Integra

18-10-2013

Nesta ultima quinta-feira, entre uma e três da tarde, tive uma reunião de trabalho. Entre outras coisas, o proposito do encontro era botar os professores e professoras do curso juntos para discutirmos as nossas “metas para 2014”.  Logo na primeira hora eu noto um frenesi acima do normal na sala, com celulares vibrando com mensagens e e-mails, pessoas entrando e saindo do recinto. La pelo meio da reunião, o quórum de cerca de 30 pessoas havia caído em um terço. Foi quando entendi o que estava rolando, pois a coordenadora começou a avançar sobre um tópico no qual outra professora deveria liderar a conversa. Mas a coordenadora logo explicou porque ela estava tomando as rédeas do tema, esclarecendo que a responsável por aquela temática havia saído logo no começo da reunião, pois “ela recebeu a noticia que há um incêndio florestal próximo a casa dela”.

Assim que deixei a reunião fui para a minha sala, que tem uma vidraça que vai do chão ao teto, e pude constatar o céu todo preto: nenhuma chuva no horizonte, e sim uma fumaceira danada. Ventava muito, um vento quente e abafado. Por aqui venta muito, e em dias quentes ventania forte é sinônimo de problemas. Acessei os canais certos da internet e vi que havia um incêndio florestal grande, mas sob controle há cerca de 30 km dali, mas outros dois incêndios enormes e fora de controle há 100 km do meu campus, no sopé das Blue Mountains, uma gigantesca e linda cadeia de montanhas toda coberta por uma magnifica e bem preservada área florestal, que fica na direção oeste, indo rumo ao interior do estado.

O pessoal estava agitadíssimo e o frenesi continuava. As quatro da tarde a secretaria administrativa da minha faculdade fechou as portas em função do clima e do transito local – boatos que ruas haviam sido fechadas se espalhavam pelos corredores. Eu liguei para casa, todos bem – apesar da fumaceira que invadia todos os lados – e decidi ficar na faculdade. Fui embora pelas seis, quando o céu – e o transito – já estavam melhores.

Fui acompanhando as noticias via televisão, internet e apps que mostram em tempo real a situação dos incêndios pelo estado. Dois incêndios dramáticos destruíram centenas de casas em três comunidades ao pé das Blue Mountains. As imagens são terríveis, casas belíssimas que em questão de minutos viraram cinzas, levando tudo o que as pessoas tinham. Depoimentos de moradores locais, inclusive de um senador, que perderam tudo, deixavam o coração apertado.

Por volta das onze da noite, chega um e-mail do gerente geral da minha faculdade. Como um dos campi no qual os cursos da School of Education são oferecidos fica a 20 minutos das Blue Mountains, muita gente trabalha na faculdade e mora nas montanhas – um lugar absolutamente lindo, com vistas incríveis (as montanhas são realmente azuis!), repleto de caminhadas e passeios belíssimos, com diversas comunidades de artistas, andarilhos e pessoas bem interessantes e simpáticas. Enfim, o rapaz relatava que ainda não havia chegado em casa, pois estava parado em um bloqueio da policia que não deixava ninguém passar; o fogo havia atingido ‘somente’ o jardim dele, destruindo um pequeno viveiro de plantas mas deixando a casa intacta; vizinhos de rua tiveram suas casas totalmente aniquiladas – a mensagem terminava falando que a mulher dele já estava em casa, e que ele queria chegar logo para ajuda-la a aguar e salvar as plantas – e também dizendo que ele era um cara muito sortudo comparado a todos os outros na sua rua e imediações, que perderam tudo.

Os bombeiros (incluindo ai centenas de ‘firefighters’ voluntários) trabalharam  incessantemente noite adentro, organizando as pessoas para saírem das casas, tentando salvar e controlar o fogo, naquilo que já é classificado como o pior incêndio florestal do estado de New South Wales na ultima década. Clubes locais se organizando para servirem de abrigo, e a comunidade rapidamente se mobilizando para ajudar os que perderam tudo, oferecendo teto, roupas, auxilio financeiro, etc. Uma desgraça completa, mas sem vitimas fatais; gente queimada e intoxicada pela fumaça, isso teve bastante.  O governo federal já começa a mobilizar o fundo de urgência para as vitimas.

