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CDD. 20.ed. 574.192

        INFLUÊNCIAS DE ESTERÓIDE ANABÓLICO (DECA-DURABOLIN) SOBRE O METABOLISMO DE RATOS SUBMETIDOS AO TREINAMENTO FÍSICO

   

Sídney Barnabé PERES*
Eliete LUCIANO*

 

RESUMO  

Os esteróides anabólicos têm sido descritos por aumentarem a massa muscular e o balanço nitrogenado positivo. Por outro lado, o treinamento físico aumenta as reservas de carboidratos, bem como a síntese de proteínas. O objetivo deste trabalho foi estudar a influência da deca-durabolin sobre o metabolismo em ratos submetidos ao treinamento físico. Os ratos foram distribuídos em sedentários não tratados (SN); sedentários tratados (ST); treinados não tratados (TN) e treinados tratados (TT). Os tratados receberam duas injeções subcutâneas por semana do decanoato de nandrolona (1 mg/kg p.c.) durante seis semanas. O programa de treinamento consistiu de natação com carga de 5% do peso corporal, uma hora por dia, cinco dias por semana, durante seis semanas. Após o período experimental, os ratos foram sacrificados por decapitação, e o sangue e tecidos coletados para análises. Não foram encontradas diferenças significativas nos níveis de glicose e proteínas circulantes. O grupo TT mostrou aumento no peso corporal e tecido adiposo epididimal. O glicogênio e proteínas no diafragma foi elevado nos gupos ST, TN e TT. Portanto, o esteróide anabolizante e a atividade física tiveram influências sobre o metabolismo de ratos Wistar.

UNITERMOS: Esteróide anabólico; Treinamento físico; Metabolismo; Glicogênio; Proteína.

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento do músculo esquelético em organismos jovens e a manutenção da massa muscular em adultos, requerem um adequado suprimento de insulina acompanhado de atividade contrátil. A atividade parece ser determinante fundamental da massa muscular e pode preceder os sinais endócrinos para a depleção de proteínas no músculo. Além disso, os músculos mantidos inativos são mais sensíveis aos sinais catabólicos dos hormônios contra-regulatórios (Goldberg, 1978; Kinball, Vary & Jefferson, 1994). O exercício físico estimula a captação e a metabolização da glicose pelo músculo esquelético, interfere na síntese do glicogênio sintase, além de aumentar o número e a afinidade dos receptores de insulina nas células musculares (Wallberg-Henriksson, 1992). Experimentos com animais in vivo ou com músculos isolados têm mostrado que a atividade contrátil e a insulina podem influenciar, independentemente, os processos de captação de aminoácidos, favorecendo a síntese protéica (Kinball et alii, 1994). Os esteróides anabólicos androgênicos, por outro lado, vêm despertando a atenção dos pesquisadores nas últimas décadas, devido ao seu envolvimento com esportes de alto nível. O uso dos esteróides, compostos químicos que possuem mecanismo de ação semelhante à testosterona, em sua maioria, visam o aumento de massa muscular, com conseqüente incremento do metabolismo protéico e balanço nitrogenado positivo (Johnson, 1985; Yesalis, 1993). Alguns estudos têm mostrado, no entanto, que muitos esteróides apresentam efeitos colaterais como atrofia do tecido testicular, tumores hepáticos e de próstata acompanhado de comprometimento na produção de testosterona, além de alterações no metabolismo lipídico com aceleração dos processos de formação de ateromas (Johnson, 1985; Yesalis, 1993).
A deca-durabolin (17 decanoato de nandrolona) se caracteriza como um esteróide anabólico que apresenta efeitos poupadores protéicos e anticatabólicos, além de efeitos favoráveis no metabolismo do cálcio (Adami & Rossini, 1993). Sabe-se da literatura, que este anabólico não apresenta efeitos androgênicos, o que provavelmente está associado à presença da enzima 5 a -redutase em tecidos contendo receptores androgênicos. Pela 5 a -redução, a nandrolona passa a 5 a -dihidronandrolona, e esta liga-se, menos fortemente, ao receptor androgênico do que a nandrolona. O reverso aplica-se a testosterona. Isto explica o efeito relativamente forte da nandrolona nos tecidos destituídos de atividade 5 a -redutase como é o caso do tecido muscular (Kochakian, 1993). Em função desses aspectos, a deca-durabolin tem sido amplamente indicada na recuperação dos estados que envolvem catabolismo protéico. Estudos envolvendo sua participação sobre parâmetros metabólicos de organismos submetidos ao exercício físico regular são relevantes para esclarecer os efeitos desse esteróide que tem sido muito utilizado pela população.
Assim, nosso principal objetivo foi estudar as interações resultantes da atividade física crônica e do tratamento com deca-durabolin sobre o metabolismo de carboidratos e proteínas em ratos Wistar.

MATERIAIS E MÉTODOS

Para o desenvolvimento do trabalho foram utilizados 24 ratos machos adultos Wistar mantidos no Biotério do Laboratório de Biodinâmica do Departamento de Educação Física do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista -Rio Claro (IB-UNESP-Rio Claro). Os animais foram alimentados com ração balanceada padrão (Purina) e água "ad libitum" e mantidos em gaiolas coletivas à temperatura ambiente controlada de 25°C e fotoperíodo de 12 horas de claro / 12 horas de escuro.

