Resumo
Evidências mostram que o uso de internet e a atividade física de lazer possuem efeito de atenuar o declínio cognitivo em idosos. Esta tese teve como objetivo geral analisar o impacto entre o uso de internet, a prática de atividade física de lazer e a função cognitiva de idosos e quatro objetivos específicos: 1. Descrever o uso de internet e identificar os fatores associados a mudanças no uso de internet ao longo de quatro anos em idosos participantes do estudo EpiFloripa Idoso; 2. Estimar a associação entre o uso de internet e o ganho/perda cognitivo ao longo de quatro anos em idosos; 3.Verificar a associação entre mudanças no uso de internet e na prática de atividade física no lazer ao longo de quatro anos em idosos; 4. Estimar o efeito da participação em grupos de estimulação e reabilitação cognitiva mediados pelo uso de computadores e internet sobre a função cognitiva de idosos. Para isso, foram utilizados dados de dois estudos: um estudo longitudinal populacional (Estudo 1- EpiFloripa Idoso) e um de intervenção (Estudo 2- Oficina da Lembrança). O estudo 1 teve amostra de 1.705 idosos entrevistados em 2009/10 e 1.197 em 2013/14 de ambos os sexos, todos residentes na zona urbana de Florianópolis/SC. Foi utilizado um questionário com questões sobre dados demográficos e socioeconômicos, saúde mental, funcionalidade global, avaliação cognitiva, uso de internet e atividade física de lazer. As variáveis analisadas foram: Declínio cognitivo avaliado pelo ganho/perda clinicamente significativa de quatro ou mais pontos no escore do Mini Exame do Estado Mental (MEEM) entre as duas entrevistas; uso de internet (manteve o não uso de internet, passou a não usar internet, passou a usar internet, manteve o uso de internet); atividade física no lazer (manteve-se inativo fisicamente; passou a ser inativo fisicamente; passou a ser ativo fisicamente; manteve-se ativo fisicamente); sexo (feminino, masculino); idade (em anos completos); renda familiar per capita em Reais (R$); escolaridade (em anos de estudo); e o declinio cognitivo no baseline. Os dados foram analisados conforme cada objetivo do estudo. A prevalência de uso de internet foi de 26,6% (IC95%=24,1-29,1 em 2013/14). Foram associados a manutenção do uso de internet no período de quatro anos, o sexo masculino (RRR=2,19; IC95%=1,48-3,26), maior renda salarial mensal familiar (RRR=3,53; IC95%=1,35-9,23), a maior escolaridade (RRR=2,64; IC05%=1,57-4,43) e não ter cuidador (RRR=0,08; IC95%=0,02-0,31). Houve associação significativa entre o uso da internet e o desempenho cognitivo, com maior chance de ganho cognitivo (OR=3,3 - IC95%=1,1-9,8) e menor chance de perda cognitiva (OR=0,39; 95%=0,17-0,88). A prevalência de manter-se ativo fisicamente no lazer foi de 15,8% (IC95%=12,6-19,0 em 2013/14) e associou-se com ser do sexo masculino (RRR=2,14; IC95%=1,50-3,05), ter menor escolaridade (RRR=0,99; IC95%=0,99-0,99) e a manter-se usando internet (RRR=5,52; IC95%=3,25-9,36). O estudo 2 realizado com 121 idosos (grupo de intervenção n=56; grupo controle n=53) de ambos os sexos participantes do programa de estimulação e reabilitação cognitiva denominado Oficina da Lembrança nos anos de 2010/2011, residentes em Palhoça e Tubarão/SC. A variável desfecho foi o ganho clinicamente significativo de quatro ou mais pontos no escore do MEEM. As variáveis de controle foram sexo (masculino, feminino), idade (em anos), estado civil (casado, solteiro, separado, viúvo), escolaridade (em anos de estudo) acesso a serviço de saúde e diagnóstico de hipertensão, diabetes, hipoteiroidismo, doenças cardiovasculares, polimedicação, uso de benzodiazepínicos, uso de tabaco, prática de atividades física, obesidade (não, sim), capacidade funcional (sem incapacidade e com incapacidade) e o intervalo em dias entre o MEEM inicial e final. Os participantes foram avaliados antes e após o programa. Os dados foram analisados por regressão logística, com resultados expressos em Odds Ratio (OR) e seus respectivos intervalos de confiança. No modelo ajustado final, o grupo de intervenção obteve chance 4,63 vezes maior de ganho cognitivo de 4 ou mais pontos (OR=4,63; IC95%: 1.43-14.94) em comparação com o grupo controle. A presente pesquisa mostrou longitudinalmente e por meio de uma intervenção controlada randomizada, que o uso de internet aumenta significativamente as chances de ganho cognitivo e diminui as chances de perda cognitiva em idosos e que o uso da internet influencia em um comportamento mais ativo em relação a atividade física de lazer. Os dados da presente pesquisa podem auxiliar governos, organizações, sociedade civil, setor privado e instituições acadêmicas na elaboração e monitoramento de políticas públicas que promovam a inclusão digital e a prática de atividades físicas para pessoas idosas, tendo em vista que estes são comportamentos modificáveis e não medicamentosos eficazes de prevenção e tratamento de problemas cognitivos que podem ser facilmente incluídos na políticas de promoção de saúde de idosos.