Pela manha, acordo com bastante fumaça ainda nas ruas. Outra colega da faculdade que mora naquela área mandou e-mail, dizendo que o fogo destruiu as casas dos seus vizinhos de ambos os lados, mas que a dela permaneceu intacta. A policia e os bombeiros autorizaram que ela dormisse lá – mas não havia luz, e os filhos adolescentes chegaram em casa da escola por volta das dez da noite, caminhando em comboio com colegas e professores que deixavam cada um na sua casa ou, nos piores casos, junto as famílias em algum abrigo. A policia se comprometeu a acorda-la se o fogo voltasse a ameaçar a casa. O marido dela, bombeiro voluntario, passou a madrugada lutando contra o fogo, o qual , no momento em que escrevo continua grave, mas não mais fora de controle. Já se vão cerca de 30 horas desde o inicio da tragédia.

Desde que cheguei aqui na Australia, esta primavera esta sendo realmente atípica. Nos outros anos, foi a melhor estação de todas, com temperaturas agradáveis, com flores e vegetação desabrochando e deixando as ruas todas lindas e cheirosas – tudo convidando para passear pela rua e apreciar a vida. Desta vez as temperaturas já estão muito altas, parece verão, e tem ventado muito. Já era um pouco previsível tudo isso, uma vez que o outono e o inverno foram absurdamente secos, choveu muito pouco. Esta secura claramente dificultou o trabalho dos bombeiros – usualmente, nos meses que antecedem a primavera, eles fazem queimadas preventivas, colocam um fogo controlado em pequenas partes das matas que circundam as casas, escolas, etc, como estratégia para prevenir a propagação dos inevitáveis incêndios florestais que acontecem no verão. Neste ano, entretanto, eu não vi na minha região nenhum destes fogos preventivos: estava tudo tão seco que eles não conseguiriam manter a prevenção sob controle, e o que seria uma técnica de prevenção iria fatalmente acabar em tragédia. Em diversos dias já tivemos ‘estados críticos, severos e emergenciais’ em relação ao fogo, dias em que há um banimento completo de qualquer foguinho em todas as vias publicas – e’ inclusive proibido fumar nas ruas, pois qualquer bituca de cigarro na grama seca pode detonar um fogaréu imprevisível.

Foi o que aconteceu alias no domingo passado, no complexo aquático do Parque Olímpico de Sydney, onde mais de 70 carros estacionados derreteram por conta de um fogo provavelmente causado por uma bituca; uma piscina enorme e super legal, cheia de escorregadores e outros brinquedos aquáticos que teve de ser evacuada em virtude do fogo. Minhas crianças tinham insistido muito para irmos ate lá brincar na agua naquele domingo, mas como ventava demais achamos prudente ficar em casa. Sorte a nossa.

Falando em crianças: hoje elas não foram a escola por conta da fumaceira persistente, que provoca muitos problemas respiratórios. Com seus professores e professoras, elas já participaram de alguns treinamentos de evacuação caso o fogo ameace os bosques ao lado da escola delas. Elas têm o privilegio de estudar em uma escola construída ao lado de uma reserva florestal lindíssima – acho que elas nem se tocam de como e’ legal estudar em um lugar desses. A contrapartida deste privilegio e’ o perigo de fogo – há uns 30 anos a escola foi destruída por um incêndio que assolou a região onde moro, também cheia de florestas e bosques incríveis.

A escola delas e’ classificada como ‘zona 1’ em termos de perigo de incêndio florestal, o que significa que será o primeiro lugar em que os bombeiros irão evacuar caso aconteça alguma coisa: já existe todo um plano de ação para onde eles irão levar as crianças em caso de evacuação – coincidentemente um clube há três minutinhos de casa –  como todos devem se comportar em um caso desses e assim por diante. Todos os dias no final da tarde o departamento de controle de incêndios lança um comunicado avisando em qual nível o risco de incêndio estará no dia seguinte: muito alto, severo, emergencial ou catastrófico. Em caso de um alerta de catástrofe ser emitido, a escola será fechada; o departamento de educação pede que os pais fiquem com as crianças em casa – inclusive mandaram ideias e folhas com atividades de aprendizagem para serem feitas nestes dias; os pais que não puderem ficar com os filhos deverão leva-los a outra escola da área, mais central e longe das florestas, onde haverá professores da própria escola para cuidar deles. Ninguém deve ser deixado sozinho em casa. As famílias devem ter seus planos próprios de evacuação.