GRUPOS EXPERIMENTAIS

Os animais foram distribuídos nos seguintes grupos experimentais: sedentários, subdivididos em não tratados (SN - n = 6) e tratados com deca-durabolin (ST - n = 6) e treinados subdivididos em não tratados (TN - n = 6) e tratados (TT - n = 6). Os animais dos grupos treinados realizaram um programa de atividade física que consistiu de natação, com carga equivalente a 5% do peso corporal, por 60 minutos diários, cinco dias na semana durante seis semanas. As duas semanas iniciais foram destinadas à adaptação ao esquema de natação. A temperatura da água foi mantida entre 30 e 32°C em um recipiente com 100 cm de comprimento, 70 cm de largura e 60 cm de profundidade (Luciano, 1991).  

TRATAMENTO COM DECA-DURABOLIN

Os ratos dos grupos tratados receberam injeção subcutânea de deca-durabolin (decanoato de nandrolona - 1,0 mg/kg p.c.) diluída em óleo vegetal, duas vezes por semana. Os grupos controles receberam injeção de óleo vegetal nos mesmos períodos que os tratados.

AVALIAÇÕES

O sacrifício dos animais ocorreu por decapitação, às 8:00 horas, após 48 horas da última sessão de exercício, ao final de seis semanas do programa anteriormente descrito. No sangue coletado foram determinados glicemia (método da glicose-oxidase) e proteínas totais. Foram também retiradas amostras do músculo diafragma para dosagem de glicogênio (Sjorgreen, Nordenskjold, Holmgren & Wollerstron, 1938) e proteínas totais, e tecido adiposo epididimal para pesagem. Os resultados foram avaliados por análise de variância e teste de Bonfferroni, com nível de significância 5%.

RESULTADOS

O peso corporal dos animais ao final do período experimental, bem como o tecido adiposo periepididimal (TABELA 1), foram significativamente mais elevados entre os treinados que receberam tratamento com a deca-durabolin. Com relação à glicemia, não encontramos diferenças estatisticamente significativas entre os grupos estudados (FIGURA 1). Por outro lado, o glicogênio do diafragma esteve aumentado nos grupos ST, TN e TT em relação ao SN, com diferenças também entre os treinados tratados e não tratados (FIGURA 2).
As proteínas totais no soro também não diferiram entre os grupos (FIGURA 3). No entanto, com relação às proteínas no diafragma, observou-se um teor mais elevado entre os animais sedentários tratados e treinados tratados ou não com a deca, quando comparados com os sedentários não tratados (FIGURA 4).

TABELA 1 - Peso corporal (g) e tecido adiposo periepididimal médias e seus respectivos desvios-padrão dos ratos sedentário não tratado (SN), sedentário tratado (ST), treinado não tratado (TN) e treinado tratado com deca-durabolin (TT), sacrificados ao final do período experimental.  

GRUPOS Peso Corporal (g) Tecido adiposo (g)
SN 325 ± 56 2,5 ± 0,9
ST 379 ± 67 3,5 ± 0,7
TN 374 ± 42 2,5 ± 0,5
TT 439 ± 17 a 5,1 ± 0,4 a,b,c

p < 0,05

a: diferente de SN

b: diferente de ST

c: diferente de TN

FIGURA 1 - Glicemia média dos ratos dos grupos sedentário não tratado (SN); sedentário tratado com deca-durabolin (ST); treinado não tratado (TN); treinado tratado (TT), ao final do período experimental.

FIGURA 2 - Glicogênio médio no diafragma dos ratos dos grupos sedentário não tratado (SN); sedentário tratado (ST); treinado não tratado (TN); treinado tratado (TT) ao final do período experimental (a: diferente de SN, b: diferente de ST, c: TT diferente de TN).

FIGURA 3 - Proteínas totais médias no soro (mg%) dos ratos controles (SN e TN) e experimentais (ST e TT) ao final do período experimental. FIGURA 4 - Proteínas médias no diafragma (mg/100 g) dos ratos sedentário não tratado (SN); sedentário tratado (ST); treinado não tratado (TN); treinado tratado (TT) sacrificados aos 30 dias de experimento (a: diferente de SN).

