Integra

 Atualmente fala-se muito sobre o corpo, seja fazendo referência ao corpo "físico", corpo "que sente", ao corpo "que fala", enfim, é comum haver várias expressões sobre o corpo. Quando, na verdade, muitas das referências feitas dizem respeito à concepções diversas de corpo.


 Neste trabalho, o corpo será tratado como significado de gente, pessoa; não dissociando corpo e mente. Sendo pessoa, a atuação da escola irá determinar a formação dessa pessoa, enquanto indivíduo ativo numa sociedade constantemente construída. Construída pela história diária e pelos valores sociais que são transmitidos. Quase sempre esses valores sociais ditam normas, regras, juízos de valor e conceitos prévios que acabam por serem impostos e de tal maneira, incorporados pelos ditos indivíduos onde a questão da individualidade confundi-se com o coletivo, determinando concepções e conceitos acerca das "coisas" e principalmente acerca do que somos de fato.


 Mesclam-se de tal forma esses conceitos que crescemos muitas vezes pensando que, somos o que não temos consciência de ser e não somos o que desejamos ou pensamos ser. Enfim, a escola e especialmente a educação física, trabalha com as questões relativas à imagem e ao esquema corporal que são, gradativamente, construídos e estruturados muito cedo, na infância do indivíduo.
Questiona-se então, a importância da percepção que as pessoas têm de seu corpo, ou seja, delas mesmas. Pois, enquanto "objetivo" da educação física e do sistema educacional, numa outra dimensão, a sintonia do esquema, com imagem corporal é fundamental para que a pessoa, em decorrência do processo educativo, conheça-se e perceba-se como ela realmente é, ou seja, trazer a consciência que a pessoa tem de seu corpo próximo da maneira com que esse corpo se manifesta é o grande desafio da educação física. Uma vez que a atividade motora, o exercício influencia diretamente à auto-estima da pessoa, pois leva a perceber suas limitações e possibilidades de fato. Longe ou não do que ela tinha pré-determinado ou pré-conceituado à seu respeito.


 Faz-se necessário esclarecer que ao citar à pessoa, faz-se referência à criança que está no processo de formação educacional, à criança que está na escola recebendo orientação profissional. Apesar de se ter certeza que a construção da consciência corporal ocorre independente do processo de escolarização numa decorrência natural do crescimento e desenvolvimento humano, um processo que está impregnado de influências político-sociais. O que resulta, muitas vezes, na formação de indivíduos impregnados de valores e conceitos que lhes são induzidos sem reflexão e que passarão a conduzir suas posturas.
Acredita-se numa Educação que venha justamente romper com esta construção de modelos que desconsideram a individualidade, e que passe a educar para e através do mundo. Sendo este processo gradativo e intrínseco, a criança irá construindo-se a partir do que ela é, colocando-se no mundo enquanto indivíduo único e particular consciente do que é, e de sua relação com os demais.


 I - Consciência Corporal = Imagem + Esquema


 Para fundamentar este trabalho faz-se necessário elucidações acerca do conceito de consciência corporal. Ao delimitar-se tal idéia, sana-se quaisquer dúvidas que por ventura possam surgir no desenvolvimento deste.
 Alguns autores falaram com propriedade a respeito de consciência, de imagem e esquema corporais. Wallon (1975) acredita que a consciência corporal baseia-se na noção do próprio corpo e esta depende de uma sensibilização própria a que denomina cinestesia.
Para Knobel (1977), existem dois esquemas corporais: do corpo (externo) e do eu (interno) o qual é conhecido como imagem corporal. A percepção do próprio corpo só pode se formar ao exteriorizar-se, ou seja, ao vivenciar e expor fisicamente suas emoções e sentimentos.
Segundo Schilder (1980), a imagem corporal é toda percepção do corpo, formada na mente de cada um nós, ou seja, o modo pelo qual o corpo se apresenta para o indivíduo.


A partir destas concepções, pode-se perceber que uma melhor comunicação do indivíduo com o outro, e com o mundo faz-se através de uma relação harmoniosa entre a imagem corporal com o esquema corporal. Enquanto a imagem é a base, o alicerce interno que se forma, paulatinamente na gestação no parto e na infância; o esquema é mais suscetível, no sentido de aperfeiçoamento, eis que nele estão impressos, através da respiração, da tonalidade muscular, da postura, do gestual e dos movimentos, a grande maioria dos desequilíbrios e patologias do indivíduo.
 A consciência corporal forma-se na complementação de imagem e esquema corporais, que juntos são apenas um, o ser humano, e que separados, na verdade, não se sustentam.


 II - Escola, Educação Física e Consciência Corporal.