Enfim, o verão por aqui promete ser muito quente e relativamente perigoso. Aqui não tem PCC; não tem policia militar carioca ou paulista descendo a borracha ‘democrática’ em quem se arrisca a se manifestar nas ruas; não tem sarneys e assemelhados. Mas tem muitas florestas lindas que pegam fogo ciclicamente, incêndios nem sempre espontâneos, mas sim causados pelos humanos.  Espero que os danos sejam os menores possíveis, e que não haja vitimas fatais.  Nós vamos sobreviver e tentar ajudar todos aqueles que precisarem de apoio.

Atualizações 1 – Em um post anterior, no inicio de Setembro, eu mencionei sobre as greves nas universidades australianas. O pessoal da Sydney University, depois de uma longa campanha salarial, com direito a piquetes e varias paralisações por um dia, finalmente conseguiu que suas reinvindicações fossem atendidas: 15% de aumento ao longo de dois anos, um abono de A$ 600,00 e outras questões ligadas à pesquisa para os acadêmicos e treinamento para os profissionais não acadêmicos.

A minha universidade ate’ agora não fechou nada em termos do nosso acordo trabalhista que expirou há mais de um ano. As negociações se arrastaram ao longo deste ano, e ate’ agora foram um fiasco completo. O sindicato chamou duas paralisações parciais – das oito ao meio dia – para as próximas quartas-feiras, com direito a piquete nos principais campi. A luta continua

Atualizações 2 – Naquele mesmo texto de Setembro, eu mencionava a historia de um pássaro que estava chocando no telhado da escola dos meus filhos, e a mobilização em torno disso. Pois bem, as crianças tiveram férias de primavera (ultima semana de Setembro e primeira de Outubro) e quando voltaram às aulas todas as áreas de pátio da escola estavam fechadas, obrigando-as a ficar nas classes nos intervalos. Motivo? O passarinho finalmente nascera, e ficava andando todo bambo pela escola, com a mamãe passarinha gritando nervosa atrás dele, e o papai passarinho ameaçando ferozmente e atacando quem chegasse perto – os bichos bicam furiosamente, e’ bem perigoso e dolorido enfrentar uma briga com estes pássaros. Infelizmente, e apesar de toda o agito  para proteger o passarinho, ele não sobreviveu. O casal de pássaros, muito abatidos, mas reconhecendo a situação, deixou o filhotinho no ninho e foi embora. A escola reabriu todas as suas áreas.

Por Jorge Knijnik
em 18-10-2013, às 18:15

14 comentários. Deixe o seu.

Boa, JK, parece que o fogo é menos mortal aí. No Bananão estamos numa campanha pra dar uma cesta básica e vale transporte pro Renan, pobrezinho. Aqui a gente queima também de raiva! http://bit.ly/lanchinhodorenan

Laércio

Por Laercio Elias Pereira
em 18-10-2013, às 18:52.

Caro Jorge, lamento profundamente por mais esse incêndio e mais essa destruição da natureza. O mundo parece ter mudado e, talvez por causa nossa, os humanos, a natureza vem reagindo fortemente com secas inclementes, chuvas torrenciais, ventanias fortíssimas, tsunamis, tufões, deslizamentos de morros, inundações, praias desaparecendo, degelo no Ártico…
Espero que vocês não sejam afetados – sabe-se lá o que ainda possa vir pela frente. O lado positivo é a narração que você fez sobre a prevenção e cuidados que o país oferece – inclusive folhas de atividades para as crianças quando não puderem ir às escolas.
É quase igual aos procedimentos no Brasil. (E para quem conhece as NOSSAS AUTORIDADES, isso é uma ironia sem tamanho, aqui é um salve-se quem puder).
Boa sorte.

Por Julio Bahr
em 18-10-2013, às 18:59.

JOrjão

Belo texto. Nós é que somos os invasores do planeta, e ele cobra o preço pela urbanização desenfreada.
Lembranças ao casal de pássaros desafortunado.

Saudades
Léo

Por Leonardo
em 18-10-2013, às 20:12.

