Resumo
A redução da força muscular oriunda da cirurgia bariátrica pode aumentar a morbidade e o risco de mortalidade independente da melhora nos fatores de risco para doenças cardiovasculares. É sabido que a intervenção cirúrgica reduz a massa muscular o que pode explicar, ao menos em parte, a perda de força. A massa muscular é regulada por um balanço entre síntese e degradação de proteínas (balanço proteico). Indivíduos com obesidade apresentam uma resistência anabólica que pode ser parcialmente atribuída à uma atenuada ativação da via da mTOR, aumentada atividade do proteassoma e conteúdo de células satélites e capilares reduzidos. O exercício físico é uma potencial estratégia para contrapor os efeitos adversos inerentes à cirurgia, porém as adaptações musculares nesta população ainda não estão elucidadas. O objetivo deste estudo foi investigar os efeitos do exercício físico na massa muscular, força e funcionalidade de pacientes submetidas à cirurgia bariátrica. Ademais, foi examinado os impactos da cirurgia e do exercício em mecanismos reguladores da massa muscular. Oitenta mulheres candidatas à cirurgia bariátrica foram alocadas aleatoriamente em 2 grupos: cirurgia bariátrica (RYGB) e cirurgia bariátrica mais treinamento físico (RYGB+TF). Antes (PRE), 3 (3MESES) e 9 meses (9MESES) após a cirurgia foram avaliados a força absoluta e relativa dos membros superiores e inferiores, funcionalidade (teste de “levantar e ir” e “sentar e levantar”), composição corporal (massa gorda, massa livre de gordura total e dos membros superiores e inferiores), área de secção transversa das fibras musculares tipo I e II (ASTf), conteúdo de mionúcleos, domínio mionuclear, conteúdo de capilares (CC), número de capilares por fibra (C/Fi), número de capilares por perímetro da fibra (CFPE), conteúdo de células satélites (SC), sequenciamento do RNA mensageiro (RNA-seq) e expressão de genes e proteínas relacionadas às vias de síntese e degradação de proteínas. Ademais, um grupo controle (CTRL) composto por 20 mulheres eutróficas realizou todas as avaliações a fim de gerar valores comparativos para as possíveis modificações observadas nos grupos experimentais após o período experimental. O RYGB+TF foi submetido a um programa de exercícios físicos (aeróbio e força) durante 6 meses (iniciado 3 meses após a cirurgia), enquanto o RYGB realizou apenas o tratamento médico padrão. Os dados foram analisados por intenção de tratamento utilizando uma análise de modelos mistos para medidas repetidas. Em caso do F significante, um post hoc de Tukey foi utilizado para comparações múltiplas. Para identificar potenciais efeitos da intervenção nos parâmetros de composição corporal, a diferença absoluta entre os tempos 9MESES e PRE foi calculada em cada um dos grupos experimentais e, assim, os grupos foram comparados por um teste t de Student. Para comparar os grupos experimentais no momento 9MESES com o CTRL, os valores de ASTf, capilarização, SC, força muscular e funcionalidade de cada paciente no momento 9MESES foram transformados em escores padronizados (i.e., escore Z) com os valores de média e desvio padrão do grupo CTRL como referência. Em seguida, os valores foram comparados por meio de uma análise de variância de uma via e, em caso de F significante, um post hoc de Dunnett foi realizado para comparações múltiplas. O nível de significância adotado foi de P≤0,05. Uma redução significante da força absoluta e relativa dos membros superiores e inferiores foi observada 3 meses após a cirurgia em ambos os grupos (efeito principal de tempo: P<0,05). Em contrapartida, o grupo treinado mostrou um aumento da força muscular em ambos os segmentos corporais no 9MESES em comparação ao 3MESES (todos P<0,05), enquanto o grupo não treinado não apresentou nenhuma mudança significante nesta mesma comparação (todos P<0,05). Quando comparado os grupos após à intervenção, o grupo RYGB+TF exibiu valores maiores de força absoluta em ambos os segmentos que o RYGB (todos P<0,05). O desempenho nos testes “levantar e ir” e “sentar e levantar” foi melhorado ao final do período experimental (9MESES vs. PRE) em ambos os grupos (todos P<0,05). Importantemente, o grupo treinado apresentou melhor desempenho da funcionalidade em ambos os testes que o não treinado após à intervenção (ambos P<0,05). A massa corporal, índice de massa corporal, massa gorda e massa livre de gordura diminuíram no 3MESES e 9MESES em comparação ao PRE (efeito principal de tempo: todos P<0,05). A análise dos deltas revelou que o grupo treinado atenuou a perda de massa livre de gordura total e dos membros inferiores em comparação ao grupo não treinado (ambos P<0,05). Três meses após a cirurgia bariátrica (3MESES vs. PRE) houve uma redução significante na ASTf tipo I e II em ambos os grupos (efeito principal de tempo: P<0,05). Em contrapartida, o grupo treinado mostrou incrementos na ASTf tipo I e II no 9MESES em relação ao PRE e 3MESES (todos P<0,05). Quando comparado os grupos no momento 9MESES, o grupo treinado apresentou maior ASTf tipo I e II que suas contrapartes não treinadas (ambos P<0,05). O grupo treinado aumentou o CC, C/Fi, CFPE e SC no 9MESES em comparação ao PRE e 3MESES (todos P<0,05), enquanto nenhuma mudança significante foi observada no grupo não treinado (todos P>0,05). O RNA-seq revelou que a via ubiquitin mediated proteolysis estava suprimida no grupo treinado no 9MESES em comparação ao PRE (P<0,05). Em concordância, o grupo treinado mostrou uma redução na expressão do gene Atrogin-1 (marcador de degradação proteica mediada pelo sistema ubiquitina-proteassoma) no 9MESES em comparação ao PRE e 3MESES (ambos P<0,05). Já o grupo não treinado não apresentou alterações significantes nestas mesmas análises. Ambos os grupos apresentaram redução na expressão dos genes BNIP3 e CTSL1 (ambos marcadores do sistema autofágico) e da proteína p-4E-BP1/4E-BP1 no momento 9MESES em comparação ao PRE e 3MESES (efeito principal de tempo: todos P<0,05). Por fim, o grupo treinado mostrou um perfil de expressão gênica e características musculares (i.e., diâmetro da fibra muscular, capilarização, força e funcionalidade) comparáveis ao grupo de mulheres eutróficas (CTRL) ao final do período de intervenção, enquanto o grupo não treinado ainda apresentava valores inferiores aos observados no grupo CTRL. Nossos resultados indicam que um programa de exercícios físicos atenua a redução da massa livre de gordura, reverte a perda de força muscular e promove pronunciado aumento da funcionalidade de mulheres submetidas à cirurgia bariátrica. Desta maneira, é possível sugerir que o treinamento físico sistemático deve ser inserido no tratamento pós-operatório desta população a fim de conter os efeitos adversos da cirurgia no músculo esquelético.