DISCUSSÃO

A utilização de esteróides anabólicos está associada com um aumento da massa muscular, estimulação da síntese protéica e redução no tempo de recuperação em atletas treinados (Boone, Lambert, Flynn, Michaud, Zayas & Andres, 1990; Haupt & Rovere, 1984).
No presente trabalho, verificamos que o peso corporal foi mais elevado entre os ratos treinados tratados com deca-durabolin. É importante observar, no entanto, que o peso do tecido adiposo do epidídimo também foi maior neste grupo. Assim, é possível que os valores de ganho ponderal encontrados estejam relacionados com as reservas de gordura armazenadas.
Os resultados relativos ao metabolismo dos carboidratos (FIGURAS 1 e 2) não evidenciaram diferenças na glicose sérica entre os grupos controles e experimentais.
A concentração de glicogênio no diafragma (FIGURA 2) foi aumentada tanto pelo tratamento com a deca como pelo treinamento físico, sendo ainda maior quando da associação de ambos. De acordo com a literatura, os esteróides anabólicos possuem elevada afinidade pelos receptores dos glicocorticóides (Boone et alii, 1990). A supressão da ação dos glicocorticóides pelo esteróide poderia inibir a ação catabólica desses hormônios, favorecendo a poupança do glicogênio nesse músculo. Por outro lado, o exercício realizado cronicamente, aumenta as reservas deste carboidrato por inibir a fosforilase e estimular a glicogênio sintetase, o que poderia justificar os resultados obtidos para os grupos treinados.
A associação dos efeitos da droga e do exercício aumentou ainda mais essas reservas. Segundo Boone et alii (1990), a administração dos esteróides anabólicos em dosagens superiores às terapêuticas pode alterar a resposta do cortisol ao exercício. Um possível mecanismo pode ser mediado através da supressão da resposta do ACTH pelo fato do esteróide competir com o cortisol ao nível dos receptores hipofisários. Rozenek, Rahe, Kohl, Marple, Wilson & Stone (1990), trabalhando com atletas que utilizavam esteróides, não encontraram diferenças significativas no ACTH e cortisol em resposta ao exercício agudo. Em estudos anteriores, não verificamos diferenças nos pesos relativos das adrenais entre ratos sedentários e treinados tratados com a deca em concentrações clínicas, indicando que nessas condições não ocorre ativação drástica do eixo hipotálamo-hipófise-adrenais (Peres & Luciano, 1994).
Os resultados relativos às proteínas totais no diafragma (FIGURA 4) confirmaram o efeito anticatabólico da droga, bem como, do exercício físico. O fato de não haver diferença entre os grupos para os níveis séricos de proteínas totais (FIGURA 3), sugere que o organismo está mantendo a sua homeostasia, principalmente quanto à síntese hepática das proteínas plasmáticas. É importante ainda salientar que o esteróide não potencializou o efeito do exercício crônico sobre as proteínas musculares. Estudos com animais sugerem que esteróides anabolizantes podem aumentar o crescimento das fibras musculares esqueléticas mais acentuadamente do que o treinamento físico (Egginton, 1987). No entanto, Kuipers, Binkhorst, Hartgens, Wijnen & Keizer (1993), trabalhando com biópsia em humanos que usaram seis vezes a dosagem terapêutica de decanoato de nandrolona, não encontraram aumento na área das fibras musculares, densidade capilar ou ultra estrutura capilar em relação aos treinados que receberam placebo.
Concluímos que o tratamento com decanoato de nandrolona associado à atividade física de natação, com carga de 5% do peso corporal, aumenta as reservas de glicogênio no diafragma em ratos Wistar.
As interações resultantes do treinamento físico e do esteróide anabolizante sobre o metabolismo de carboidratos representam adaptações importantes ao organismo, principalmente pela possibilidade de mobilização durante exercícios intensos e/ou prolongados. Esses aspectos são relevantes do ponto de vista prático, não apenas em função dos efeitos benéficos da atividade física regular, mas em especial pela ação desse anabolizante amplamente utilizado pela população.

ABSTRACT

INFLUENCE OF ANABOLIC STEROID (DECA-DURABOLIN) ON METABOLISM IN RATS SUBMITTED TO PHYSICAL TRAINING

Anabolic steroids have been reported to increase muscle mass and to result in a positive nitrogen balance. On the other hand, several studies suggested that physical training improved carbohidrate anabolism and enhanced protein synthesis. The purpose of this investigation was to study the influence of nandrolone decanoate on metabolism in rats submitted to physical training. The rats were divided into SN (sedentary non treated); ST (sedentary treated); TN (trained non treated) and TT (trained treated). The rats received two injections a week of nandrolone decanoate (1 mg/kg b.w.). Exercise-trained animals were submitted to a program of swimming with load of 5% b.w., five days/week, 1h/day for six weeks. The rats were sacrificed and blood samples were collected. Neither group exhibited a significant change on glucose and protein levels in the blood. TT group had a significant increase in body weight and epididimal adipose tissue. The glycogen and protein in diaphragm muscles were significant increased in ST, TN and TT groups. In conclusion, the anabolic steroids and physical training had influence on metabolism in Wistar rats.

UNITERMS: Anabolic steroids; Physical training; Metabolism; Glycogen: Protein.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Recebido em: 13 set. 1995
Revisado em: 07 dez. 1995
Aceito em: 13 dez. 1995

 

Os autores agradecem aos Srs. José Roberto Rodrigues da Silva, Eduardo Custódio e Clarice Yoshiko Sibuya pelo excelente apoio técnico.

 

ENDEREÇO: Eliete Luciano Depto de Educação Física - IB - UNESP Av. 24A, no. 1515 - Caixa Postal 199 13506-900 - Rio Claro - SP - BRASIL  

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