Caro Jorge,

O incêndio que descreves é dantesco. No nosso verão foi muito quemte, com temperaturas nada habituais, nomeadamente da água do mar; também tivemos muitos e grandes incêndios, mas julgo que muitos deles foram fogo posto. O país ‘está de tanga’ e há gente que a ganhar dinheiro com os fogos.

Aliás, passado o verão, a temperatura mantem-se alta para a época e a chuva tem sido só para sujar os automóveis e assentar a poeira.

Um abraço

Paula

Por Paula Botelho Gomes
em 18-10-2013, às 20:23.

O pior e’ ainda sujarmos nossos blogs e cevs com estes sujeitos… Fazer o que? Melhor isso do que literalmente queimar a HistoriA como muitos querem… Abertura dos arquivos da ditadura ja!

Por Jorge Knijnik
em 18-10-2013, às 22:46.

Oi , Julio sim tem um lado positivo, principalmente a mobilizacao comunitaria. Obrigado pelos votos um abraco

Por Jorge Knijnik
em 18-10-2013, às 22:48.

MaguiLeo,mandarei seu abraco, mas de longe-estes passaros nao se mostraram gratos com todo o cuidado comunitario para com eles. Voce acha que corro o risco de ficar Australianizado? Ou de Brasileirar a bagaca? Abrazon!

Por Jorge Knijnik
em 18-10-2013, às 22:51.

Paula Querida, incendio criminoso, isso sim e’ dantesco, inimaginavel….leio que o culpado das altas temperaturas aqui ‘e o El Nino… Sempre a criminalizacao da infancia….beijos grandes

Por Jorge Knijnik
em 18-10-2013, às 22:53.

Oi, JK.
Estamos torcendo e orando para que o fogo seja contido e que não cause mais perdas!
O passarinho e a raiz da árvore – na trilha da montanha – me faz pensar que a natureza tem seus próprios caminhos. Ainda que tentemos nos integrarmos harmoniosamente a ela seus caminhos muitas vezes não condizem com as nossas vontades.
Abraço JK!!
ASA.

Por ASA
em 18-10-2013, às 23:59.

Voce tem razao, ASA… harmonia e’ complicada demais de conquistar… obrigado pelas vibe positivas!

Por Jorge Knijnik
em 19-10-2013, às 4:06.

Puxa, Jorge,

Ouvi falar do incêndio, mas não sabia que fora tão destrutivo assim. Ainda mais no sopé das Blues Mountains. Adorei aquele lugar, lindíssimo, inesquecível.

Tudo de bom aí!

Abraços,

Adriano

Por Adriano Senkevics
em 19-10-2013, às 20:48.

Entao, adriano, sempre ha incendioss nas Blue Mountains, aquele paraiso repleto de arvores milenares – onde ha inclusive especimes guardados a sete chaves, pois sao unicos no mundo e descendem de plantas do tempo dos dinossauros. Mas desta vez esta uma calamidade, muito triste mesmo. Por outro lado a solidariedade esta incrivel, ate em jogos de futebol o pessoal passando o chapeu para coletar e ajudar. Abracos, e cuidado com os alckimistas!

Por Jorge Knijnik
em 19-10-2013, às 23:19.

Oi Dorfman,
Deve ser “esquisito” ver um uma calamidade desta de tão perto!
Sem contar que o passarinho morreu!!!!
Nós, vamos aqui, sem muitas calamidades naturais, porém, matando um leão por dia.
Tadinho dos leões e tadinho de nós…he!
bjuss na família linda.

Por Denise Grillo
em 24-10-2013, às 14:39.

Oi Grillo…bom te ver aqui! O ultimo grande incendio mais proximo de casa esteve ha 50km….por hora o pior ja passou,ainda bem. Tive alguns conhecidos, colegas da faculdade,bem afetados,cancelando reunioes,pois moram em areas bem afetadas. Concordo contigo, no Brasil em geral quem se fode sao os humildes, se conhecemos alguem afetado por uma enchente, em geral e’ um empregado domestico. Por aqui a tragedia parece ser mais democratica…teve ate’ uma deputada federal local que perdeu casa. Eu tenho ca minhas hipoteses sobre as razoes disso…e voce? Quanto as leoas…acho que voce tira de letra, grande domadora! Beijao

Por Jorge Knijnik
em 26-10-2013, às 2:01.