Resumo
A tese analisa as funções sanitárias projetadas pela disciplina de Higiene para a Educação Física no curso superior da Escola de Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (ESEF/UFRGS). A fundamentação teórico-metodológica adotada é a Análise do Discurso Foucaultiana, a qual tem por características destacadas a importância entre texto analisado e contexto, a concepção de história do presente e a utilização de ferramentas conceituais. Foram adotadas, para a condução da investigação e da análise, as seguintes ferramentas conceituais da teorização de Michel Foucault: discurso; saber/poder; e biopolítica. Os textos que serviram de base para a composição do corpus analítico foram documentos produzidos para a disciplina de Higiene ministrada para o curso superior de Educação Física da ESEF/UFRGS e as referências utilizadas para a sua elaboração ou recomendadas para leitura. O estudo compreende o período entre 1941 (ano em que foi oferecido pela primeira vez o curso superior em Educação Física) e 2011 (último ano em que a disciplina de Higiene é oferecida nas grades curriculares). Para a análise dos documentos adotei como conceito sistematizador “função sanitária” para tratar e dar visibilidade ao papel social de intervenção junto à saúde da população projetado para os estudantes (futuros profissionais) de Educação Física na disciplina de Higiene. A questão que norteou a pesquisa foi: de que forma se apresentam, e como se transformam ao longo do tempo, funções sanitárias projetadas para a Educação Física na disciplina de Higiene da ESEF/UFRGS? Foram adotados como critérios de rigor, buscando conferir qualidade à pesquisa: coerência teórica; contextualização (situatedness); claridade e transparência na descrição do percurso (audit trail); e reflexividade (reflexivity). Durante os 70 anos em que a disciplina foi oferecida ao curso superior de Educação Física, três professores, todos eles médicos, destacaram-se quanto ao período em que permaneceram como docentes: Poli Marcellino Espírito (1941-1972); Ernani Saldanha Camargo (1975-1987); e Mauro Luiz Pozatti (1988-2011). Nos primórdios da ESEF, as funções sanitárias projetadas para a Educação Física apresentam influências do contexto sanitário de combate às doenças infecciosas, do contexto econômico do processo de industrialização, da evocação de um espírito nacionalista e da importância atribuída à Higiene Escolar e à educação higiênica. As funções sanitárias projetadas têm por base um projeto de corpo do pensamento médico-higienista: que é disciplinado a ponto de adotar as prescrições de hábitos necessários a evitar infecções e melhorar a saúde; que pretende um trabalhador produtivo e de espírito disciplinado que contribuísse para o crescimento da nação e para o bem-estar social; que é belo e gerador de boa prole para melhoria da raça. Após a federalização da ESEF em 1970, a disciplina passa a ser oferecida a partir da Faculdade de Medicina através do recém-criado Departamento de Medicina Preventiva, Saúde Pública e Medicina do Trabalho. O campo de atuação no qual são projetadas as funções sanitárias desloca-se do ambiente escolar à organização de um sistema de saúde; e os profissionais de Educação Física são considerados enquanto “integrantes de uma equipe de saúde”. O período sob a regência do último professor é marcado por uma abordagem holística de saúde, promovendo olhares de contraponto à racionalidade biomédica ocidental. Nesse período, as funções sanitárias projetadas estão caracterizadas pela busca de consciência das múltiplas dimensões que constituem o indivíduo e suas inter-relações, e pela necessidade de investir na “inteireza do Ser”. Ao final, podemos concluir que as mudanças dos contextos socio-histórico, sanitário, institucional e curricular deslocaram a disciplina de Higiene de uma posição de destaque na formação superior em Educação Física a uma posição marginal, e que as funções sanitárias projetadas foram distintas diante desses diferentes contextos.