Futebol na Escola: Muito Mais Que Jogar, Explorar o Mundo Através do Conhecimento Construído Pelo Esporte.
Por Vanessa Mendis da Silva (Autor).
Em X EnFEFE - Encontro Fluminense de Educação Física Escolar
Integra
Introdução
Nos últimos anos a Educação Física brasileira procurou investir num desenvolvimento cada vez mais voltado para a prática educacional. Mesmo assim, ainda persiste o modelo tradicional, que ligado a diferentes questões, dentre elas a aptidão física, utiliza o esporte, na maioria das vezes, como meio de segregação daqueles que são ditos como menos habilidosos ou incapazes dos aptos ou melhores.
Esse tipo de pedagogia utilizada, segundo Paulo Freire, é a pedagogia do dominante, que se fundamenta em uma concepção bancária de educação (predomina o discurso e a prática, na qual, quem é o sujeito da educação é o educador, sendo os educandos, como vasilhas a serem enchidas), muito encontrada ainda em nossas aulas de Educação Física, pois muitos educadores se contentam em apresentar o conhecimento pronto aos educandos, não lhes permitindo construí-lo através das suas próprias possibilidades, bastando-lhes reproduzi-lo da forma com que lhe fora ensinado.
Nessa perspectiva o Futebol vem sendo ensinado apenas como simples jogo, onde o que prevalece é o jogar futebol, o chamado "jogo pelo jogo", desvalorizando a importância do conhecimento histórico-social do esporte, restando apenas o interesse pelo conhecimento técnico. Esta maneira de ensinar, em que o educador não se interessa pela transformação dos seus educandos, mas pela reprodução das verdades prontas, é de certa forma criticada por Paulo Freire quando afirma que "transformar a experiência educativa em puro treinamento técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter formador. Se se respeita a natureza do ser humano, o ensino dos conteúdos não pode dar-se alheio à formação moral do educando. Educar é substantivamente formar" (FREIRE, Paulo: p 36-37.2000).
E o pior é que educandos acreditam e esperam que aulas de Educação Física se transformem num treino de habilidades, não existindo a necessidade de se conhecer o esporte por uma outra ótica.
Partindo desse ponto, percebeu-se a necessidade de promover aos educandos uma outra forma de vivenciar o Futebol, de uma maneira com que todos participassem e opinassem nas aulas, independentes de terem ou não as habilidades necessárias desenvolvidas.
Dessa maneira, a riqueza contida no ensino do Futebol não se baseia apenas no desenvolvimento dos elementos técnicos-táticos e das habilidades motoras do indivíduo, como a coordenação motora, lateralidade, agilidade, velocidade de reação, etc., mas também no conhecimento dos códigos e significados que a sociedade lhe imprimiu, caracterizando-o como fenômeno social, em que se deve "questionar suas normas, suas condições de adaptação à realidade social e cultural da comunidade que o pratica, cria e recria" (COLETIVO DE AUTORES: p71, 1992), além do resgate de valores que privilegiam o coletivo sobre o individual, a solidariedade, o respeito humano, construindo continuadamente a criticidade e autonomia nos alunos.
Justificativa
O trabalho foi desenvolvido com base nas experiências durante as aulas de Educação Física do 3º ciclo do Ensino Fundamental no segundo bimestre de 2006, realizado em uma escola de ensino privado no município de Teresópolis (Escola Verde), com o intuito de proporcionar o ensino do desporto por uma ótica que privilegiasse a compreensão dos conhecimentos que o transformou num fenômeno social, despertando a criticidade e autonomia dos mesmos.
Quando foi mencionado que o conteúdo a ser trabalhado seria o Futebol, as primeiras expressões foram de euforia por um lado e decepção por outro, principalmente pelo grupo feminino. Contudo, a turma aceitou positivamente a proposta do plano de curso da disciplina, expondo, então, a maneira com que esperavam vivenciar o Futebol nas aulas de Educação Física, destacando principalmente a experiência prática do ensino da técnica-tática do esporte.
Além da preocupação com o ensino do esporte de uma maneira diferente da que se esperava, houve também a necessidade da desmistificação de que o esporte era apenas para os meninos, sendo necessário o trabalho dos gêneros e a compreensão da importância do Futebol no desenvolvimento de ambos os sexos.
Objetivo
Assim este trabalho pretende contribuir em vários aspectos, entre eles podemos citar como principal o de contribuir no desenvolvimento da criticidade dos educandos diante dos âmbitos social-econômico-político-cultural em que o Futebol está inserido. Neste sentido, o despertar do aluno para a pesquisa, compreender e opinar sobre o conhecimento produzido nas aulas, e analisar e resgatar as manifestações do futebol no seu lazer, através dos jogos populares e sua importância no cotidiano, são também outros fatores importantes a serem alcançados neste trabalho.
Metodologia
O trabalho foi desenvolvido com base nas experiências dos educandos do 3º ciclo do Ensino Fundamental, realizada em uma escola de ensino privado no município de Teresópolis (Escola Verde), e foi motivado pelo complexo confronto entre o ensino do Futebol apenas no aspecto motor, que é a realidade da maioria das aulas de Educação Física atual, e o Futebol experimentado nos aspectos histórico-político-econômico-social, contradizendo a expectativa dos educandos, mas contribuindo com a formação crítica e autônoma dos mesmos.
As reflexões a que se ateve este trabalho partiram das seguintes questões: o ensino do Futebol apenas no aspecto motor, valorizando-se apenas o conhecimento da técnica-tática do esporte, facilitando a exclusão dos menos habilidosos, das meninas e, dessa maneira, o abandono de oportunidades de vivenciar diferentes experiências motoras, afetivas, cognitivas e sociais, não se permitindo participar da cultura corporal do movimento. Além do pouco conhecimento sobre tudo o que cerca o Futebol e como este influencia na vida das pessoas, em especial daqueles que sonham em ser jogadores. Por fim, promover a oportunidade dos educandos compreenderem e tornarem-se capazes de criticar esses aspectos e recriá-los de acordo com suas expectativas e condições, aproximando mais o esporte do seu cotidiano.
