Resumo
A presente tese tem como objetivo interpretar os processos de estigmatização e resistência nos percursos biográficos de mulheres atletas de levantamento de peso (LP). Tais reflexões privilegiaram produções predominantemente pós-estruturalistas no campo das Ciências Sociais e da Educação Física, que demonstraram ser relevantes no processo de construção dessa pesquisa. No percurso metodológico, foi utilizado o método da História oral de vida em sua vertente temática, bem como a técnica de entrevista individual, com categorização discursiva das transcrições a partir de um olhar interseccional sobre tais narrativas e categorias nativas, momento em que marcadores sociais da diferença foram analisados conjuntamente na interpretação desses processos culturais. Para tal, o grupo de interlocutoras da pesquisa foi composto por cinco mulheres atletas olímpicas de LP de três gerações. A tese central da pesquisa considera que os processos de abjeção vivenciados por tais mulheres são plurais e interseccionados por marcadores sociais da diferença na construção de mecanismos de hierarquização social em seus percursos biográficos e, paralelamente, essas atletas podem fazer circular micro estratégias de resistências múltiplas, ou agência interseccional, mobilizando marcadores sociais da diferença de forma articulada. Nesse sentido, todas elas abordaram as desconfianças de seus grupos familiares e de sociabilidade amplo sobre as alterações em seus corpos e a possibilidade de serem consideradas “masculinizadas” com as experiências no LP. Apesar de tais interpelações, nossas interlocutoras, cada uma a seu tempo e modo, mobilizou estratégias diversas para superar tais processos, que vão desde a busca pela “anulação” desses discursos até a reafirmação de aspectos de uma feminilidade normalizada, mediante intensificação da utilização de técnicas de embelezamento. Outro ponto de convergência foi o processo de ampliação de poderes que suas experiências no LP trouxeram; tal processo é múltiplo e passa pela melhoria de suas remunerações e consequente ascensão social via esporte; ampliação do capital cultural pela escolarização no ensino superior, bem como da rede de sociabilidade pelas experiências em competições internacionais em diversos países, o que, segundo elas, não poderia ser alcançado fora de suas carreiras no LP. Nesse processo, em que a relevância dos agentes facilitadores em suas trajetórias é evidenciada, treinadores (as) e pessoas de seus grupos familiares ocupam espaço no processo de motivação em algum momento de suas carreiras. Nota-se que os processos de treinamento são marcantes nos percursos biográficos das atletas, em que o campo esportivo do LP se apresenta como espaço cultural privilegiado para trocas geracionais diversas, onde as atletas mais experientes assumem posições motivacionais e de tutoria para as atletas mais jovens. Percebemos que a carreira no LP, a dedicação aos treinamentos e às tecnologias que envolvem uma modalidade esportiva no alto rendimento tornam-se estratégias centrais de resistência dessas mulheres em seus espaços de sociabilidade. Nesse sentido, abjeção e agência são faces dos processos de subjetivação dessas mulheres no campo esportivo, em que ser treinadora, árbitra, dirigente, administradora de uma empresa e trabalhar para a ampliação das oportunidades para outras mulheres jovens na modalidade são alguns dos sonhos mencionados por nossas interlocutoras, o que nos faz perceber que a valorização dos agentes facilitadores em suas trajetórias traz o compromisso em sê-lo no futuro. Assim, processos de abjeção sofridos em momentos pretéritos, ou mesmo atualmente, demonstraram ser, para além do sofrimento, faces da ampliação de poderes e possibilidades de reordenamento de seus percursos biográficos. Enfim, tais histórias de vida nos instigam a ampliar os olhares sobre tais experiências e refletir de forma interseccional sobre outros percursos biográficos de mulheres em futuras pesquisas nessa chave teórica e metodológica.
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