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Fortemente apoiados por um poderoso marketing, congregando os mais variados interesses e sustentados pelas mensagens ufanistas dos meios de comunicação social, eventos esportivos internacionais, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, soem ser vendidos ao público como veículos de paz e congraçamento entre os povos. Existiriam evidências (passadas e presentes) para sustentar alegações como essa?

Teriam as Olimpíadas, em suas origens, contribuído para melhorar as relações entre atenienses e espartanos? Impediram a Guerra do Peloponeso? E, mais recentemente (1936), os Jogos Olímpicos de Berlim (que desagradaram ao então chanceler alemão porque nem todas as medalhas ficaram com a Alemanha) puderam evitar o ódio desencadeado entre os beligerantes quando da eclosão da Segunda Guerra Mundial?
E o que dizer dos Jogos Olímpicos de Munique, de 1972 (os “jogos alegres”), palco de um terrível atentado que dizimou atletas e técnicos de um país participante (a delegação israelense)? Na ocasião, no entanto, as Olimpíadas tiveram prosseguimento, como hoje ainda prosseguem, arrogando méritos extraordinários aos vencedores, atribuindo glória às nações e fomentando nacionalismos, ao contrário do que propagam.

A Rússia abriu suas portas ao mundo para os Jogos Olímpicos de Inverno em 2014, em Sotschi: o que acontecerá com a infraestrutura montada após os atletas e a mídia terem feito suas malas e voltado para casa? Em Pequim, a arquitetura olímpica revelou-se “um conjunto de instalações desportivas não utilizadas, com poucos ou nenhum plano para reutilização”, escreve Mark Byrnes em The Atlantic Cities.

Como garantir a resiliência a longo prazo das cidades hospedeiras? Lembramos o exemplo de Los Angeles, que, ao invés de construir locais olímpicos novos, reutilizou e melhorou as instalações existentes, aperfeiçoando a sua infraestrutura, bem como o projeto de Sydney, ao construir 900 townhouses e 300 casas com painéis solares e unidades de reciclagem de água.
O conceito e a legitimidade das estratégias de desenvolvimento devem integrar cultura, educação, esporte, saúde e entretenimento à luz de novos paradigmas de crescimento, poder, riqueza, trabalho e liberdade, cuja incorporação pelas próprias instituições existentes (culturais, sociais, políticas e econômicas) é a condição sine qua non para o desenvolvimento integral da qualidade de vida.

Em meus tempos de estudante do ensino secundário, os professores de Educação Física diziam que nada significa, em uma competição, chegar alguns segundos adiante dos demais, porque o que importa, sob o aspecto fisiológico, é respeitar o ritmo de cada um e suas características somáticas. O que dizer do aspecto psicológico, em que o ego dos vencedores é exaltado e o dos perdedores nem sempre é considerado?

O futebol, em suas origens, possuía características amadorísticas, mas agora arregimenta empreendimentos milionários, envolvendo governos, corporações de negócios e um público que, empolgado pelo espetáculo, deixa de lado, por instantes, as agruras do dia a dia e os prejuízos à saúde física e mental, à segurança e à qualidade de vida nas megalópoles de hoje.
Com a violência das torcidas organizadas, como estão os ideais clássicos de mens sana in corpore sano? Reeditamos os espetáculos do Coliseu da antiga Roma, onde as piores atrocidades eram praticadas (ou testemunhadas) como diversão? Há “desenvolvimento” quando pretensas melhorias econômicas coincidem com o aumento geral da criminalidade (nos estádios e fora deles)?

Grandes diferenças de poder entre pessoas físicas e jurídicas (pessoas singulares e pessoas coletivas) levam a uma influência substancial das corporações de negócios nas políticas públicas e assuntos de Estado. As inovações tecnológicas (energia, transporte etc.) esbarram na resistência dos interesses estabelecidos e são desativadas, como já aconteceu no passado.

É o que ocorreu com o transporte de superfície sobre trilhos (bondes elétricos), uma “inovação” de mais de cem anos, cujo retorno (ou incremento) nas principais cidades europeias (preocupadas com os gastos de energia e a eliminação da poluição, com o conforto e a mobilidade da população) já é uma realidade nos dias de hoje. Megaprojetos não garantirão uma melhor qualidade de vida.
Em um modelo ecossistêmico, as quatro dimensões de estar-no-mundo (íntima, interativa, social e biofísica) estão conjugadas e promovem sua sustentação mútua, em termos de sua singularidade e reciprocidade. A questão básica é como efetuar mudanças se o poder e os interesses estão distribuídos desigualmente e as forças dominantes se beneficiam de práticas predatórias.

Segundo Collins e Makowsky (The Discovery of Society), apenas 3% a 5% das elites no topo da escala de influência (econômica, política, educacional, cultural, militar, artística, mediática e de entretenimento) seria suficiente para transformar a mentalidade das pessoas e alterar o curso dos acontecimentos. Então, por que as coisas não mudam, quem são os beneficiários do “sistema”?
 

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