a parte documental, a memorabilia. Os interesses são diversos: ingressos para as competições, crachás, mascotes, pôsteres, vestimentas, livros, relatórios oficiais, relatórios de candidaturas, uma grande variedade de objetos. A
parte filatélica é variadíssima, não só pelos selos, mas também pela história postal, carimbos,
diferentes emissões.
Acervo. Como se relacionam esses colecionadores? Como os produtos são adquiridos?
RGM. Há clubes especializados, como o Olympin, e organizações como a International Society of Olympic Historians (ISOH). Também são relevantes as feiras periódicas, para venda e troca de material, a principal delas promovida anualmente pelo grupo de colecionadores olímpicos. Um desses encontros foi realizado no Rio de Janeiro, alguns anos atrás. É importante citar os negociantes. Vários deles são pesquisadores de primeira linha, com formação acadêmica e especialização na história do esporte. Seus catálogos são excelentes fontes de informação. Os itens podem ser adquiridos em leilões, em feiras, em sites na internet ou em acervos particulares. É importante verificar a sua procedência, para garantir que sejam genuínos. É interessante destacar que algumas falsificações por vezes valem mais do que as peças originais, pela apurada técnica empregada na sua confecção.
Acervo. Existem especialidades dentro das coleções?
RGM. Sim. Quem se dedica à parte de filatelia, geralmente se dedica só a isso mesmo. Da mesma forma ocorre com a numismática. Eu sou um dos raros colecionadores que sigo por todas as vertentes. Meu acervo tem peças de filatelia, numismática e memorabilia.
Acervo. Quantas peças tem hoje o seu acervo?
RGM. Mais de setenta mil peças. Muitos pesquisadores do mundo inteiro têm ido à Galeria Olímpica estudar, passar semanas fazendo pesquisa. A ideia é facilitar a pesquisa sobre as atividades esportivas, desde as antigas civilizações, como a egípcia, a grega e a romana, até os tempos atuais, passando pela Idade Média, o Renascimento e o início do esporte moderno na Grã-Bretanha, França, Alemanha, Suíça, Bélgica, Estados Unidos, Tchecoslováquia, União Soviética etc. Evidentemente, com grande ênfase no Brasil.
Acervo. Qual o perfil da sua coleção, o que há nela?
RGM. Há, na coleção, moedas e ânforas – etruscas, gregas e romanas – de cerca de quinhentos anos a.C.; moedas da Idade Média; tratados e livros, em edições originais, do século XVI, que foram de grande valia para o retorno aos ideais da Antiga Hélade (Della Vita Civile, De Arte Gymnastica, Agonisticon, odes de Píndaro, De Inventoribus Rerum); objetos e documentos dos eventos de tiro (Bundesschiessen) e de ginástica (Turnfest) na Alemanha, de tiro (Schützenfest) na Suíça; dos jogos Sokol e Olimpíada Denicka na Tchecoslováquia; dos Jogos Olímpicos Zappas em Atenas; dos Olympian Festivals do Reino Unido (Much Wenlock, Shrophshire e os National Olympian); das Espartaquíadas e dos Festivais da Juventude e de Estudantes na União Soviética e demais países comunistas; das Olimpíadas dos Trabalhadores; dos jogos olímpicos e mundiais femininos; dos Jogos Olímpicos de Woldenberg e Gross Born, de 1944, realizados nos campos de concentração nazista; dos Highland Games; das competições universitárias, como a rivalidade mais que centenária entre Oxford e Cambridge ou Harvard e Yale; dos Jogos da Comunidade Britânica e Pan-Americanos; das competições sul-americanas e muitos outros assuntos. No que diz respeito a Jogos Olímpicos modernos, a coleção é constituída pelo setor filatélico, o numismático e a memorabilia: medalhas de premiação e de participação, insígnias, pôsteres, relatórios oficiais e de candidaturas, programas, boletins, ingressos, identificações, mascotes, tochas, diplomas, pins até 1948, Jogos não realizados (1916, 1940 e 1944), fotografias, documentos. Por fim, material sobre a evolução histórica de determinadas modalidades: atletismo, ciclismo, tiro, ginástica, natação etc.
Acervo. E sobre o Brasil?
RGM. O Brasil é um capítulo à parte. A coleção possui muitos artefatos que de outra forma estariam perdidos. Tive que recuperar muitos objetos, principalmente documentos em papel que estavam se estragando e que teriam pouco tempo mais de vida. Passaram por processos químicos especiais para preservação, de forma a mantermos a história esportiva do país preservada.
Acervo. Se não me engano, algumas de suas peças já foram exibidas em exposições, inclusive no exterior.
