Integra

Era 1981 e havia pouco que eu sepultara o desejo de ser atleta de voleibol, depois do insucesso no vestibular para educação física. Aprovada no curso de jornalismo rapidamente trilhei o caminho das redações. Se não era possível ser atleta eu poderia ao menos tentar me manter no esporte por meio da notícia. E foi por isso que fui parar em Santo André para cobrir o campeonato sul-americano de voleibol feminino. Naquela altura, o maior adversário do time brasileiro eram as peruanas, que no campeonato anterior ocorrido em Lima, fizeram as brasileiras passar pelo constrangimento de entrar pela porta dos animais, na Praça de touros convertida em ginásio esportivo.

Isso por si só já seria o suficiente para fazer daquele campeonato algo histórico. Mas, essas lembranças são apenas imagens fugidias da grande notícia daquele momento: o corte das duas principais jogadoras do time, a atacante Isabel e a levantadora Jackeline. Consideradas uma dupla inseparável, as irreverentes atletas davam um colorido refrescante ao esporte que ainda vivia sufocado pelos ares da ditadura que teimava pairar sobre as quadras e a vida de atletas, como a nuvem que acompanha a Família Adams. O corte das amigas anunciado pelo técnico Ênio Figueiredo era justificado pela indisciplina. Naquele tempo o conceito de indisciplina era muito mais amplo do que hoje. Bastava um “por que isso” para que olhos e ouvidos de todas as direções se virassem para pirralhas habilidosas.

Jackie Silva, como ficaria conhecida aquela maravilhosa levantadora afrontaria outros tantos, chegando mesmo a ser sorrateiramente banida do vôlei brasileiro, para depois se tornar a primeira mulher brasileira, junto com Sandra Pires, a ganhar uma medalha de ouro em Jogos Olímpicos.

Isabel Salgado, a Isabel do vôlei, ficou por aqui e manteve a irreverência e a ousadia conquistando outras marcas.

Fazia questão de dizer que vinha de uma família marcada pelo matriarcado, que suas referências femininas eram muito poderosas, por isso não tinha temor em se expor.

Era bela, bela não, era linda. Junto com Vera Mossa ganhou o título de musa, estampou capa de revistas, era fotografada em diferentes cenas sempre esbanjando charme. Recentemente me falou que odiava o rótulo de musa, que queria ser reconhecida por outros atributos.

Causou furor ao engravidar e seguir treinando e jogando enquanto a barriga deixou. Um assombro desde que Leila Diniz apareceu na praia estampando sua gravidez “sem-vergonha”. Inovou ao seguir jogando depois das filhas e dos filhos nascerem e mais do que isso, ao se tornar técnica de sua prole. Foi a primeira mulher técnica de um time da superliga, desafiando a naturalidade com que homens chegam a esse posto.

Isabel tinha estatura moral para atacar pela ponta ou pelo meio as injustiças do mundo. Daí, ser juntamente com Casagrande, uma das fundadoras do Esporte pela Democracia. Dali se colocou em defesa da democracia de forma ampla, combatendo o racismo, defendendo os povos originários e suas manifestações culturais, denunciando a arbitrariedade da qual a filha Carol Solberg foi vítima. Não havia tema em que não pudesse ser ouvida, afinal ela nasceu para falar e falar com potência e doçura.

Que lamento não poder ter sua voz nesse momento tão importante de transição. Mas, o que é a vida se não apenas uma passagem?