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Porquê agir corretamente? - a interrogação constitui o cerne da ética. Eis a resposta de Fernando Pessoa: “Digo-vos: praticai o bem. Porquê? O que ganhais com isso? Nada, não ganhais nada. Nem dinheiro, nem amor, nem respeito, nem talvez paz de espírito. Talvez não ganheis nada disso. Então porque vos digo: praticai o bem? Porque não ganhais nada com isso. Vale a pena praticá-lo por isto mesmo.”

O poeta estava inteiramente sintonizado com os ‘imperativos categóricos’ de Kant. Sabia que o sujeito se torna humano por ‘ser ético’, pela capacidade de inventar ficções e ideais que estabelecem a distinção entre o bem e o mal. Torna-se ‘livre’ e ‘virtuoso’ ao orientar a ação pelo primeiro, pelo benefício geral, ‘desinteressadamente’, superando interesses particulares. É nesta conformidade que os códigos multisseculares postulam a ‘ética da compaixão’ com o próximo e com a natureza: “Age de tal modo que o teu agir se possa converter em regra universal! Acolhe o gosto de fazer aos outros o que gostarias que eles fizessem a ti!”

O imperativo de ‘agir bem’ intima a vontade a recusar a tentação animal ínsita em nós, a ganhar distância do natural e particular, a caminhar na direção do universal, a perseguir a perfetibilidade cívica e moral e edificar a liberdade neste empreendimento. Isto requer autolimitação, esforço e mérito, pressupostos para garantir a coexistência pacífica, ao alcance de todos. Logo, a ética é, no dizer de Kant, ‘igualitária’ e ‘meritocrática’: ninguém está dispensada dela; todos têm condições e estão obrigados a pertencer à corporação dos sujeitos de ‘Boa Vontade’, disponíveis para sobrepor o bem comum ao egoísmo.

Deste jeito Kant define a liberdade como uma virtude adquirida na fuga à naturalidade dos instintos, sob a supervisão da razão ou espírito crítico. É isto que nos emancipa da animalidade, conduz à maioridade humana e abre vias para a dignidade, a identidade e a felicidade, e visa evitar o mal dos conflitos e da guerra.

A consciência ética atende a máxima de Ortega y Gasset, com raízes na herança judaico-cristão: “Eu sou eu e a minha circunstância. Se a não salvo a ela, não me salvo a mim.” E também não fica insensível à proclamação da escritora luso-goesa Faíza Hayat: “O que me sustenta é a beleza. (...) Rezo a tudo o que floresce e frutifica. Nada que cante ou que dance me é indiferente. Nada que fira ou destrua me é semelhante.”

30.05.2025
Jorge Bento

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