RGM. Sim. Eu já levei cem peças para comemorar, em 2012, o centenário da Federação Internacional de Atletismo. Elas foram expostas em Barcelona, no Museu Juan Antonio Samaranch. No Catar houve uma exposição fantástica, com obras magníficas da Antiguidade Clássica dos principais museus da Europa, uma coisa grandiosa. Para lá levei uma tocha e duas medalhas. A outros museus internacionais já cedi algumas peças. E agora estamos montando, com um recorte de meu acervo, sete grandes exposições no Brasil.
Acervo. Como começou o seu interesse pelo esporte?
RGM. Em Manaus, aos 15 anos, criei e presidi um clube de jovens voltado para a prática de diversas modalidades, como o futebol e o tênis de mesa. Era o complemento de uma associação cultural que esse mesmo grupo tinha constituído um ano antes. A cidade passava por um período de recessão, após o esplendor do ciclo econômico da borracha e antes do advento da Zona Franca, fato agravado por sua distância dos centros mais desenvolvidos do país. Não havia muita atividade nos segmentos cultural e esportivo. Ainda adolescente, portanto, pude praticar, de forma amadora, diversos esportes e participar de pesquisas e discussões sobre temas correlatos.
Acervo. E como isso se transformou em interesse pelo colecionismo?
RGM. Meu avô materno, Manoel Barbosa Gesta, que vivia na casa de meus pais, era colecionador de selos e moedas. Ele foi a pessoa mais sábia – essa é a palavra exata que tenho para defini-lo – que conheci. Desde cedo, procurou despertar o meu interesse em estudar o que havia representado naqueles pequenos objetos. Incutiu-me, dessa maneira, o gosto pela história, geografia, o estudo de línguas. Como o campo de abrangência da filatelia e numismática é vastíssimo, decidi especializar-me em um tema que me era atraente: o esporte.
Acervo. E como começou sua coleção?
RGM. Muitos selos, moedas e livros herdei de meu avô. Leitor inveterado, fui ampliando, pouco a pouco, minha biblioteca, incluindo obras esportivas. Quando eu comecei em Manaus, longe de tudo, não tinha o menor conhecimento sobre como obter objetos. Aí, uma vez, no Rio de Janeiro, adquiri um livro sobre selos olímpicos e fui ao clube filatélico da cidade. Lá encontrei um negociante, Riso Besso, que me apresentou diversas séries postais ligadas aos Jogos Olímpicos. Passei a comprar selos com ele. Até que eu tive conhecimento, em 1979, que um grande colecionador de filatelia olímpica havia falecido no Rio de Janeiro, o dr. Plínio Ricciardi. Adquiri uma das mais completas coleções do mundo de selos esportivos e história postal. Quase no mesmo período, comprei parte do acervo filatélico de Eugênio Rappaport, técnico de atletismo no Brasil, de origem húngara, premiado em exposições internacionais. Até hoje o cerne da minha coleção é justamente o que eu adquiri dos dois. Eles tinham peças extremamente raras, além de vasto material em duplicata, que me serviu para permutar por moedas, medalhas e tochas. E uma coisa levava a outra. Eu achava que outro objeto ia me permitir um estudo mais aprofundado do fenômeno esportivo e acabei enveredando por muitos setores. Assim fui organizando meu acervo.
Acervo. Como os pesquisadores têm acesso à sua coleção?
RGM. Todos os pesquisadores interessados podem ter acesso à coleção. Na verdade, a Galeria Olímpica é visitada anualmente por dezenas de estudiosos de diferentes países. Um novo prédio foi construído para permitir o exame pormenorizado de objetos e a consulta a livros, revistas e documentos, com uma sala destinada à reprodução mecânica desse material, se necessário.
Acervo. Para você, qual a importância de colecionar artefatos esportivos?
RGM. O estudo dos fatos esportivos dentro do contexto histórico das sociedades é uma das formas mais interessantes e agradáveis para entender a evolução da humanidade através dos tempos. Muitos não se dão conta dessa importância.
Acervo. Por fim, Roberto, qual a importância do esporte?
RGM. Em civilizações muito antigas, a prática esportiva servia primordialmente de preparação para a caça ou o combate aos inimigos. Sem dúvida, foram os habitantes da Antiga Hélade que deram ao esporte a sua dimensão maior, pois entendiam o corpo e a mente como
elementos indissociáveis do ser humano, bem como a preparação física e as competições atléticas como indispensáveis à educação dos jovens. Hoje o esporte está incorporado ao cotidiano das mais diferentes sociedades e tornou-se ainda um negócio que gera bilhões
de dólares anualmente. Cada vez mais eu fico admirado como o esporte foi fundamental na evolução do homem.
Entrevista realizada por Victor Andrade de Melo