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O tempo passa e as histórias de superação no esporte reforçam minha tese de que o mito do herói é mobilizador do esporte. Isso não quer dizer que ele toca apenas os que estão no pódio. A referência heroica é parte integrante da vida de quem busca o inalcançável todos os dias. Viver é a arte cotidiana de se superar. Atletas vivem o superlativo dessa assertiva uma vez que não basta competir, é preciso ganhar, contrariando a máxima do patrono olímpico Pierre de Coubertin. Digo isso não para provocar o contraditório, mas porque ninguém doa a vida a uma causa para apenas fazer parte dela. Todos que se dedicam integralmente ao que fazem desejam o reconhecimento desse feito. Excelência é mais do que meritocracia. No esporte o reconhecimento social do esforço do treino é a vitória. E não há mal algum nessa disposição desde que ela seja acompanhada por valores e pela ética da competição tão esquecida nos últimos tempos.

Afirmo isso a partir de dois casos recentes.

Mirlene Picin, conhecida como Mika, tornou-se a maior medalhista brasileira em competições sul-americanas de esportes olímpicos, entre homens e mulheres, tanto de inverno quanto de verão. Ela conquistou três medalhas de bronze no recente campeonato sul-americano de biathlon, modalidade olímpica de inverno que une duas disciplinas (ski cross country + tiro com rifle 22). Após essa conquista Mika passou a contabilizar 32 medalhas, ultrapassando a marca de Piedade Coutinho.

Piedade tornou-se uma das maiores nadadoras brasileiras, com 30 medalhas em sul-americanos. Foi também a primeira atleta brasileira a chegar a uma final olímpica, nos Jogos de Berlim, em 1936, na prova dos 400 livre, conquistando um 5º lugar, resultado repetido por Joanna Maranhão mais de meio século depois.

Outro destaque heroico fica para Ítalo Ferreira, o surfista brasileiro que protagonizou uma cena cinematográfica ao vencer a barreira do tempo e do espaço para chegar à praia de Miyazaki, no Japão. A caminho da competição, foi roubado na California durante uma escala do voo três dias antes de chegar ao seu destino. Teve sua mochila levada, onde estavam seu passaporte e outros pertences. Depois de um périplo de dar inveja a Hércules, seguiu viagem e foi direto do aeroporto para o mar. Chegando lá seus adversários já dentro da água. Faltavam menos de 10 minutos para acabar seu tempo quando pegou uma prancha emprestada e com o shorts que vestia da viagem foi, viu e venceu.

O curioso desse história de Ítalo é que o surf participará dos Jogos Olímpicos de Tóquio pela primeira vez. Até aqui dizia-se que isso não era significativo para uma modalidade que tem sua origem associada a valores que não necessariamente condizem com os olímpicos atuais. As competições atuais do surf no Japão são fundamentais para quem deseja participar do que está para acontecer em 2020. Tanto é assim que o consagrado veterano Kelly Slater luta junto com todos os jovens surfistas do mundo pela vaga que pode dar o pódio que falta à sua prestigiosa carreira.

Isso prova o imaginário heroico promovido pelas competições olímpicas. O agente mobilizador não é o prêmio material em forma de metal pendurado no peito ou na conta bancária do campeão. O que move atletas de diferentes gerações em busca de uma participação olímpica é a possibilidade de entrar para um grupo muito restrito capaz de feitos incomuns. É a possibilidade de ter a própria existência vinculada a um resultado maior que o pódio em si.

Por isso hoje lembramos de Piedade, Joanna, Mika e Ítalo. Atletas que a seu tempo e em suas modalidades superaram dificuldades dentro e fora do ambiente competitivo para se tornarem imortais.