História e a Invenção das Tradições
Por Antonio Jorge Gonçalves Soares (Autor).
Em Estudos Históricos v. 13, n 23, 1999. Da página 119 a 147
Resumo
O presente artigo parte da constatação que o livro "O Negro no Futebol Brasileiro", escrito por Mário Filho, tornou-se uma fonte "inesgotável" e privilegiada de dados para aqueles que pretendem escrever sobre a história do futebol brasileiro. Como o título do livro informa, o negro teria sido um ator central na história de desenvolvimento e construção do futebol brasileiro. O negro é, na obra em questão, um personagem heróico que sofre dano e segregação, luta e resiste e afirmar-se como herói nacional. Em síntese, o livro é inspirado pelo nacionalismo, onde preconceito, racismo e separação entre negros e brancos são ingredientes ou inimigos a serem derrotados para a afirmação da nação. Mário Filho é um inventor de tradições. A questão situa-se no fato das "novas narrativas" sobre o futebol, produzidas no interior das ciências sociais, tomarem os dados de Mário Filho por empréstimo, sem questioná-los e sem muita fineza analítica, para atacar "outros inimigos". As "novas narrativas" pretendem denunciar o racismo da história do futebol brasileiro, como qualquer outro racismo, e ao mesmo tempo afirmar as encantadoras singularidades do nosso futebol. Neste caso a história específica do futebol desaparece e é englobada pelas vicissitudes da gesta moderna da raça negra, da qual o campo do futebol seria apenas um de seus lugares. A hipótese central é que as "novas narrativas" sobre futebol, ao nutrirem-se acriticamente d¿O Negro no Futebol Brasileiro, acabam tragadas pela força, quase mítica, da narrativa de Mário Filho. O resultado é a construção de um "novo" discurso mítico e épico de exclusão, resistência e afirmação do negro na "velha versão da identidade nacional"