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O livro Futebol e sociedade , de autoria de Heloisa Helena Baldy dos Reis e Thiago Aragão Escher, aborda as relações entre sociedade, futebol, violência e torcedores e é uma contribuição acadêmica não somente para estudiosos do assunto, como para leigos e apaixonados pela temática do futebol e suas relações.A obra consegue combinar rigor acadêmico e leitura fácil e apresenta-se dividida em duas partes que se completam de modo instigante. Os autores desenvolvem importante incursão pela história do futebol, sua chegada ao Brasil e a formação dos primeiros clubes no eixo Rio-São Paulo, além de apontarem aspectos dessa história que denunciam a popularização do futebol fortemente atrelada ao vínculo estabelecido entre o referido esporte e os meios de comunicação de massa.A metodologia norteadora do trabalho e as reflexões foi a combinação entre pesquisa bibliográfica e pesquisa de campo.Na primeira parte, os resultados da pesquisa bibliográfica oferecem ao leitor a fundamentação teórica da pesquisa a partir da qual são discutidos aspectos sociais do futebol, sua significação social, sua profissionalização, a criação dos primeiros clubes, sua importância para os brasileiros e a restrita participação das mulheres nessa área.

A segunda parte da obra apresenta os resultados de uma pesquisa de campo, que por critérios de relevância se deu durante o campeonato brasileiro de 1996 série a, sendo que os dados da pesquisa foram coletados no Palestra Itália por critério de acessibilidade. Os instrumentos de pesquisa foram as entrevistas aos torcedores, observação não-participante além da gravação dos sons emitidos pela torcida durante os espetáculos.

Os dados levantados dão subsídios à discussão desenvolvida e estabelecida a partir da presença do futebol na sociedade, a flagrante diminuição de público nos estádios, especialmente no campeonato brasileiro de 1996, objeto principal do estudo, visando uma maior compreensão das relações travadas entre futebol e violência.
O referencial teórico utilizado pelos autores está baseado nas abordagens de Elias e Dunning (1992) e Dunning (1999) acerca do esporte moderno, especialmente o futebol, a partir de uma discussão pautada na teoria do processo civilizador, na qual não se estabelecem limites entre história e sociologia, o que torna as análises e discussões ricas e detalhadas.
Ao discutir o futebol, os autores não se restringem somente ao jogo, abordam desde aspectos do seu surgimento, a chegada ao Brasil e os passos de sua profissionalização, passando pelo tema da sua institucionalização, discutindo, ainda, questões referentes ao comportamento, hábitos, gestos, vestimentas, materiais próprios do universo do futebol.
O esporte é discutido não apenas da perspectiva da espetacularização,
mas também pelo enfoque da sua transformação em mercadoria da indústria cultural, pois, sendo uma atividade de lazer, se torna, de acordo com os autores, detentor de cifras altamente lucrativas, uma vez que se trata do esporte mais assistido em diversos países.
Pautados na teoria do processo civilizador de Elias e Dunning (1992), Reis e Escher defendem que esportivização e industrialização apresentam sintomas de transformações profundas ocorridas na sociedade, não sendo relações de causa e efeito, e sim de um processo em contínuo desenvolvimento.Assim, afirmam Reis e Escher que os esportes modernos são menos violentos que os passatempos que os antecederam, uma vez que apresentam regras rigorosas com relação ao uso da violência entre os jogadores.
Ainda quanto à violência, salientam que o uso de câmeras televisivas tem interferido na postura dos jogadores e contribuído para a diminuição da violência esportiva.
Nesse sentido, de forma bastante sutil e inteligente, Reis e Escher conferem à mídia a função de importante parceira no controle da violência, mas para isso ela teria que deixar de espetacularizar as cenas captadas nos estádios, pois, conforme sugerem murphy, Williams e Dunning (1994), a forma banalizada e sensacionalista com que a violência é tratada pela mídia acaba transformando-a em “amplificador” da violência.
Responsabilizar as torcidas organizadas pela violência nos estádios e, a partir daí, extingui-las não dá conta da resolução de um problema que é ainda mais complexo. Pode essa medida apresentar efeitos pacificadores imediatos e temporários, porém, não resolve este que é um problema de grande amplitude, pois se trata de um processo social.
Dessa forma, argumentam os autores que culpar as torcidas pela violência é algo que não procede, tampouco resolve o problema, além de contribuir apenas para o esvaziamento daquilo que poderia ser uma forma de organização social.
A obra traz à cena não somente estudiosos do tema que estabelecem uma relação entre o futebol e as questões políticas e sociais mais amplas, mas também autores que vêem no esporte explicações psicológicas ligadas às emoções humanas.
O futebol representa grupos em tensão controlada, além de ser um dos principais meios de excitação agradável e de identificação coletiva, conforme a teoria sociológica empregada nesse estudo. Ao considerar o papel de quebra da rotina das atividades miméticas, é essencial o entendimento de que essas atividades não apresentam um simples caráter compensatório das habituais tensões do dia-a-dia. As pessoas procuram as atividades miméticas, principalmente o esporte, pela excitação agradável provocada pela partida, pela tensão que é concedida por essa atividade, e não simplesmente pela liberação de tensões e do estresse da vida contemporânea.
Reis e Escher não apresentam uma visão idealista ou ingênua sobre o futebol. Ao contrário, questionam idéias como a que toma o esporte como exemplo de democracia, solidariedade e saúde e a que atribui um caráter funcionalista às atividades esportivas. Em tempo, os autores também lembram que o futebol não é o “ópio do povo”, mas passa a ser instrumento que reforça as idéias do capitalismo. Discutem ainda a idéia do mito da ascensão por intermédio do esporte.
Com propriedade e muita clareza, os autores analisam a complexa relação existente entre futebol e sociedade e a busca da compreensão das raízes da violência presente nos espetáculos futebolísticos. Percebem a necessidade de se criarem categorias de público freqüente nos estádios de futebol, negando a compreensão do senso comum, constantemente reforçada pela mídia, que atribui a responsabilidade pelos eventos violentos em dias de jogos apenas a uma parcela desse público. Pautados em argumentos científicos, Reis e Escher denunciam que o problema da violência ultrapassa os limites do futebol. Dentre as medidas tomadas para a diminuição da violência nos espetáculos futebolísticos no estado de São Paulo, os autores sublinham a proibição da venda de bebidas alcoólicas nos estádios e sugerem um policiamento especial com caráter preventivo. No entanto, não deixam de mencionar a necessidade de mudanças sociais em áreas que permeiam o cotidiano da sociedade, tais como saúde, habitação, educação, emprego, além de uma política nacional de lazer e de prevenção da violência nos espetáculos futebolísticos. A violência no futebol é gerada socialmente e é parte de um todo, assim, conforme destacam os autores, compreender o esporte contribui para a compreensão da sociedade.
 

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