Medina (1987) aponta a escola como sendo:
"... em grande escala, aquilo que as forças dominantes da sociedade desejam que ela seja. No sentido oficial, digamos assim, uma de suas funções fundamentais é manter o controle social através da estabilidade e do ajustamento, (...) o homem, o corpo, e suas manifestações culturais, serão produtos das estruturas que caracterizam este sistema (capitalista)".
Esta afirmação vem a reforçar o compromisso do sistema educacional em direcionar a formação de indivíduos para a sua manutenção. Inclusive ideologias de tal forma que ficam difíceis de serem rompidas. Na educação física, por exemplo: o aluno da classe dominante, com vivências ditas "normais" crescerá acreditando na importância do que faz, em contrapartida, aluno da classe dominada, e com suas vivências não convencionais, crescerá utilizando o que tem de conhecimento e abnegado na sua busca do conhecimento do "outro". Com isso, busca-se e internaliza-se o conceito do outro, em detrimento do seu, negando o que se é de fato, sem que se dê a oportunidade de ser percebido.


 Um dos objetivos da educação física escolar, especialmente nos primeiros segmentos, deve ser propiciar ao alunado a percepção de seu corpo, sua relação com os outros e com o espaço que o circunda. Se considerarmos a escola enquanto aparelho ideológico do Estado (SAVIANI, 1982) que abriga em sua maioria professores que ao mediar o processo de ensino e aprendizagem têm uma idéia de indivíduo, cidadão, que se enquadra nos valores capitalistas e neo-liberais de competitividade, seguindo padrões de conduta ‘adequados’, e sedimentando cada vez mais os modelos sociais e culturais vigentes.


 Quando trabalha-se com seres humanos, todo o desenrolar do processo educacional, parte da concepção que se tem de sociedade, cidadania, indivíduo. Bracht (1992) diz que na escola, os professores inculcam nos alunos, os valores e normas de comportamentos ‘desejáveis’ da nossa sociedade. E quando algum aluno manifesta-se de maneira discordante e acontece um conflito, eles ignoram ou arbitrariamente, anulam ou impedem que venha à tona, o que impossibilita um real desenvolvimento e amadurecimento desta relação.
  Tais professores entendem a escola e, consequentemente, a aula de educação física como um instrumento de perpetuação da situação atual; onde utilizam seu poder e autoridade legitimados para rotular, podar a criatividade, a espontaneidade e, desta forma não contribui para o resgate da consciência corporal e, conseqüente, autonomia do aluno. É muito difícil conceber a formação da consciência do corpo numa aula onde não há subsídios para a conscientização do eu interior, da individualidade.

Quando o professor tem clareza de que a aula de educação física deve oferecer possibilidades para o aluno: vivenciar muitas e diversas experiências, tanto individualmente quanto em grupo; aceitar a si, seus limites e limitações, através da conscientização do seu eu interno; aceitar o outro; viver situações de conflito e superá-las dialeticamente interagindo com o outro. Segundo Freire (1993), torna-se fundamental um diálogo que ultrapasse as limitações normalmente impostas nas relações humanas. Essa dialogicidade deve ser alimentada pela reflexão e pela ação que facilite "a superação constante das formulas opressoras de conquistar, manipular e dominar os outros.


Conclusão


 E como, efetivamente, a aula de educação física pode influenciar na consciência corporal do aluno?
Isto dependerá das convicções que o professor tenha acerca da educação física escolar, de indivíduo e de quais indivíduos ele pretende formar na sua aula. Estas concepções são inerentes as teorias de educação que este professor preconiza e são reveladas na sua prática pedagógica. O cotidiano da aula de educação física deve-se fundamentar na concepção que o professor tem de educação, do papel da escola e nos seus objetivos em relação àquela comunidade discente.
 A harmonia da imagem com o esquema corporal deve ser preliminar a obtenção da consciência corporal. E tal relação pode ser uma fundamental contribuição para a prática pedagógica da aula de educação física, levando a uma real integração do aluno com ele mesmo e com o processo educacional.


 Falando-se numa educação que possibilite ao aluno a conscientização e percepção de si, o senso crítico, a apropriação do saber erudito e formal e a valorização do saber informal adquirido através das vivências. A promoção da autonomia do aluno; pressupõe-se a formação de cidadãos plenos, conscientes de seu papel e representatividade na história do seu país, críticos e participativos para fazerem senhores da sua própria história.


Referências Bibliográficas

Freire, Paulo. Pedagogia do oprimido, 11ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
Medina. João Paulo Subirá. O brasileiro e seu corpo: educação e política do corpo. Campinas: Papirus, 1987.
Nascimento, Martha Lovisaro do. Tese: Programa Experimental para desenvolvimento da psicomotricidade em crianças de 6 e 7 anos. Maio, 1988.
Shilder. A imagem do corpo. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1980
Wallon Henry. A evolução psicológica da criança. São Paulo: Ed. Andes, 1975