No período prático do conteúdo Futebol no 2º bimestre, que durou aproximadamente 2 (dois) meses, divididos em 14 (quatorze) aulas, os educandos fizeram uma leitura e interpretação do histórico e de livros didáticos sobre Futebol, confeccionando em duplas cartazes informativos sobre os aspectos histórico-culturais do esporte; assistiram um vídeo sobre a Copa do Mundo de 1994 e construíram cartazes sobre os pontos positivos e negativos observados nos acontecimentos deste campeonato, como a "Violência X Fair play", dopping, ética no esporte, etc, identificando-os e analisando-os nos dias de hoje, através de um debate na sala de aula. Além disso, eles participaram de jogos recreativos de Futebol, em que houve a participação de toda a turma, e de educativos dos fundamentos do esporte de maneira lúdica.
A turma também apresentou os jogos populares que utilizam no seu lazer, quando brincam de "jogar futebol" (Gol a gol, Um toque, Bobinho, Toquinho, Artilheiro, Artilheirinho, Golzinho de praia), muitos pesquisados com seus pais e parentes, resgatando a cultura popular das ruas e praças em que o Futebol motivava o descanso e a folga de muitos, destacando a importância das brincadeiras de rua comentada por João Batista Freire quando cita " Pés descalços, bola, brincadeiras, são alguns dos ingredientes mágicos dessa pedagogia de rua que ensinou um país inteiro a jogar futebol melhor do que ninguém." (FREIRE, João Batista: p. XIV. 1998 )
Na última avaliação da turma foi construída uma redação sobre tudo o que o Futebol contribui no desenvolvimento deles, principalmente o que mais gostaram de conhecer, daquilo que não esperavam estudar, relatando suas experiências e opiniões sobre a forma de trabalho utilizada, além de fazerem uma auto-avaliação de sua postura durante as aulas e na busca de conhecimento.Segue então algumas opiniões dos educandos sobre o Futebol:
"Eu aprendi melhor as coisas que eu não sabia do Futebol. Jogando, brincando, ensinando os outros que não sabem jogar e etc." (Vinícius, 11 anos)
"Aprendi que o Futebol tem histórias e várias maneiras de se jogar. Eu aprendi o Futebol no jogo com gol móvel, o futebol com quatro gols, em dupla (...) Que o Futebol pode ensinar, que não é só treinar..." (Antônio Victor, 11 anos).
"Às vezes, se a pessoa se interessar, o Futebol pode ajudar em várias coisas como a respiração, a musculatura, etc. Ele não só pode ajudar no corpo, mas também na mente..." (Deborah, 11 anos).
"Eu entendo que Futebol tem dois times, que é um jogo. Mas também tem o outro lado, como se aprender cultura, que é mais que só jogar..." (Thiago, 11 anos).
Conclusão
Este trabalho não tem a intenção de ser um modelo pronto de metodologia de aplicação do Futebol na escola, mas sim de ser uma apresentação de uma perspectiva diferenciada nas aulas de Educação Física na introdução do esporte. Não de um esporte que valoriza o auto-rendimento na escola, muitas vezes precoce e desumano, desestimulando um grupo maior, mas sim de um esporte em que é possível a participação de todos na construção de um conhecimento emancipatório, mais preocupado com a formação deste cidadão do que com a instrumentalização técnica destinado ao trabalho.
Em relação aos educandos e sua identificação com a metodologia aplicada, o grupo entendeu que há diferentes possibilidades de conhecer, analisar e criticar o esporte, no caso o Futebol, assim como a gama de conhecimentos construídos socialmente através dele, permitindo abordar diferentes aspectos e vivenciar novos conflitos, sem desmerecer o aspecto motor e os elementos técnicos-táticos do esporte.
Entre todos os educandos, manifestou-se ainda a curiosidade sobre outros aspectos encontrados no esporte, entre eles a identificação do Futebol como uma paixão nacional, destacando assim um interesse pela dimensão sociológica e antropológica que o envolve. Dessa forma o grupo foi capaz de compreender a afirmação de que "a partir de diferentes óticas, pode-se entender que o ensino do Futebol na escola é mais que ‘jogar futebol’, muito embora o ‘jogar futebol’ seja elemento integrante das aulas de Educação Física". (COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do Ensino de Educação Física, 1992).
Contudo, em meio a reflexões e conhecimentos tão enriquecedores, foi possível concluir que as aulas de Educação Física podem ser mais que o treinamento das habilidades necessárias à prática desportiva, pois foi possível favorecer aos educandos o caminho da busca pelo conhecimento cultural, permitindo-lhes uma formação mais completa e rica através da ludicidade e diversão, colaborando para a formação de indivíduos críticos e emancipados.
Obs, Os autores, Vanessa Mendis da Silva (vanessamendis@gmail.com.br) é acadêmica da UNIVERSO e o Esp. Edson Farret da Costa Júnior é professor da UNIVERSO e UNIPLI.
Referências bibliográficas
- Coletivo de autores. Metodologia do Ensino de Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992.
- Freire, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
- Brasil. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Educação Física. Brasília: MEC, 1998.
- Freire, João Batista. Educação de Corpo Inteiro. Teoria e prática da Educação Física. Campinas: Scipione, 1989.
- Freire, João Batista. Pedagogia do Futebol. Londrina: Midiograf, 1998.
- Revista Nova Escola. Fundação Victor Civita. Edições abril/2002 e maio/2006